17/02/2022
Para o professor Paulo Furquim, operação piora as condições de concorrência no setor. Vivo, Claro e TIM passam a deter 98% do mercado
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que regula a concorrência no Brasil, aprovou no dia 9 de fevereiro a compra da Oi Móvel por suas principais rivais, as operadoras Vivo, Claro e TIM. Com isso, as três grandes operadoras ampliam de 82% para 98% a sua participação no mercado de telefonia móvel do país. É uma situação que alguns especialistas chamam de “tripólio” e que reforça a concentração de mercado no setor.
Para Paulo Furquim, professor titular e coordenador do Centro de Regulação e Democracia (CRD) do Insper, a decisão prejudica os consumidores. “As condições de concorrência pioram”, afirma. “Quando você permite uma operação desse tipo, deixa muito poucas opções para o consumidor num serviço que é de difícil substituição por outro. Em particular, a intensidade de concorrência entre as três maiores empresas pode diminuir, o que pode resultar em maiores preços e piora da qualidade.”
A Oi tem 41 milhões de clientes de telefonia e internet móveis, o correspondente a 16% do mercado. Esses consumidores serão repartidos agora entre a Vivo, a Claro e a TIM, conforme o número do DDD. O processo de migração deve demorar em torno de 18 meses.
A decisão do Cade foi apertada: 3 votos a favor e 3 votos contra a venda da Oi Móvel. Nesse caso, prevaleceu o chamado “voto de qualidade” do presidente do conselho, Alexandre Cordeiro, que se manifestou a favor da operação. Voto vencido no julgamento do Cade, o relator do processo, Luis Braido, declarou que o cenário mais provável agora é a alta de preços no setor, com os consumidores sendo obrigados a migrar para planos mais caros.
“O meu alinhamento está mais com o grupo do conselheiro relator, que entendeu que a operação, com os remédios propostos, não deveria ser aprovada”, diz Furquim. Entre os condicionantes para proteger a concorrência, o Cade determinou que parte do espectro (o conjunto de frequências, por onde passam os dados das redes móveis) da Oi seja alugada a outras operadoras.
“São remédios paliativos, mas insuficientes para assegurar que a operação não piore a vida dos consumidores e também a dos concorrentes que quiserem entrar nesse mercado”, afirma Furquim. Basicamente, os remédios obrigam as empresas a alugarem espaço para eventuais concorrentes, mas não a venderem o espectro em que atuam. “O grande valor nesse negócio é você ter acesso ao ativo, e não alugar o ativo. O remédio me pareceu mais de natureza comportamental do que estrutural, que seria fundamental numa operação desse tipo.”
A venda da Oi Móvel ocorreu por meio de um leilão, realizado em dezembro de 2020. Na ocasião, a TIM, a Vivo e a Claro se juntaram e ofereceram 16,5 bilhões de reais, superando o lance da empresa de infraestrutura Highline, que deu um lance de aproximadamente 15,5 bilhões de reais. A TIM vai entrar com a maior fatia no negócio, desembolsando 7,3 bilhões de reais (44% do total). A Vivo vai arcar com 5,5 bilhões de reais (34%) e a Claro, com 3,7 bilhões de reais (22%).
A Oi está em recuperação judicial desde 2016 e a venda de sua operação de telefonia móvel era considerada crucial para garantir sua sobrevivência. A empresa conta com os 16,5 bilhões de reais dessa venda para quitar parte das dívidas com os credores. A dificuldade financeira da empresa, ameaçada de falência, acabou pesando na decisão favorável do Cade — que usou um argumento conhecido pela expressão inglesa failing firm, a defesa da empresa falida.
O argumento básico é que, se uma empresa vem registrando prejuízos continuamente, ela provavelmente acabará quebrando. Portanto, o prejuízo à concorrência ocorreria independentemente da aprovação de sua venda ou fusão. Transferir os ativos para outros proprietários seria então uma alternativa preferível, uma vez que poderia ao menos evitar o fechamento da empresa e a demissão dos empregados.
No caso da venda da Oi Móvel, no entanto, Furquim acredita que não havia necessidade de aplicar o argumento de failing firm. Afinal, havia outros interessados em comprar a Oi Móvel, ainda que por um preço menor. Quem perderia se a operadora fosse vendida por um valor abaixo do oferecido pelo trio vencedor do leilão? Os acionistas da Oi. “Seria uma perda para os acionistas, mas a obrigação do Cade, antes de tudo, é assegurar que uma fusão não prejudique os consumidores”, diz Furquim.
Para o professor, as três grandes operadoras que restaram no mercado apresentam características muito simétricas. “Quanto mais parecidas as empresas, menores são as condições de concorrerem”, diz. “Nesse caso, três empresas que supostamente deveriam concorrer entre si se juntaram para comprar uma quarta concorrente. Eu vejo isso como preocupante.” Segundo Furquim, um arranjo menos ruim em termos de defesa da concorrência, por exemplo, seria permitir que a menor das três operadoras adquirisse a Oi Móvel sozinha, evitando dessa forma a compra coletiva, que acabou aumentando a concentração de mercado.
O setor de telecomunicações se caracteriza por apresentar barreiras à entrada de novos concorrentes. Para atuar nesse mercado, é necessário realizar investimentos vultosos em torres, antenas e equipamentos. Uma forma de aumentar a concorrência no mercado seria criar condições para que a infraestrutura de rede possa ser compartilhada por diferentes empresas, de modo a ampliar a oferta de serviços melhores e mais baratos aos consumidores. “Precisaríamos ter uma regulação eficaz das condições de acesso à infraestrutura”, diz Furquim. “Com uma boa regulação, teríamos algumas empresas cuidando da infraestrutura e um número maior de empresas competindo para oferecer o serviço final aos consumidores.”