24/10/2014
Do anúncio da criação do PAC à ampliação do sistema público de transporte nas capitais que sediaram a Copa do Mundo no Brasil, grandes projetos de infraestrutura passaram a ocupar a atenção dos brasileiros e da iniciativa privada como nunca. O resultado desses esforços, entretanto, tem deixado a desejar. Como eliminar o freio que impede o Brasil de acelerar os investimentos no setor? Essa foi a pergunta respondida por um grupo de especialistas e agentes do setor reunidos no seminário Infraestrutura e Construção Pesada no Brasil, promovido pela revista Conjuntura Econômica e a FGV/IBRE no dia 30 de setembro, no Rio de Janeiro.
“A visão é de que o setor público é a grande alavanca, mas também a grande barreira”, sintetizou Armando Castelar, da Economia Aplicada da FGV/IBRE, no evento. Para o economista, coautor do livro Gargalos e soluções na infraestrutura de transportes, a ausência de uma estratégia ampla tem feiro com que programas e inciativas derrapem em várias frentes, que vão da institucionalidade das ações ao microplanejamento, comprometendo a execução das obras.
“Veja o caso, por exemplo, da transposição do rio São Francisco. O contrato de supervisão da obra foi feito dois anos antes do contrato de execução, implicando um capital investido sem retorno”, afirmou.
O resultado, para o país, é uma economia com contínua perda de pontos de competitividade. “Se há décadas identificamos nossa vocação de exportador de grãos e minério, como não cuidamos da infraestrutura?”, questionou Ricardo Pinto Pinheiro, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). “Nos Estados Unidos, que possuem dimensão continental como o Brasil, existem quatro milhões de quilômetros quadrados de rodovias pavimentadas. Aqui, somamos pouco mais de 200 mil quilômetros – e isso porque estamos falando do modal mais desenvolvido”, disse.
João Manoel Pinho de Mello, professor do Insper-SP, reforçou o diagnóstico. “Comparando preços de frete, enquanto uma carga que sai do Mato Grosso custa US$ 190 por tonelada para chegar à China, somando todos os modais utilizados, de Córdoba (Argentina), custaria US$102 e, de Illinois (EUA), US$71″, disse. Para Mello, os números que envolvem os projetos do setor refletem a dimensão do país, mas estão aquém de traduzir a sua real necessidade. “De 2004 a 2011, por exemplo, o Brasil investiu 0,03% do PIB em ferrovias, enquanto um país típico da OCDE gastou 0,29% no mesmo período; em rodovias, essa relação é, respectivamente, de 0,16% e 0,89%”, afirmou.
Carlos Campos, técnico de Planejamento de Pesquisa do Ipea, demonstrou que os ganhos no nível de investimento registrado nos últimos anos deveu-se principalmente ao aumento da participação do setor privado. “Esse setor já responde por 46,5% dos investimentos registrados em infraestrutura entre 2002 e 2013, e a perspectiva é de que para 2014-2016 continuem aumentando”, diz. Estudo realizado por Campos demonstra ainda que o conjunto de ações desenvolvido pelo governo não foi suficiente para reverter o histórico baixo poder de execução do poder público em grandes obras.
O estudo indica que, de 2003 a 2012, o nível de execução do total autorizado para projetos rodoviários (R$116,8 bilhões), foi de 62,8%; no caso do setor portuário, ao qual estavam destinados R$19,46 bilhões, esse percentual cai para 47%. “Entre os fatores que afetam a execução estão a baixa qualidade de projetos a problemas com licenças ambientais e atrasos em desapropriações”, cita Campos. Álvaro Monnerat, diretor de Excelência Operacional da Carioca Engenharia, destacou o reflexo dessas ineficiências na operação das construtoras. “Calcula-se que na última década o setor registrou um nível de desperdícios nessas operações na casa de 42%, e um decréscimo de produtividade na casa dos 23%, afirmou.
Mauricio Muniz, secretário do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), reconheceu no evento o impacto gerado por gargalos como na concessão de licenças ambientais e nos processos de desapropriação. “Mas não são temas abandonados. Fazem parte de um processo contínuo de melhorias e aperfeiçoamentos, que inclui discussões com os diversos atores envolvidos”, afirma. Muniz defende que os sete anos de PAC mudaram o patamar de investimentos e os diversos mecanismos regulatórios que emolduram o ambiente do investimento no país. “Temos que reconhecer os gargalos, mas também valorizar os avanços. O PAC representa uma melhora do planejamento, e cada setor hoje tem clareza e transparência sobre suas obras prioritárias”, diz.
O secretário admite casos em que o governo aprovou obras mesmo sem haver projeto. “A mobilidade urbana, por exemplo, soma R$ 143 bilhões em obras, e tem sido grande alvo de críticas de atraso. Houve situações em que, ao conversar com estados e municípios , realmente constatamos a falta de projetos, e decidimos apoiá-los mesmo sabendo que naquele momento só existiam idéias”, diz. Má decisão? Para Muniz, não. “Se não mantivéssemos aprovado essas obras, não teríamos avançado na criação de uma cultura de projetos”, defende, indicando o apoio do PAC também para financiamento de projetos, com recursos da Administração Geral da União (AGU).
