21/02/2017
Fonte: Estadão – 21/2/2017
Aluno faz os cursos na mesma instituição e recebe o título de especialista em ambos os temas que estudou. Tudo isso em tempo expresso: pode ser em apenas dois anos.
Silvia Mitiko Yogi é gerente de Recursos Humanos em uma instituição financeira. Uma função improvável para uma nutricionista, mas coerente com a carreira que a executiva construiu nos últimos anos. Para migrar da área de Saúde para a de Negócios, Silvia cursou uma pós-graduação com dupla titulação, modalidade em que o estudante sai da instituição com dois diplomas depois de frequentar aulas de dois programas lato sensu. O segredo está no tempo: é possível conseguir fazer tudo isso em dois anos.
“Para conseguir dar conta do trabalho e dos cursos, me dediquei muito: nunca faltei nem me atrasei para as aulas, e estudava até nos fins de semana. Mas valeu a pena”, diz Silvia. Quando começou a primeira pós-graduação, em Administração, ela já atuava no departamento de Recursos Humanos (RH). Ao fim do curso, foi promovida a coordenadora sênior dessa área.
Oito meses depois, quando finalizou o segundo lato sensu, desta vez em Gestão de Pessoas, recebeu outra promoção: assumiu a gerência de RH. No total, foram dois anos e oito meses entre a primeira aula de Administração e a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso da segunda pós.
“É como se o aluno ganhasse um kit de ferramentas, um leque de possibilidades que enriquece muito o valor dele no mercado”, afirma Guy Cliquet, coordenador-geral dos cursos de pós-graduação lato sensu do Insper, onde Silvia cursou pós com dupla titulação. “Ele se torna especialista em mais de um assunto e em um período curto de tempo.”
O Insper oferece a possibilidade de dupla titulação nos programas de Administração, Gestão de Pessoas e Gestão de Projetos. Em qualquer um deles, o aluno cursa um módulo fundamental de disciplinas comuns e, a partir do último semestre, desenvolve as competências específicas de acordo com área de atuação.
Estrutura do curso. Não se deve confundir essa pós-graduação com dupla titulação com um outro formato que atende tanto pelo nome de “dupla titulação” quanto “dupla certificação”. A modalidade abordada aqui é aquela em que o aluno realiza dois cursos e, por isso, recebe o título de especialista nos dois temas que estudou. A outra se dá quando o curso é realizado em duas instituições diferentes e, portanto, o diploma é certificado por ambas, um formato bem comum em programas realizados parte no Brasil, parte no exterior.
Apesar de o formato da pós com dupla titulação parecer simples – fazer duas pós-graduações consecutivas -, é preciso ficar atento ao escolher o programa: a pós com dupla titulação não é fazer um curso após o outro com a eliminação de um tanto de disciplinas.
Nos programas dessa modalidade, o desenho das matrizes curriculares já deve partir da premissa de que o estudante, de forma planejada, decidiu investir em dois temas que se complementam. O caminho óbvio é o aluno fazer primeiro o programa mais amplo e, a partir dessa “cama teórica”, partir para um conteúdo mais específico.
Se por um lado cabe à instituição fazer essa sinergia da grade curricular, ao aluno cabe não misturar nem apressar os aprendizados. Isso significa que, enquanto realiza a primeira pós-graduação, o estudante deve se dedicar apenas a esse curso, sem tentar fazer inferências ao programa que irá frequentar em seguida ou acreditar que isso seria o indicado. No momento de fazer a segunda pós, a lógica deve ser a mesma. Assim, com o foco delimitado em cada uma das duas etapas do processo, as habilidades e as competências são construídas de forma integral.
No Institute Business Education (IBE) é esse o modelo proposto no Programa de Desenvolvimento Executivo, oferecido em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Quem entra no programa sai com duas certificações: uma na pós-graduação em Administração de Empresas e outra em um MBA Executivo – são oito opções de títulos de MBA, de Finanças a Serviços em Saúde.
A ideia é que o estudante adquira bagagem teórica e capacitação gerencial no primeiro curso e, a partir desse repertório, tenha mais capacidade de apreender os conteúdos do programa de desenvolvimento executivo.
