11/05/2022
Ainda não se sabe muita coisa sobre o futuro da rede social. Mas Elon Musk já deu várias pistas do que pretende fazer
David Cohen
A visão do empresário Elon Musk para o Twitter ainda não está muito clara e a arte de decifrá-la é dificultada por mensagens satíricas, como: “Minha próxima compra vai ser da Coca-Cola, para colocar a cocaína lá dentro de novo” ou “Agora eu vou comprar o McDonald’s para consertar todas as máquinas de sorvete”.
Mas ele já deu algumas pistas de por onde quer seguir. Suas principais ideias para tornar o Twitter “o máximo de diversão” e garantir “o futuro da civilização” incluem aumentar o número de caracteres permitido por mensagem (hoje em 280), divulgar o algoritmo que determina quais mensagens ganham mais evidência, expulsar os robôs que mandam mensagens automáticas, distribuir mais “cheques azuis” (a certificação de que as pessoas são quem dizem que são), aumentar o número de assinantes pagos e, o mais importante, limitar a moderação de conteúdo ao mínimo. Cada um desses tópicos já tem suscitado uma certa dose de polêmica:
Um dos maiores incômodos de Musk com o Twitter é a moderação dos conteúdos na rede. Ele já afirmou querer o máximo de opiniões. Questionado sobre até onde deve ir a tolerância a discursos desagradáveis, respondeu (num tuíte): “Quando digo ‘livre expressão’, quero dizer simplesmente aquilo que a lei permite”.
A primeira grande dúvida é sobre um possível perdão ao ex-presidente americano Donald Trump, banido do Twitter permanentemente devido ao “risco de incitar a violência”, após seu apoio à turba que invadiu o Congresso no dia 6 de janeiro, em protesto contra a eleição do atual presidente, Joe Biden. Musk disse no dia 10 de maio que reverteria o banimento.
Ele afirma ser contra banimentos permanentes; prefere suspensões. Teme-se que essa postura permita a volta não apenas de Trump, que soube usar a rede como uma poderosa plataforma política, mas também todas as pessoas removidas por disseminar teorias da conspiração (como a famigerada QAnon), ameaçar jornalistas e ativistas. “Isso poderia representar centenas de milhares de pessoas”, disse Joan Donovan, uma pesquisadora de campanhas de desinformação ligada à Universidade Harvard, à agência de notícias Associated Press. Só no primeiro semestre de 2021, o Twitter suspendeu 1,2 milhão de contas e removeu quase 6 milhões de mensagens.
Esta posição de Musk já foi a política do Twitter nos primeiros anos depois que foi fundado, em 2006. Seus fundadores acreditavam que as regras deveriam ser mínimas, não mais rígidas do que as próprias leis do país.
Em seu início, o Twitter removia apenas conteúdo que era definido como spam ou que se caracterizava por atos criminosos, como pornografia infantil. Com o passar dos anos, porém, começaram a proliferar na rede insultos raciais, assédio moral, perseguição a mulheres, incitação à violência. A maioria dos executivos do Twitter, assim como os de outras redes sociais, mudou então de opinião. A posição prevalente, hoje, é que as regras de moderação de conteúdo protegem a liberdade de expressão, em vez de tolhê-la — porque tornam o ambiente seguro para pessoas que, de outra forma, seriam perseguidas.
A mudança de sentimento em relação ao conteúdo do Twitter teve dois momentos bastante claros. Em 2010, quando eclodiu uma série de revoltas populares contra ditaduras em países árabes, a rede se tornou um importante meio de comunicação de ativistas. Nessa época, acreditava-se que, no final das contas, o “bom conteúdo” sairia sempre vitorioso, ainda que depois de alguma turbulência.
Quatro anos depois, porém, os grupos de videogame se tornaram um ambiente nocivo para as mulheres, perseguidas com campanhas sistemáticas e ofensivas, incluindo ameaças de estupro e morte. Em 2016, o Twitter se mostrou um terreno fértil para as fake news: uma “fazenda de trolls” (grupos especializados em criar conteúdos provocativos para gerar cliques) da Rússia criou 2.700 perfis falsos, com os quais disseminava conteúdos inflamados (e falsos) sobre as eleições presidenciais americanas.
