16/02/2022
Nas vias já existentes, os investimentos são estimados em 107 bilhões de reais, mas o novo marco legal pode estimular outros 180 bilhões de reais
Leandro Steiw
Oito projetos de infraestrutura para o setor ferroviário de cargas podem avançar ainda em 2022. Além da prorrogação dos contratos de concessão da Ferrovia Centro-Atlântica, da MRS Logística e da Rumo Malha Sul, pretende-se seguir com os processos de privatização de quatro estradas de ferro e a relicitação de uma. A mudança mais recente do setor é o novo marco legal, em vigor desde dezembro de 2021, que libera a construção de linhas por empresas privadas.
O próximo pacote de concessões inclui as ferrovias EF-170 (Ferrogrão), entre Mato Grosso e Pará, EF-334 (Integração Oeste-Leste), entre Bahia e Tocantins, e EF-354 (Integração Centro-Oeste), entre Goiás e Mato Grosso. No radar, estão também a desestatização da EF-277, a Ferroeste, que pertence ao estado do Paraná, e a relicitação do contrato de concessão da Malha Oeste, que foi devolvida pela concessionaria em 2020. Os investimentos estimados em seis dos oito projetos são de 107 bilhões de reais. Dois deles, ainda embrionários, ainda não têm previsão de investimento.
O projeto mais adiantado é o da Ferrogrão, que o governo planeja licitar no segundo trimestre de 2022. Na fase de avaliação do Tribunal de Contas da União, foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal por causa dos riscos de desmatamento na Amazônia. Como está, a linha passa pela área de conservação do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará. Assim, o Ministério da Infraestrutura estuda mudar o traçado da estrada de ferro, aproximando-o da área de domínio da BR-163. As demais quatro ferrovias não estarão aptas à licitação antes de 2023.
Segundo o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), encontram-se em andamento os estudos de concessão das ferrovias de Integração Centro-Oeste e Ferroeste. A primeira começou a ser construída em 2021, com 2,7 bilhões de reais da outorga pela renovação antecipada do contrato com a Vale pela Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM). Os primeiros 383 quilômetros do trajeto entre Goiás e Mato Grosso deverão ser construídos em cinco anos. A Ferroeste tem 1.300 quilômetros de extensão e chega até o porto de Paranaguá. Os governos federal e paranaense trabalham em conjunto no estudo do modelo de desestatização.
Também em estudo de viabilidade, a relicitação da Malha Oeste é uma nova tentativa de qualificar a ferrovia que liga São Paulo e Mato Grosso do Sul, depois que foi devolvida pela concessionária Rumo sob baixos índices de produção e velocidade dos trens. Mais atrasado, o projeto de concessão de dois trechos da Integração Oeste-Leste entrou no PPI há menos de um ano e aguarda a fase de estudos. O primeiro trecho, em território baiano, foi arrematado pela Bahia Mineração em abril de 2021.
Na fase atual de privatização, a expansão da malha ferroviária segue sem solução por 25 anos. Atualmente, existem 31 mil quilômetros de trilhos no Brasil, praticamente a mesma extensão do início do programa de privatização, em 1997. Se a comparação for estendida no tempo, a quilometragem é igual à da década de 1920. No modelo de 1997, as concessionárias operam as ferrovias existentes, mas não precisam construir novos trechos. Desta forma, a densidade da malha brasileira (a relação entre trilhos e área do país) permaneceu uma das mais baixas das economias industrializadas — um oitavo da taxa dos Estados Unidos e um sexto do índice da Índia, por exemplo.
Segundo Sandro Cabral, professor titular do Insper e coordenador do Mestrado Profissional em Políticas Públicas (MPP), os projetos de transporte ferroviário, como outros de infraestrutura, são de longa maturação, portanto, a situação não deverá mudar no curto prazo. “Sempre começo as minhas aulas com os mapas da malha ferroviária dos Estados Unidos e do Brasil e mostro a diferença de malha ferroviária”, diz Cabral, professor titular do Insper na área de Estratégia e Gestão Pública. “Essa diferença de densidade é um problema, mas pode-se olhar também como oportunidade. A questão é: o dinheiro para construir novas ferrovias está no governo?”
A Lei 14.273/21 instituiu o novo marco do setor, permitindo ao investidor privado projetar, construir e operar as estradas de ferro sem licitação, diferentemente do modelo vigente, no qual os projetos são definidos pelo governo. A partir de agora, as concessionárias podem sugerir novos trechos de ferrovias, cabendo ao estado estipular as condições e as regras de operação, o programa de investimentos e o tempo de contrato. Nos cálculos do Ministério da Infraestrutura, o marco legal pode estimular 180 bilhões de reais em investimentos e 15 mil quilômetros de novas vias.
O governo promete desenroscar a volta do Reporto, regime tributário que previa a isenção de impostos e tarifas de importação de equipamentos sem similar nacional. O programa vigorou de 2004 a 2020, mas a sua prorrogação foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2022. As entidades empresariais dos setores de portos e ferrovias alegam que o fim da isenção eleva em cerca de 40% os custos para investimentos na infraestrutura. No caso das estradas de ferro, as concessionárias comprariam menos trilhos. Agora, o governo tenta convencer o Congresso a derrubar o veto.
A projeção de investimentos no setor ferroviário, até 2026, é de 39 bilhões de reais, conforme a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, incluindo projetos licitados a partir de 2019 e com previsão de licitação no período. Conforme a literatura especializada, o dinheiro aplicado no modal também contribui para reduzir o impacto ambiental. O transporte rodoviário de cargas é responsável por 86% das emissões de CO2, sendo o restante produzido por ferrovias, hidrovias e navegação de cabotagem.
Na avaliação da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, o setor resiste aos dois anos de pandemia de covid-19, mesmo diante das incertezas da economia. Em 2021, o volume de cargas movimentadas cresceu 1,7% em relação ao ano anterior, sustentado pelo transporte de combustíveis (15%) e celulose (12%). Mas a produção das ferrovias continua desbalanceada, pois 90% da carga são commodities como minério de ferro e insumos agrícolas.
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