20/06/2022
A relação colaborativa entre o Fisco e o contribuinte pode ser aprimorada por programas que classificam os bons pagadores
Leandro Steiw
Melhorar a relação entre o Fisco e o contribuinte é um dos caminhos para reduzir o contencioso tributário. A pesquisa “Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro”, realizada pelo Insper e contratada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), constatou que apenas no Distrito Federal a Secretaria da Fazenda e a Procuradoria-Geral praticam a transparência ativa — ou seja, disponibilizam o acesso aos pareceres e notas referentes aos atos normativos sem a necessidade de demanda do contribuinte.
Parte da ineficiência produtiva do Brasil vem das disputas judiciais sobre impostos. O contencioso representa 0,28% do PIB em uma mediana de países da OCDE, o clube dos países ricos. No Brasil, apenas em processos administrativos federais (números comparáveis às estimativas internacionais), chega a incríveis 16,4%, conforme estudo prévio do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, responsável pela elaboração do diagnóstico.
Segundo Larissa Longo, pesquisadora do Núcleo, o acesso a informações fiscais pode auxiliar os contribuintes a interpretar as normas tributárias e a pagar os impostos corretamente. “Uma vez que o contribuinte tem acesso à informação, evita-se o contencioso”, disse Larissa, na apresentação do diagnóstico durante o 1º Seminário do Observatório do Contencioso Tributário do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, no dia 13 de maio.
Uma das recomendações do estudo é o aprimoramento da legislação vigente a fim de prever prazo para que os órgãos da administração tributária divulguem proativamente em seus sites os estudos, os pareceres e as notas técnicas editados. A pena para o descumprimento seria de suspensão do ato normativo enquanto não for disponibilizado ao acesso dos contribuintes.
A segunda sugestão é a elaboração de ato normativo que disponha sobre os dados a serem coletados e processados pelos órgãos da administração tributária e pelos tribunais, além de procedimentos para análise e divulgação periódica dessas informações. Conforme Breno Vasconcelos, pesquisador do Núcleo do Insper, na ausência de uma estrutura capaz de propor uma reforma tributária, recomenda-se a criação de setores compostos por especialistas, com competência para revisar a legislação tributária de maneira abrangente e perene.
Um dos motivos de discórdia, que amplia o contencioso tributário, é a ausência de interpretação do órgão máximo da administração para orientar as autuações fiscais. Na dúvida, os fiscais costumam aplicar a autuação, verificou o estudo. Sugere-se, então, uma lei que autorize os agentes fiscais municipais, estaduais e federais a constituírem os créditos tributários apenas quando o órgão máximo aos quais estejam vinculados já tenha se pronunciado a respeito da interpretação da legislação a ser aplicada no caso.
O pesquisador Daniel Santiago mostrou que as contestações são motivadas também pela baixa vinculação das administrações tributárias às decisões dos tribunais superiores, quando julgam recursos dos contribuintes. Esse foi um dos pontos comentados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que listou problemas estruturais e culturais como motivadores da intensa judicialização no Brasil. Para Moraes, muitas disputas poderiam ser encerradas antes de chegarem ao Supremo se a primeira instância seguisse os precedentes.
Processos de execução fiscal representam o maior fator de morosidade do Poder Judiciário, correspondendo a 39,6% do total de casos pendentes e de 70,7% das execuções pendentes. Apresentar propostas de soluções para esse gargalo é um dos motivos que incentivaram a realização do diagnóstico, segundo Doris Canen, chefe de Gabinete da Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça.
Uma das hipóteses do estudo é a correlação entre a transparência e a cooperação entre Fisco e contribuintes, tratadas em estudos e recomendações da OCDE. “A percepção do contribuinte de que a administração tem uma atuação assertiva, transparente e muito responsiva incentiva a cumprir adequadamente com as obrigações tributárias”, disse a pesquisadora Maria Raphaela Matthiesen.
Programas de conformidade fariam a classificação de contribuintes conforme seu grau de risco, premiariam os bons pagadores e estabeleceriam confiança entre as partes. “Arrecadação é um interesse público em espécie, mas o interesse público é maior do que o interesse da arrecadação”, afirmou Julio Cesar Vieira Gomes, secretário especial da Receita. Para melhorar o relacionamento com o cidadão, a Receita acredita que normatização, consulta fiscal e conformidade colaborativa são medidas que permitem a prevenção de litígios sobre impostos.
Pelo Insper, a equipe de pesquisa do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário teve a participação de Vanessa Rahal Canado (coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper), Luciana Yeung Luk Tai (coordenadora acadêmica), os coordenadores de campo Leonardo de Andrade Rezende Alvim, Daniel Souza Santiago da Silva, Danilo Panzeri Nogueira Carlotti, Breno Ferreira Martins Vasconcelos e os pesquisadores Larissa Luzia Longo, Carla Mendes Novo, Maria Raphaela Dadona Matthiesen e João Victor Emile Andrade Safieh.
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