18/05/2022
O gaúcho Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), fala sobre a importância do novo curso do Insper para profissionais que cobrem o setor
O Insper oferece, de 25 de maio a 10 de julho, o programa executivo “O Papel do Agro em um Mundo Complexo”, voltado para jornalistas e profissionais de mídia dos principais veículos de comunicação do Brasil. O curso busca proporcionar uma formação qualificada sobre temas-chave que fazem parte da dinâmica nacional e global do agronegócio. O programa compreende 70 horas, incluindo aulas virtuais (30 horas), debates presenciais (15 horas) e uma viagem técnica de imersão no setor no Mato Grosso, principal estado agrícola do país (25 horas).
No total, foram convidados 34 jornalistas, que receberam bolsas integrais do Insper que irão cobrir os custos de ensino e da viagem ao Mato Grosso. Participarão profissionais dos grupos Globo, Bandeirantes, SBT e CNN, Editora Abril, Folha de São Paulo, Agência Estado, Carta Capital, Nexo, Exame e Forbes, além de correspondentes estrangeiros no Brasil e outros.
O curso foi inspirado em um programa de pós-graduação lato sensu oferecido pelo Laboratório de Finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA), com o patrocínio da B3. Desde 2001, o curso MBA de Informações Econômico-Financeiras e Mercado de Capitais para Jornalistas formou mais de 430 jornalistas.
O curso do Insper será oferecido com o apoio de quatro entidades: a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação dos Correspondentes Estrangeiros no Brasil (ACE).
“O curso do Insper é um programa bastante amplo, muito bem montado, com atividades online e presenciais e visitas a campo”, disse o jornalista gaúcho Marcelo Rech, que preside a ANJ desde 2017 e é membro do comitê executivo da World Association of News Publishers e vice-presidente do Fórum Mundial de Editores.
Rech é consultor, membro de conselhos, colunista e palestrante em gestão e comunicação. Por 27 anos, foi executivo do Grupo RBS, uma das principais empresas multimídia do Brasil. Na RBS, foi editor-chefe e diretor de redação do jornal Zero Hora por 15 anos, além de diretor-geral de Jornais RS, diretor-executivo de Jornalismo e vice-presidente editorial e institucional.
Antes da carreira como executivo, Rech foi repórter especial de Zero Hora, com foco em coberturas internacionais e de conflitos, como a Guerra do Golfo, a Guerra na Iugoslávia, a dissolução da União Soviética, a crise em Cuba e a guerra civil em Moçambique.
Na entrevista a seguir, Rech fala sobre como é importante um jornalista especializar-se numa determinada área, buscando tornar-se uma referência no tema, e destaca as oportunidades para os profissionais que cobrem o agronegócio no país.
Você é gaúcho e, no início de carreira, trabalhou em veículos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, dois estados tradicionais no agronegócio. Certamente, deve ter feito reportagens também nesse setor, não?
Sim, muitas. Não há como ser jornalista no Rio Grande do Sul sem reconhecer a importância do agronegócio. Mesmo não sendo um jornalista especializado no setor, é preciso ter conhecimentos para mostrar o impacto do agronegócio não só na economia, mas em todos os aspectos que envolvem essas regiões do país, que são especialmente dependentes da agricultura e da pecuária. É impossível falar da realidade desta imensa parte do Brasil sem entender o impacto do agronegócio na vida cultural, social, econômica e política. No Rio Grande do Sul, a Expointer [Exposição Internacional de Animais, realizada na cidade gaúcha de Esteio desde 1972] tem grande importância. Cobrimos a Expointer como se fosse a nossa Copa do Mundo.
Como vê a cobertura do agronegócio pela imprensa de modo geral?
