10/02/2015
Ao escolher Aldemir Bendine (E), que deixa a chefia do Banco do Brasil para presidir a Petrobras, Dilma contrariou ministros, dividiu o Conselho de Administração da estatal, desagradou ao mercado financeiro e ainda feriu regras da CVM, a xerife da bolsa, ao anunciar o nome antes do fechamento do pregão. Analistas avaliam que ele assume o cargo com a missão de blindar o governo, e não para resgatar a credibilidade da petroleira. A desconfiança fez as ações da empresa desabar em quase 7% em São Paulo e mais de 8% em Nova York, enquanto o dólar atingia a maior cotação em 10 anos. Menos de uma hora após a nomeação, o Ministério Público Federal pediu a abertura de inquérito para apurar suposto favorecimento de Bendine em empréstimo de R$ 2,7 milhões à socialite Val Marchiori. Alexandre Abreu, que ocupava a vice-presidência de Negócios de Varejo do BB, assumirá o comando do banco.
Petrolão
Dilma contraria expectativa de investidores, da equipe econômica e do próprio partido ao definir o novo presidente da estatal. Reação do mercado foi negativa. Comissão de Valores Mobiliários abre processo para investigar nomeação de executivos.
A presidente Dilma Rousseff contrariou—mais uma vez—as expectativas, tomou uma decisão isolada e aumentou a desconfiança sobre os rumos da maior empresa brasileira. Ao nomear Aldemir Bendine, que deixa o comando do Banco do Brasil (BB), para a presidência da Petrobras, Dilma desagradou a todos: sua equipe econômica, o próprio partido, o PT, a oposição e o mercado financeiro. As ações da petroleira tiveram mais um dia de derretimento na Bolsa de Valores de São Paulo, recuaram quase 7%, a R$ 9,12, e o dólar atingiu a maior cotação em 10 anos, superando os R$ 2,77. Ao divulgar os nomes da nova diretoria antes do fechamento do pregão, o Planalto ainda contrariou regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que abriu mais uma investigação contra a estatal.
Fontes disseram que Dilma nem sequer ouviu o seu mentor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendia os nomes de Nildemar Secches, ex-presidente da Perdigão, e de Antonio Maciel Neto, presidente do grupo Caoa, que trabalhou na Petrobras por 10 anos antes de comandar empresas de grande porte como Ford e Suzano. Mesmo reunida com os ministros petistas, a presidente não deixou vazar o encontro que teve a portas fechadas com Bendine, embora todos soubessem das reuniões anteriores com Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e Murilo Ferreira, presidente da Vale, também cotados para substituir Graça Foster.
Contra o nome de Bendine, pesa o fato de ele estar sob investigação do Ministério Público (veja na página 9). Nos bastidores, comenta- se que ele fez uma autodefesa eficiente, alegou ser o nome adequado para o cargo, pela experiência em gestão de crise e pela sua ligação com o setor bancário, o que pode ajudá-lo a limpar o nome da Petrobras no sistema financeiro. Bendine leva no currículo a liderança, à frente do BB, do processo de redução dos juros em 2009, uma decisão da própria Dilma.
Pressões
A escolha de um nome alinhado ao PT também busca blindar o governo do escândalo de corrupção que atinge a estatal. Um ministro chegou a afirmar que a presidente decidiu por Bendine pela capacidade dele de suportar pressões. Para contrabalançar, o governo pretende abrir o Conselho de Administração para nomes de mercado, tarefa que será liderada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O atual conselho ainda tem a cara do mandato anterior, com os ex-ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Miriam Belchior, do Planejamento, Coutinho, do BNDES, e o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann.
Além de Aldemir Bendine, o conselho nomeou ontem a nova diretoria da Petrobras. Ivan Monteiro era vice-presidente de Gestão Financeira e de Relações com Investidores do BB e assume a Diretoria de Finanças da petroleira. Os outros quatro diretores—Solange da Silva Guedes, Jorge Celestino Ramos, Hugo Repsold Júnior, Roberto Moro— escolhidos interinamente, são do corpo técnico da petroleira. Como eram gerentes- executivos, tiveram relação direta com ex-diretores investigados pela Polícia Federal na Operação Lava-Jato. A exceção é o diretor de Abastecimento, Jorge Celestino Ramos, que estava na BR Distribuidora e chegou à controladora há menos de um ano.
