Em 1º de janeiro de 2011, no discurso de posse, Dilma Rousseff destacou a necessidade de incentivar o crescimento econômico, porque só assim seria possível manter os avanços nos indicadores sociais. Afirmou ela: “A superação da miséria exige prioridade na sustentação de um longo ciclo de crescimento. É com crescimento, associado a programas sociais, que venceremos a desigualdade de renda”. A marca de seu governo na economia, entretanto, foi o baixo crescimento. Como resultado, desde 2001 o Brasil não avançou na diminuição do fosso entre os rendimentos dos mais ricos e os dos mais pobres.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, o coeficiente de Gini, tradicional indicador para medir a distribuição de renda, ficou praticamente estagnado nos últimos três anos. De 2012 para 2013, caiu de 0,496 para 0,495. Esse número é o corrigido, divulgado no fim da tarde de sexta-feira. No dia anterior, o IBGE na verdade havia informado que o coeficiente fora de 0,498 em 2013. É esse o número, que, por razões operacionais, não pôde ser atualizado. O órgão de pesquisa cometeu um erro grosseiro na ponderação das estatísticas. A presidente do instituto, Wasmália Bivar, pediu desculpas por erros “extremamente graves”, durante entrevista coletiva no Rio. Ela garantiu que não houve interferência política na revisão dos números e que as incorreções foram percebidas por economistas de fora do instituto.
As falhas não disseram respeito apenas aos dados da distribuição de renda. O analfabetismo, por exemplo, é de 8,5%, e não 8,3%. Não se trata da primeira vez, nos últimos meses, que o IBGE volta atrás para corrigir números. Recentemente, funcionários também fizeram um manifesto contra a suspensão da pesquisa Pnad Continua, que calcula, entre outros índices, o desemprego. Por fim, alguns indicadores vêm sendo publicados com atraso em razão de greves e cortes no orçamento. A crise no órgão, espera-se, não chegará ao ponto do ocorrido na Argentina, onde o instituto de pesquisas oficiais teve a sua credibilidade destruída por causa das manipulações impostas pelo governo.
De qualquer maneira, os números apresentados não são bons. Foi interrompida a tendência de avanço registrada na década anterior. “A desigualdade havia caído fortemente a partir de 2000, em decorrência da melhora no mercado de trabalho e da ampliação dos investimentos em educação.” afirma o economista Marcos Lisboa, vice presidente do Insper.
O avanço só foi possível porque a economia crescia num ritmo mais rápido, criando empregos e aumentando os salários. Esse ciclo favorável, bem como o controle da inflação e a expansão dos programas sociais, possibilitou uma queda contínua na desigualdade. Nos últimos anos, entretanto, esse ciclo virtuoso esgotou-se. “Andamos para trás em relação ao resto do mundo”, afirma Lisboa.
Segundo o economista, as mudanças na política econômica tiveram um efeito adverso: “Distorções provocadas por privilégios para alguns setores contribuíram para a piora da produtividade. Isso afeta o crescimento e, em médio prazo, o emprego.”
Um estudo inédito feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mas que, por motivos desconhecidos, acabou não sendo divulgado, mostra também uma tendência negativa. O site de VEJA teve acesso ao documento, intitulado “O topo da distribuição de renda no Brasil”. Na pesquisa, foram usadas as informações da Receita Federal, método similar ao do francês Thomas Piketty, e não a pesquisa com domicílios, como a feita na Pnad.
Entre 2006 e 2012, os ricos viram subir seus rendimentos numa velocidade superior à dos ganhos dos mais pobres e abocanharam um porcentual maior da renda total. O naco do grupo dos 5% donos dos maiores rendimentos subiu de 40% para 44% do total, enquanto o quinhão do 1% mais rico passou de 22,5% para 25%. Os números usados pelo Ipea não são públicos. A receita não os divulga. Para José Roberto Afonso, da Fundação Gertulio Vargas, a evolução da desigualdade poderia ser mais bem avaliada se tais dados fossem abertos. “A Pnad capta uma parte dos ganhos, pois os recenseadores apuram apenas a renda de pessoa físicas. Cada vez mais, no Brasil, os rendimentos são em forma de ganhos de capital de pessoa jurídica”, diz Afonso. “Quanto mais dados, melhor se observa a real medida da distribuição de renda no país.”
Fonte: Revista Veja – 22/09/2014.