Apesar da importância do agronegócio, temos pouquíssimos profissionais habilitados para tratar da cobertura específica do setor e também da dimensão do agronegócio para o resto da sociedade. E menos profissionais ainda que tenham uma visão mais holística e internacional. Temos, obviamente, profissionais qualificados, mas muito poucos. Eu me lembro que, sempre que dava palestras em faculdades de jornalismo, eu perguntava aos estudantes: “Quem quer ser crítico de música?”. Meia dúzia de jovens levantavam o braço. “Quem quer ser jornalista esportivo?” Umas 10 pessoas levantavam o braço. “Quem quer cobrir Campo e Lavoura?” (o nome do nosso caderno agrícola na Zero Hora). Ninguém se manifestava. “Pois vou dizer para vocês: para crítico de música e jornalista esportivo, não temos vaga, mas temos vaga para quem tiver habilitação para cobrir o agronegócio.” Quem quer um espaço de crescimento na carreira precisa procurar onde existe mais demanda e menos oferta. Pela importância do agronegócio, há todo um espaço a ser preenchido, não só em veículos de comunicação, mas também em outras organizações. Daí a importância do curso do Insper, que vem exatamente ao encontro de uma necessidade brutal que temos não só em termos de quantidade, mas de qualificação da cobertura jornalística.
Por que faltam jornalistas para cobrir o agronegócio, um setor de grande importância no Brasil, responsável por 25% do PIB e por metade das exportações do país?
Acho que é por uma combinação de duas coisas, principalmente. Primeira, os jornalistas em geral têm uma formação mais humanista e, assim, tendem a ir para algumas áreas como entretenimento, política ou economia de forma mais ampla, e menos específica, menos técnica. A segunda coisa é que o jornalismo reflete um Brasil urbano, que mal entende o que é o agronegócio e só presta atenção no setor quando acontece uma crise e falta algum produto. O jornalismo no Brasil ainda é muito urbano. E não há problema nisso, mas sim uma oportunidade enorme para cobrir um setor no qual o Brasil é hoje reconhecido internacionalmente. Veja agora a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O mundo inteiro está de olho no Brasil, na expectativa de que o país venha a suprir a lacuna de alimentos para o resto do mundo que se abriu com a suspensão das exportações da Rússia e da Ucrânia, que são grandes produtores de fertilizantes e grãos.
O que achou do programa do curso do Insper para jornalistas do agronegócio?
Acho que é um programa bastante amplo, muito bem montado, com atividades online e presenciais e visitas a campo. Seria interessante reforçar os cases, as experiências positivas, nacionais e internacionais, não só de pessoas, mas também de países que conseguem fazer diferente. Por exemplo, o curso vai trazer depoimentos de jornalistas como José Hamilton Ribeiro, que durante muitos anos trabalhou no Globo Rural, um dos melhores programas jornalísticos da Globo. Ribeiro cobriu a Guerra no Vietnã, onde perdeu uma perna, e depois se tornou um dos principais jornalistas de agronegócio do Brasil, realizando reportagens com um toque humano, ajudando as pessoas a se aproximarem do agronegócio. Ele teve um papel extraordinário, mas é só um dos exemplos. Acho que ouvir jornalistas experientes como o José Hamilton ajudará a mostrar que o agronegócio não é apenas um amontoado de números, estatísticas e teorias. Por trás de tudo há vidas, famílias, pessoas, sonhos, frustrações, esperanças realizadas e não realizadas. O agronegócio é um mundo rico e vasto, com muito assunto para abordar. O curso do Insper está muito bem concebido e estruturado.
Você acredita que a produção de um jornalismo de qualidade depende da especialização dos profissionais em uma determinada área?
Acho que isso nunca foi tão relevante como agora e tende a ser cada vez mais importante. A busca de informação é cada vez mais específica. Em todo fato de interesse mundial, só a primeira notícia interessa, o resto vira commodity. O jornalismo vai exigir cada vez mais profissionais que tenham a capacidade de falar algo único. Uma coisa que eu sempre perguntava nas faculdades e nas redações da RBS: no que que você é o melhor jornalista do mundo? Hoje, em um mundo no qual a competição pela informação e pela atenção é global, você tem que ser o melhor do mundo em alguma coisa. Se você é o setorista do Grêmio, tem que ser o melhor setorista do Grêmio no mundo. Se cobre soja no Rio Grande do Sul, tem que ser o melhor jornalista que cobre soja no Rio Grande do Sul no mundo. Então, o desafio é mais do que se especializar: é se tornar a referência em um tema. Quem tem essa capacidade de dominar um assunto e se tornar referência consegue espaço para atuar não somente em um veículo de comunicação, como também em outras organizações, em conferências, em congressos. E, quando falo em especialização, estou me referindo a nichos e subnichos. Por exemplo, não basta entender de pecuária. É preciso ir mais fundo e entender de suíno, de frango, e por aí vai. E, na minha opinião, o desafio não é só cobrir um setor, mas o lado humano desse setor. É mostrar o impacto do negócio na vida da família, no microcosmo da propriedade, em toda a cadeia produtiva, e trazer isso contextualizado para o macrocosmo.