Blindagem
Para o mercado, a indicação de Bendine não poderia ser pior.“Vão ficar com saudade da Graça Foster”, sentenciou o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires. “A bagunça na Petrobras é tanta que nomearam a diretoria com o mercado aberto”, assinalou. Não à toa, a CV Miniciou mais uma investigação contra a estatal, que já responde a vários processos no Brasil e nos Estados Unidos. A dúvida do mercado é se Bendine será mais eficiente para blindar o governo do que para resolver os problemas da companhia, que não são poucos. O principal é contabilizar os prejuízos coma corrupção e lançar essas perdas em um balanço contábil auditado, com valor real para os órgãos reguladores, cujos prazos estão vencendo.
Para o doutor em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Roberto Luis Troster, o novo presidente da estatal tem cinco desafios: resolver a questão do balanço; escolher a nova equipe;mudar as práticas operacionais como barril abaixo de US$ 50; rever o modelo de negócios da empresa; e trabalhar a questão do elevado endividamento. “ O primeiro desafio Bendine tem experiência e pode resolver, mas os demais ainda precisarão de tempo.Tudo vai depender da equipe que vai executar o trabalho”, destacou. Troster disse, ainda, que os diretores interinos, todos gerentes executivos, foram escolhidos porque não houve tempo hábil.“Não conseguiram mais ninguém”, sublinhou.
Na opinião do especialista em estratégia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Sérgio Lazzarini, a escolha não foi um bom sinal, já que o ex-presidente do BB se envolveu em uma série de escândalos. Lazzarini ressaltou que o ideal para a petroleira seria um nome respeitado pelo investidores, que tivesse experiência no setor e não mantivesse relações tão próximas com o governo. “Não trocamos seis por meia dúzia. Trocamos seis por três. Retrocedemos.”
A economista Monica Baumgarten de Bolle, diretora da consultoria Galanto/MBB, em Washington, disse que as agências de classificação de risco internacionais receberam muito mal a escolha de Bendine. Na sua avaliação, a nomeação aumentou as chances de novo rebaixamento da nota da estatal.“ O mercado esperava alguém de fora do setor público, que tivesse liberdade para dar o choque de gestão de que a Petrobras precisa”, observou. (Colaboraram Paulo de Tarso Lyra e Paulo Silva Pinto)
Conselho dividido
A decisão da presidente Dilma Roussseff de impor Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil, no comando da Petrobras dividiu o Conselho de Administração da estatal. Dos 10 integrantes, três votaram contra, dois representando acionistas de menor porte, um nomeado pelos empregados.Mauro Rodrigues da Cunha, indicado pelos minoritários, disse que a aprovação de Bendine foi imposição do governo.
“Assistimos a mais um episódio de desrespeito. Os conselheiros tomaram conhecimento do nome do novo presidente da companhia pela imprensa, antes de o assunto ser discutido. Eu gostaria de dizer em público as verdades que pus em ata, mas correria o risco de sofrer retaliações, como já sofri no passado” ressaltou Cunha. Para ele, o acionista controlador mais uma vez impõe sua vontade sobre os interesses da Petrobras, ignorando os apelos de investidores.
Representante dos funcionários no Conselho, Silvio Sinedino afirmou que votou contra a eleição de Bendine e de Ivan Monteiro para a diretoria Financeira. “Nosso voto é contrário aos nomes propostos, não pelo mérito pessoal dos indicados, mas pela formada indicação, sem consulta aos trabalhadores da Petrobras”, disse.
Medo de demissão
Sinedino sugeriu que a diretoria fosse escolhida no mercado, como ocorreu com João Elek, que assumiu a recém criada diretoria de Governança, Risco e Conformidade. Já o quadro de gerentes deveria ser eleito pelos empregados. “Propomos que a seleção da alta gerência passe a ser feita internamente, pelos próprios trabalhadores da companhia, em eleição direta que indique ao Conselho de Administração uma lista com três nomes para cada cargo.”
A Federação Única dos Petroleiros (FUP), entidade sindical dos empregados da Petrobras, também recebeu com resistência a indicação de Bendine. José Maria Rangel, diretor da entidade e ex-conselheiro da companhia, disse que ele construiu fama de“durão” nas negociações com os funcionários do BB, o que é“preocupante”.
Como fator positivo, Rangel considerou o fato de Bendine ser homem de confiança do Planalto, o que significa que a tendência é ele continuar a defender os interesses de governo, como o controle dos preços dos combustíveis. A posição é exatamente contrária à do mercado financeiro, que interpreta a intervenção do Estado nas decisões empresariais como um entrave à eficiência da Petrobras.
Para o diretor da FUP, dentro da estatal, a percepção é de que a diretoria aprovada ontem representa a continuidade do modelo de administração anterior e que, assim, dificilmente haverá uma “limpeza” na companhia. Bendine “é mais do mesmo”, disse um gerente da Petrobras que não quis se identificar.
Fonte: Correio Braziliense – 07/02/2015