13/02/2015
A falta de segurança dos funcionários nas plataformas da Petrobras é alvo constante de investigações da ANP. Sindicato reclama de jornadas exaustivas
A explosão em um navio plataforma fretado pela Petrobras no Espírito Santo voltou a revelar a fragilidade das unidades de petróleo em alto-mar. A mais grave tragédia dos últimos 14 anos trouxe à tona a insegurança a que os funcionários que trabalham com materiais inflamáveis nestas “ilhas” instaladas no oceano são submetidos. “A indústria do petróleo é perigosa, ainda mais para quem trabalha com inflamável no meio do mar”, analisou o secretário-geral do Sindipetro-RJ, Manoel Cancela. Apesar de acidental, a explosão complica a já arranhada imagem da Petrobras, que sofre com perdas de recursos e escândalos de corrupção desvendados pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal.
Os riscos nas plataformas levaram a diretora-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Magda Chambriard, a se explicar à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras em julho do ano passado. “Em 2001, o Brasil assistiu atônito ao naufrágio da P36, no campo de Roncador, na Bacia de Campos (leia memória). Com custo estimado de US$ 350 milhões, a plataforma tirou a vida de 11 trabalhadores. Mais recentemente, outros acidentes ocorreram nas plataformas PUB-3, no Rio Grande do Norte; PCM-9, em Sergipe; e SS-53, no Rio de Janeiro”, afirmou o senador Anibal Diniz (PTAC) ao convocá-la à CPI.
Aos parlamentares, a diretora alegou, à época, que a agência havia aplicado R$ 180 milhões de multas a empresas por problemas e falhas de segurança, dos quais 77% haviam sido pagos e 23% estariam sendo questionados judicialmente. Magda pontuou que, naquele período, ocorreram 265 auditorias em plataformas, resultando em 23 interdições. A diretora-geral justificou ainda que o Brasil estava abaixo da média mundial em número de acidentes graves em plataformas.
Crítico da desgastante jornada de trabalho dos funcionários nessas unidades petroleiras, o secretário-geral Manoel Cancela ressaltou que esses homens“passam metade da vida (trabalham 14 dias seguidos e folgam 21) colocando- se em risco na produção de inflamáveis”. “A jornada é uma das piores do mundo”, ressaltou. “Mas não existe acidente zero na indústria do petróleo. Para reduzir os riscos, é essencial seguir as normas de segurança e respeitar a vida útil dos equipamentos”, emendou.
Exposição
A tragédia expôs ainda mais a situação delicada da estatal, que sofre desde março do ano passado com as denúncias de corrupção de ex-diretores e funcionários. “É um desgaste a mais, terrível, não foi só pelo acidente, mas pelas pessoas que morreram. Apesar não haver ainda nenhuma relação dos escândalos com a tragédia, é muito difícil que não haja exploração política em cima disso”, analisou Carlos Melo, cientista político e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) no Rio de Janeiro.
Ao tomar conhecimento da tragédia, a presidente Dilma Rousseff ligou para o presidente da estatal, Aldemir Bendine, para lamentar o ocorrido e cobrar explicações. Em seguida, ela se reuniu com ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga.“Quero, desde já, em nome do governo, prestar minhas condolências às famílias das vítimas e pedir a Deus que aqueles que foram feridos—nós não temos um relatório do estado das vítimas —, tenham um pronto restabelecimento. Todas as providências estão sendo tomadas tanto pela empresa locadora do equipamento quanto pela Petrobras, para socorrê-los”, lamentou o ministro. O governo não divulgou um pronunciamento oficial sobre o ocorrido.
Acidente não afeta ações da estatal
A explosão do navio-plataforma da Petrobras no Espírito Santo não chegou a afetar negativamente as ações da petroleira no pregão de ontem da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), que fechou em queda de 0,56% aos 48.239 pontos. Os papéis preferenciais da estatal tiveram alta de 1,79%, cotados em R$ 9,08, e os ordinários se valorizaram 1,47%, precificados em R$ 8,96.
Para os analistas de mercado, ainda há muitas dúvidas sobre o que manteve os ativos da Petrobras em alta, apesar da explosão no Espírito Santo, já que um acidente dessa natureza deveria derrubar as ações em bolsa. “O comportamento dos papéis da petrolífera está muito volátil. Durante o pregão de hoje (ontem), caíram e subiram várias vezes”, explicou a analista da Concórdia Corretora Karina Freitas.
Os ativos preferenciais (PN) da estatal abriram cotados em R$ 8,94 e, com tendência de alta, chegaram a R$ 9,19 na máxima do dia, ainda pela manhã, repercutindo as informações do presidente Aldemir Bendine, na véspera, de que teria autonomia para chefiar a maior empresa do país. Depois do meio-dia, mudaram a trajetória para queda e, na mínima, encostaram em R$ 8,82. Durante a tarde, voltaram a operar no azul, com altos e baixos, até o fechamento.
Na avaliação do analista da DX Investimentos Pedro Ivo Bittelbrunn, o movimento,diante da explosão do navio plataforma, foi uma “aquelas coisas irracionais que só acontecem no mercado brasileiro”. Segundo ele, uma explicação pode ser o horário da divulgação do acidente, por volta das 16h, faltando pouco mais de uma hora para o fechamento do pregão. “O Ibovespa chegou a cair mais de 1% e, no fim do dia, acelerou para reduzir as perdas a 0,56%. Talvez não tenha dado tempo de repercutir nas ações da Petrobras. Mas o que é certo é que a volatilidade nos ativos da estatal está muito grande por causa da especulação”, justificou.
Vidas perdidas na P36
Passavam 20 minutos da meia-noite de 15 de março de 2001 quando as 175 pessoas a bordo da plataforma P36, então a maior do mundo, foram sacudidas por uma forte explosão. Seguiram-se mais duas e, às 2h30, a construção, equivalente a um prédio de 40 andares, começou a adernar.
A estrutura havia custado US$ 430 milhões e operava há um ano no campo de Roncador, na Bacia de Campos. Localizada a 130 quilômetros da costa do Rio de Janeiro, produzia 80 mil barris de petróleo por dia, cerca de 6% do total da produção brasileira à época. O acidente deixou 11 mortos, todos integrantes da equipe de emergência.
As explosões provocaram uma inclinação de 16 graus na plataforma, devido ao alagamento de parte do compartimento. Ao longo de cinco dias, os engenheiros da Petrobras tentaram aprumar a plataforma, para evitar o afundamento. Em 20 de março, a P36 naufragou, carregando para o fundo do mar—a uma profundidade estimada de 1.200 metros — reservatórios carregados com cerca de 1.500 toneladas de óleo.
A Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) concluiu que o acidente se deveu à “não conformidade quanto a procedimentos operacionais, de manutenção e de projeto”. O Sindicato dos Petroleiros denunciou irregularidades nas operações e nos contratos, mas as acusações não foram confirmadas. As ações da companhia despencaram nas bolsas no Brasil e em Nova York.
Fonte: Correio Braziliense – 12/02/2015