A partir das investigações contra fake news e de um boicote do movimento feminista #MeToo contra o Twitter, a empresa passou a exercer maior controle sobre as mensagens. Talvez tenha exagerado. Um caso que enfureceu Musk foi a retirada de um artigo do jornal New York Post sobre negócios suspeitos de Hunter Biden, filho do então candidato à presidência Joe Biden (o Twitter reconheceu o erro e autorizou o artigo 24 horas depois).
Se voltar a essa política original, de permitir tudo o que não seja flagrantemente contra a lei, o Twitter será novamente infestado de ofensas raciais (proibidas no Brasil, mas não em vários países, incluídos os Estados Unidos). De acordo com a revista The Economist, outras redes sociais que começaram permitindo qualquer mensagem que não fosse contra a lei, como Parler e Gettr, acabaram impondo algum tipo de censura, após uma inundação de conteúdo pornográfico e linguagem agressiva.
Uma segunda questão é que o Twitter é distribuído nas lojas de aplicativos da Apple e do Google, que têm suas próprias políticas contra discursos de ódio ou fake news. As duas lojas suspenderam o Parler depois da invasão do Congresso americano. E a Amazon expulsou o Parler de seu serviço de internet na nuvem (que hospedava a plataforma) por causa de mensagens que encorajavam a violência, algo proibido em seus contratos.
Finalmente, há o problema de que um Twitter com menos controle estaria indo na contramão da tendência de diversos países. No final de abril, por exemplo, a União Europeia aprovou um Ato de Serviços Digitais, cujo objetivo é fortalecer, em vez de relaxar, a moderação de conteúdos. De acordo com o decreto, o Twitter terá de ser mais transparente sobre como policia a plataforma e quais meios disponibiliza para que os usuários denunciem conteúdos perniciosos, sob pena de multas que podem chegar a 6% da receita anual global da empresa.
Até o Reino Unido, normalmente mais propenso a defender a livre expressão, aprovou no Parlamento a Lei de Segurança Online, requerendo que as plataformas punam não só o conteúdo ilegal, como pornografia infantil, mas também abusos permitidos por lei porém danosos, como assédio moral ou injúrias raciais. E as multas são potencialmente maiores: até 10% da receita anual global.
Uma possível solução para conter as ofensas e ameaças seria a autenticação das pessoas. É algo que já existe em algumas contas premium, como a do próprio Musk, para evitar as pessoas que fingem ser uma celebridade. Musk já falou vagamente em autenticar os usuários, ou pelo menos oferecer para muito mais gente a possibilidade de se autenticar.
Internamente, o Twitter já debateu bastante a ideia de pedir que os usuários confirmem um email ou telefone — como faz o Facebook, por exemplo. Aparentemente, a empresa nunca caminhou nessa direção com receio de perder usuários, conforme disse Alex Roetter, um ex-chefe de engenharia do Twitter, ao podcast Big Technology, da CNBC. Ao tirar a companhia da Bolsa, Musk pode aguentar melhor a pressão por maior audiência.
O simples fato de alguém ser completamente anônimo facilita os discursos de ódio. Sabendo que podem ser identificadas, as pessoas tendem a ser mais cuidadosas com o que dizem. O problema é que o anonimato não é bom apenas para assediadores. Ele protege também os denunciadores, seja em países com regimes autoritários ou em empresas.
Intimamente ligada à autenticação de pessoas está o combate aos robôs (conhecidos como bots) do Twitter. São programas que tuítam ou retuítam mensagens, os maiores responsáveis por spams.
Musk tem uma rusga particular com esses bots, porque sua popularidade na rede inspirou vários aproveitadores a se fazer passar por ele, usando robôs geralmente para dar golpes envolvendo criptomoedas (recomendações de Musk carregam mais peso).
A dificuldade é que há muitos robôs que fazem um trabalho útil, como encontrar algum tipo de texto de interesse de um usuário ou enviar alertas para conteúdos importantes.
Para vencer os robôs, seria preciso criar um classificador que analisa características típicas deles. A maior dificuldade é o ajuste, afirma Roetter, o ex-chefe de engenharia do Twitter. “Se ele for muito agressivo, você vai eliminar os robôs, mas também alguns humanos ‘falsos positivos’; se for menos agressivo, alguns robôs sobreviverão, mas menos humanos serão penalizados.
Uma alternativa seria incluir checagens, como aquelas janelas que saltam na tela pedindo para ticar os quadrados em que aparecem carros, para permitir o envio de mensagens.
