18/03/2014
As vendas do comércio varejista aumentaram 0,4% de dezembro para janeiro, recuperando-se da queda no mês anterior, informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A maioria das atividades pesquisadas cresceu, mas o destaque foi o desempenho dos supermercados. A inflação de alimentos deu uma trégua, o que impulsionou o volume vendido de produtos alimentícios. O calor forte também aumentou a procura por bebidas e eletrodomésticos, como aparelhos de ar-condicionado e ventiladores.
No varejo ampliado, que inclui os setores de veículos e material de construção, a expansão de 2,1% no mês foi puxada pelas vendas de automóveis. Montadoras e concessionárias ainda tinham em estoque veículos mais baratos.
“Bens sem a elevação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e modelos sem os itens de segurança obrigatórios (airbag e freios ABS) ainda podem ser comercializados no início do ano, embora não seja mais permitida sua fabricação”, apontou Mariana Oliveira, economista da divisão de Macroeconomia e Política da consultoria Tendências.
Alguns analistas consideraram que o bom resultado de janeiro indica um aumento maior do que o esperado no Índice de Atividade Econômica do Banco Central do mês, além de corroborar a expectativa de pelo menos mais uma alta de 0,25 ponto porcentual na taxa básica de juros, a Selic, na próxima reunião do Copom, em abril.
“Indicadores recentes de atividade (varejo e produção industrial) e a inflação, que está muito salgada referendam isso. O BC deve decidir por continuar elevando a Selic no ritmo pelo qual optou no encontro passado. Alta de juros é necessária para conter a inflação”, afirmou Fernando Fix, economista- chefe da Votorantim Wealth Management & Services (Votorantim WM&S).
Desaceleração. Embora a pesquisa do IBGE mostre um aumento do consumo em janeiro, o cenário para o volume vendido pelo varejo em 12 meses ainda é de desaceleração, devido à perda de fôlego dos bens duráveis, ressaltou Aleciana Gusmão, técnica da Coordenação de Serviços e Comércio do IBGE.
As vendas acumularam uma alta de 4,3% nos 12 meses terminados em janeiro, contra uma taxa de 8,3% no mesmo mês do ano passado. O mesmo movimento ocorre no varejo ampliado: o crescimento acumulado em 12 meses caiu de 7,9% em janeiro de 2013 para 3,3% agora.
“Uma coisa que a gente sempre comenta quando fala de bens duráveis é que a necessidade de substituição desses bens é mais limitada. O governo tem incentivado o consumo de veículos desde 2008, e o de móveis desde 2012”, lembrou Aleciana.
Segundo a pesquisadora, o impacto inicial das medidas de incentivo foi de aumento nas vendas, mas em um ritmo que não se sustentaria ao longo dos meses devido ao esgotamento da demanda.
“Não é um aumento permanente, porque as pessoas não vão fazer aquisições desses equipamentos como vão ao supermercado, justamente porque são bens duráveis”, acrescentou.
Crédito. Outros fatores que arrefecem o ritmo de alta do varejo são o crédito mais caro e restritivo, a desaceleração no aumento da massa de rendimentos, além do comportamento dos preços.
O crédito mais caro e a volta do IPI, por exemplo, fizeram o volume vendido pelo segmento de veículos cair 1,8% em janeiro em relação ao mesmo mês de 2013.
Como resultado, o crescimento do varejo ampliado foi de apenas 3,5% no período, contra uma alta de 6,2% registrada pelo varejo restrito.
Por outro lado, a atividade de material de construção ainda registrou alta nas vendas, beneficiada tanto pela persistência do IPI reduzido em determinados produtos quanto pelos incentivos ao financiamento imobiliário.
Vendas no varejo: o termômetro da economia
As despesas em consumo das famílias constituem o maior componente da demanda agregada no Brasil. Estes gastos dividem-se, basicamente, em três itens: bens duráveis (automóveis, geladeiras, eletrodomésticos, etc.), bens não duráveis (alimentos, roupas, combustíveis, etc.) e serviços (educação, assistência médica, etc.). Nesse sentido, torna-se importante entender a forma como estas despesas se comportam em uma economia, ao longo do tempo.
O fator mais importante que determina a demanda de consumo, ou seja, as despesas pessoais em bens e serviços de uma família é, geralmente, a renda (salários, juros, lucros e aluguéis). Outros elementos também podem influenciar as despesas de consumo, como o tamanho da família e a idade de seus componentes, o estoque de riqueza ou patrimônio, a taxa de juros de mercado, a disponibilidade de crédito, as rendas passadas e as expectativas com relação a rendas futuras.
Considera-se, entretanto, a renda atual (ou corrente) como o elemento mais importante na determinação das despesas de consumo. Observa-se que, à medida que a renda aumenta, as despesas em bens de consumo aumentam. E isso não é tudo: à medida que a renda cresce a poupança também tende a aumentar. Desta forma, à medida que a renda das famílias tem crescido na última década a um ritmo de 4% ao ano no segmento de classe média, é de se esperar que o nível de consumo, proporcionalmente, seja cada vez maior.
Entretanto, não é isto que se observa nas estatísticas da Pesquisa Mensal de Comércio (IBGE). Apesar de os dados de janeiro apresentarem taxas de crescimento que surpreendem, diante de expectativas até negativas, ao se analisar o comportamento no acumulado de 12 meses constata-se uma tendência de queda no volume de vendas ao longo dos últimos meses, especialmente a partir de meados de 2013. Isto significa que, apesar do crescimento da renda, os efeitos inflacionários que corroem o poder de compra das famílias, bem como o aumento do endividamento, repercutem na economia reduzindo o dispêndio das famílias para atender suas necessidades e desejos, e sobrando, se é que sobra, muito pouco para a poupança privada.
Como o consumo das famílias representou 62,5% do PIB de 2013, e 61,1% no último trimestre do ano que passou, é de se esperar que o crescimento da economia brasileira em 2014, a se manter essa tendência, já esteja comprometido.
Fonte: O Estado de S. Paulo – 14/03/2014