Como você disse, a notícia de segunda mão vira commodity. Mas jornalismo não dá para viver só de furos. Nesse sentido, qual é a importância da análise no jornalismo?
Hoje, todo mundo dá opinião, todo mundo se manifesta, e isso não tem mais valor. Mas uma voz abalizada, com conhecimento de causa, tem um valor muito alto. As pessoas pagam para ouvir ou ler quem realmente conhece o assunto. Quando eu era diretor de jornais da RBS, lembro-me de que assinávamos uma newsletter sobre papel e celulose que custava 5 mil dólares por ano. Como precisávamos cortar despesas, chamei o diretor responsável e perguntei: “Nós temos mesmo que fazer assinatura de uma newsletter que custa 5 mil dólares por ano? Será que não dá para cotar esse custo?”. Ele me disse: “Olha, Marcelo, essa newsletter nos informa se a fábrica de papel tal vai ou não entrar em greve, se tem uma nova fábrica que vai entrar em operação, qual é a tendência do preço do papel. Nós gastamos 30 mil toneladas de papel por ano, mais ou menos 25 milhões de dólares, e uma decisão certa ou errada nessa área pode custar 5 milhões de dólares”. Eu falei: “Vamos então fazer duas assinaturas dessa newsletter!”. O conhecimento especializado tem um valor muito alto porque seu impacto é enorme. No agronegócio, tomar uma decisão certa de plantar ou não, do que plantar ou quando vender a produção, tudo isso tem um valor extraordinário.
Como você enxerga o jornalismo hoje? Quais são os grandes desafios?
O grande desafio é a sustentação econômica do jornalismo, sobretudo o jornalismo de interesse geral. Estamos vendo um retrocesso ou uma situação de degradação do cenário, especialmente no interior do Brasil, onde há um deserto de notícias. Em muitas regiões, não há mais jornalismo profissional sequer para informar o que acontece na prefeitura. E nesse vácuo entram gângsteres digitais, curiosos e amadores, que podem acabar causando danos para a própria harmonia social, de um lado, e produzindo desinformação, de outro. Portanto, o grande desafio é a sustentação econômica, e aí tem toda a discussão envolvendo as Big Techs. Nesse cenário, vejo um potencial de crescimento para o jornalismo especializado, inclusive para quem é empreendedor. Acredito que se dois ou três jornalistas se juntarem para montar um negócio especializado num tema do agronegócio, promovendo também eventos e organizando palestras, há muito espaço para crescer no país.
Ao que parece, você discorda dos pessimistas que dizem que o jornalismo é uma atividade condenada ao desaparecimento…
Sim, com certeza. Com a onda de desinformações e a sobrecarga informativa, o jornalismo que faz a seletividade, a hierarquização e coloca um selo de credibilidade tem um espaço monumental de crescimento. E não só o jornalismo, mas outros campos ligados à comunicação. Na minha opinião, o agronegócio se comunica muito mal. Já escrevi artigos sobre isso. A Colômbia produz menos café do que o Brasil, mas aquele selinho de café colombiano, com a personagem Juan Valdez, está em tudo que é lugar no mundo. O marketing do café colombiano, dos vinhos chilenos, dos chocolates suíços é muito eficiente. O Brasil fornece frango para o mundo inteiro, mas por que não temos um selo do frango brasileiro para torná-lo ainda mais valioso? Temos produtos de qualidade, mas precisamos trabalhar melhor o marketing e a comunicação. Acho que esse é um espaço que se abre também para o jornalismo. O jornalismo de assessoria de comunicação, de marketing, de valorização da imagem. O agronegócio brasileiro não pode mais ficar encolhido, pois a competição é mundial.