Um novo Helmult Kohl?
Um dos legados mais presentes da Guerra Fria em nossos dias está relacionado ao embate na península coreana. O apoio dos Estados Unidos da América aos combates do Sul e o suporte da extinta União das Repúblicas Socialistas aos beligerantes do Norte acabou por selar a divisão da região em dois países distintos, cindidos pelo paralelo 38.
A Guerra da Coreia, iniciada em 1950 e com mais de um milhão de baixas, ainda não teve um fim, sendo apenas assinado um armistício há exatos sessenta anos, em 27 de julho de 1953. Nesse sentido, cada evolução e cada retrocesso nas relações entre esses dois países são acompanhados com grande curiosidade e temor de reaquecimento do conflito pela comunidade internacional.
O último lance desse conflituoso relacionamento foi o anúncio de hoje que a Coreia do Sul estuda retirar as sanções comerciais como vizinho do Norte, impostas há três anos por punição ao torpedeamento de uma embarcação sul-coreana, a qual resultou na morte de 46 militares coreanos do sul.
A notícia é alvissareira, principalmente por advir de um governo sul coreano tido como conservador, capitaneado pelo presidente Park Geun-hye. Ademais, tem o condão de inaugurar um novo capítulo na cooperação entre os dois países após a emergência de uma nova liderança na Coreia do Norte, personificada em Kim Jong-um. Dessa forma, a aposta de um diálogo entre os dois estados deve ser observada com entusiasmo, mas também com uma boa dose de prudência.
A combinação de uma liderança norte-coreana de posse de um arsenal nuclear e buscando legitimação junto a seu povo e a proximidade geográfica e estratégica da China com a região leva os analistas a enxergarem um potencial de atrito na região que merece atenção redobrada e que, com a exceção do Oriente Médio, constitui a zona de maior probabilidade de Tensão nos conflitos atuais.
Com os Estados Unidos e a Europa às voltas com os escândalos de espionagem e as organizações multilaterais em franco processo de descrédito, a melhor solução para a escalada de beligerância deve vir dos esforços bilaterais entre os tradicionais rivais. No entanto, as clivagens políticas e sócio-culturais – para não falar do abismo econômico – entre os dois países devem implicar em barreiras complexas de serem transpostas.
A história ensina que, em casos como esse, a liderança de grandes artífices é fundamental, podendo alçar Park Geun-hye ao mesmo grande papel que o de Helmut Kohl na reunificação alemã dos anos 1990. Se o político sul-coreano terá a virtú e a fortuna para agir da mesma forma que o alemão, veremos nos próximos lances.
Leandro Consentino é professor de Graduação no Insper, de pós Graduação na FESP-SP e Coordenador de Cursos na Fundação Mario Covas
Fonte: Estadão – SP
Data: 05/11/2013