Musk falou algumas vezes que pretende tornar público o código que define quais mensagens são distribuídas para quem e como. Este desejo se baseia numa queixa de organizações de direita, que acreditam haver um viés a favor de progressistas para dar mais visibilidade às suas mensagens. Com o algoritmo aberto à inspeção, essa discussão poderia ser resolvida.
A ideia é mais bombástica do que prática. “Os algoritmos em si não mostram muita coisa”, diz Roetter. Para decidir o que cada usuário vai ver em seu feed, o algoritmo ranqueador do Twitter avalia bilhões de exemplos de conteúdo, tenta prever a reação daquela pessoa a tuítes e propagandas e depois usa as notas para otimizar o que mostra a cada um. Sem os pedaços de conteúdo que alimentam o algoritmo, ele significa pouco.
Na mesma linha foi o cientista da computação Nick Diakopoulos, da Northwestern University, em entrevista à Associated Press. “Essa transparência no nível dos códigos daria aos usuários pouca clareza sobre como o Twitter decide o que lhes mostrar.” E, se houver transparência demais, pode-se facilitar o trabalho de especialistas mal-intencionados que queiram manipular o sistema para que suas mensagens tenham mais alcance, disse.
Esta outra ideia de Musk faria pouca diferença. Em 2017, os tuítes já foram ampliados, de 140 para 280 caracteres. Na prática, qualquer um pode encadear diversos tuítes e chegar ao tamanho de mensagem que desejar.
Ter mais assinantes é uma solução para diversos problemas. O assinante já é alguém autenticado, e se a rede consegue ter a maioria de seus usuários pagando variados tipos de serviços, em tese as mensagens falsas, os spams e as agressões diminuiriam.
Seria também uma fonte de receita para que o Twitter não dependa tanto da publicidade. Isso seria importante principalmente se Musk promover o relaxamento da moderação de conteúdo: as marcas não gostam de colocar seus anúncios ao lado de mensagens polêmicas, agressivas ou falsas.
É uma medida lógica para melhorar o fluxo de caixa da empresa, mas “levaria algum tempo, já que cerca de 90% da receita do Twitter vem da propaganda”, disse Scott Kessler, analista da firma de pesquisas Third Bridge, à revista Fortune. Também não é que o Twitter não tenha tentado. Em novembro passado, lançou um serviço de assinatura premium, o Twitter Blue, mas não fez muito sucesso.
Finalmente, para o pessoal que trabalha no Twitter as mudanças devem ser drásticas. Especialmente o pessoal do topo. Segundo a agência de notícias Reuters e a revista Bloomberg, para assegurar os empréstimos que lhe permitirão comprar o Twitter Musk se reuniu com alguns bancos, a quem expôs alguns de seus planos para viabilizar o negócio.
Uma das primeiras medidas para reduzir custos, segundo fontes presentes à reunião, seria cortar os salários dos executivos e do conselho de administração.
Não chega a ser um segredo. Primeiro, porque é comum essa atitude em casos de crise. Em segundo lugar porque, como é seu costume, Musk divulgou essa hipótese em um tuíte, afirmando que a eliminação de salários do conselho de administração resultaria em economia de cerca de 3 milhões de dólares.
A suposição de que o próprio Musk vá ocupar o cargo de executivo-chefe ganha força pelo fato de que Parag Agrawal, o atual executivo-chefe, já confirmou que não foi informado de nenhum plano para a empresa.
Ele também disse que não haveria demissões… “neste momento”. Por “este momento”, entenda-se: até Musk assumir a empresa, mais para o final do ano. As demissões são amplamente esperadas, principalmente no departamento de moderação de conteúdo.
Outra medida que deve ser tomada logo é a exigência de trabalho presencial. Com a pandemia de covid-19, os funcionários passaram a trabalhar remotamente. Com o arrefecimento do número de casos, a empresa reabriu seus escritórios, mas Agrawal disse que os funcionários poderiam decidir onde queriam trabalhar, inclusive ficando em casa em período integral. Musk ironizou a política (num tuíte que depois apagou), sugerindo que a sede da companhia em São Francisco poderia ser transformada num abrigo para pessoas sem teto, já que “ninguém vai lá mesmo”.
Na gestão Musk, portanto, é provável que todos tenham que voltar ao trabalho presencial. Quer dizer, aqueles que não perderem o emprego.
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