“Com isso, a gente consegue evitar que profissionais acessem um MBA sem a bagagem acadêmica e a prática necessária para acompanhar o curso”, explica o presidentedo IBE, Heliomar Quaresma.
Por definição, os programas de Master Business Administration (MBA) devem ser realizados por profissionais que ambicionam ou já atuam em cargos de direção, mas o “glamour” que a sigla ganhou no País causou um aumento desenfreado da oferta e, consequentemente, muitos matriculados chegam ao curso sem o repertório necessário.
“Antes da pós com dupla titulação, isso acabava acontecendo aqui também e gerava insatisfação dos dois lados: de um lado, o aluno com pouca experiência ficava frustrado porque não dava conta e, por outro lado, o executivo queria estar num ambiente com discussões mais aprofundadas”, argumenta Quaresma. “Agora, com o Programa de Desenvolvimento Executivo, o profissional encurta, mas não atropela fases.”
Direcionamento. Durante todo o processo, o estudante recebe o acompanhamento de uma consultoria de coaching que o ajudará na gestão da carreira pessoal e profissionalmente. Nesses momentos de avaliação, o aluno acaba decidindo qual MBA escolher para fazer na sequência do lato sensu em Administração.
Formado em Direito e funcionário de um banco, Raphael Selingardi Amador levou dois anos e meio para concluir a pós-graduação em Administração e o MBA em Gerenciamento de Projetos. “Na pós eu adquiri uma leitura estratégica, de gerenciamento. Foi o que me deu maturidade para aproveitar o MBA, um curso mais prático e com ferramentas mais complexas.”
O resultado foram duas promoções – a última delas para assumir a gerência de uma agência – e o desejo de ousar ainda mais. Recentemente, Raphael se desligou da corporação e deve seguir em breve para um programa de migração e trabalho no Canadá. Lá, a ideia é atuar com pesquisa e desenvolvimento de estratégias, exatamente as áreas em que tem a dupla titulação.
“O curso me deixou com essa vontade de ir além. O banco me deu a experiência de ser um bom executor e, com a pós e o MBA, meu objetivo agora é ser um estrategista, um criador de projetos.”
Além dos negócios. Apesar de a maioria dos programas de pós com dupla titulação pertencer à área de Negócios – até mesmo por conta do caráter interdependente desse ramo do saber -, já há experiências da modalidade em campos como Saúde e Exatas.
A enfermeira Eloana Galvão dos Santos, de 24 anos, terminou recentemente as pós-graduações: uma com titulação em Urgência e Emergência e a outra com titulação em UTI. Com o sonho de trabalhar no pronto-atendimento em hospitais ou ambulâncias, a jovem diz ter encontrado no “curso casado” uma possibilidade de aprender o que pode ser um diferencial no atendimento ao paciente.
“Aprendi desde os procedimentos delicados a serem executados em pacientes na UTI até as manobras para salvamento na selva ou em cachoeiras. Em um plantão, a gente nunca sabe a quais situações terá de reagir. E sem errar.”
No Incursos, onde Eloana estudou, a grade curricular dessa pós com dupla titulação inclui, entre outras atividades, simulações de resgate aquático e de resgate aéreo.
O diretor acadêmico da instituição, Erico Meirelles de Melo, explica que a grade é montada como uma espécie de “coluna central”, com conteúdo que abarca as duas pós e posteriores ramificações. A disciplina Ventilação Mecânica, por exemplo, integra tanto a grade de Urgência e Emergência quanto a de UTI. Já a disciplina Salvamento Veicular, em que são ensinadas técnicas para a retirada de uma pessoa do carro após um acidente, é específica de Urgência e Emergência.
“Montamos esse quebra-cabeça do que é comum e do que é específico de cada curso para que o aluno saia com os dois certificados num período de dois anos”, diz o diretor.
Além das parcerias com secretarias de Saúde, ele diz receber telefonemas dos departamento de Recursos Humanos de hospitais que pedem exatamente por egressos desse formato de pós-graduação. O sucesso da experiência motivou a instituição a reproduzir o modelo em outra área. Com 520 horas de aulas no total, o estudante pode receber os diplomas de pós em Recursos Hídricos e Engenharia Sanitária. O curso é direcionado a engenheiros civis, ambientais e de produção, arquitetos, geólogos, geógrafos ou profissionais de áreas afins.