Modelos de financiamento
Outra frente debatida no seminário foi a de alternativas de financiamento, chave para um setor dependente de capital de longo prazo, Nelson Siffert, superintendente de Infraestrutura do BNDES, destacou a importância que o setor de Infraestrutura tem ganhado nos desembolsos do banco. Atualmente, a rubrica responde por 37% dos empréstimos, que este ano devem totalizar um montante similar ao de 2013, de R$190 bilhões. “Esse percentual deverá crescer no futuro, dado o impacto que gera na economia”, afirmou.
O executivo defendeu o avanço do modelo de project finance para garantir sustentabilidade dos projetos, sobretudo nas concessões, bem como a criação das sociedades de propósito específico, modelagem difundida no setor elétrico e em programas de rodovias e aeroportos.
” São ferramentas importantes para projetos intensivos em capital”, diz. Siffert ainda ressaltou o esforço feito para impulsionar a participação do mercado de capitais no financiamento, com as debêntures incentivadas de infraestrutura.
Ressaltou, ainda, a importância de se criar um ambiente de estímulo à competição pelos projetos de concessão. “Essa competição se da no processo de licitação, e é esse momento que merece mais atenção”, afirmou. Aluízio Guimarães Cupertino, presidente do Conselho Superior do Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado de São Paulo (Sinicesp), por sua vez, ressaltou a importância da modelagem dos contratos, “para garantir a melhor performance tanto na execução da obra quanto em sua gestão”.
No campo regulatório, Nara Kohlsdorf, gerente de Atos Normativos e de Outorga da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), defendeu ainda a busca por uma simplificação administrativa. “Não precisamos só diminuir de papel, mas ter regras razoáveis, verificar a real necessidade de certas exigências, e a possibilidade de solução pelo mercado”, afirmou, apontando a tarefa de discutir os limites de intervenção do Estado regulador. “Por exemplo, a regulação do transporte rodoviário de passageiros foi alterada este ano, passando a ser feita por autorização, e não mais permissão, a partir da análise do mercado de que pode dar conta com permissão menor”, exemplificou. “São mudanças que exigem cuidados, mas partem no sentido de reconhecer o ente regulado como parceiro no conhecimento e análise de impacto”, disse.
No evento, os especialistas foram unânimes em mostrar disposição de colaborar para a melhora das perspectivas do setor. Rodolpho Tourinho Neto, presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção (Sinicon), destacou a iniciativa da instituição, juntamente com a Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e a Federação Brasileira de Bancos (Febrabran), de elaborar um documento com proposta. “Agora importa focar em soluções, e não só diagnósticos. No caso da desapropriação, por exemplo, a legislação sobre a qual se trabalha é de 1940, e precisamos mudá-la. Já para o licenciamento ambiental, sugerimos que haja apenas um responsável pelo processo, ou a fixação de prazo para que cada parte se pronuncie”, exemplificou.
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), defendeu a importância de confluir os esforços de todos os atores envolvidos, em favor do aperfeiçoamento das iniciativas e da competitividade do país. “Vivemos uma cultura do imediatismo, mas no nosso setor trabalhamos com o longo prazo. Como dirigentes, nos cabe transmitir esse tema à sociedade”, disse. “O momento de eleições suscita a reflexão e a discussão, e precisamos fazer as pessoas entenderem o quanto sua vida melhora quando há investimento, e o impacto econômico e social de garantir a eficiência dos recursos investidos”, concluiu.
Todo terreno
Enquanto o país busca formas de tornar o modelo de contratação e execução de obras de infraestrutura mais eficiente, dentro das grandes construtoras a meta é extrair o máximo de produtividade em qualquer situação. O interesse na adoção de processos e ferramentas que gerem redução de custos e prazos e impulsionem a rentabilidade não é nova, mas sua institucionalização começou a se dar recentemente no setor. A partir de 2013, as construtoras Carioca Engenharia e Camargo Corrêa, por exemplo, passaram a selecionar executivos de longo tempo de casa, conhecedores da cultura de cada companhia, para liderar departamentos dedicados ao tema. “A ideia foi promover uma mudança em toda a empresa, com foco na eliminação de desperdícios”, diz. Álvaro Monneerat, diretor de Excelência Operacional da Carioca Engenharia. Para isso, a empresa buscou uma consultoria com experiência na indústria automobilística para adaptar o conceito de lean, disseminado na indústria tradicional, à sua operação. “Em todas as fases de uma obra é possível obter ganhos”, diz.
O mesmo processo também foi adotado pela Camargo Corrêa. “Nosso objetivo é extrair o máximo de produtividade mesmo nas ineficiências, quando um projeto não seja da qualidade esperada, ou não preveja o uso das melhores tecnologias construtivas”, diz Márcio de Souza Perez, gerente executivo de Inovação da Camargo Corrêa. Há 21 anos na empresa, Perez conhece a realidade de grandes obras, e pensar de forma integrada implica coibir atividades que vão da engenharia e compra à mobilização de muitos trabalhadores em áreas com pouca estrutura, “Houve projetos em que chegamos a cuidar da logística de 25 mil funcionários contratados, sem contar os terceirizados”, exemplifica.
Já na Odebrecht, uma das iniciativas mais recentes é uma parceria com o Sebrae para a capacitação de pequenas empresas que participam da cadeia de valor da companhia. “Esse programa foi lançado no ano passado, com 35 empresas fornecedoras para 11 obras que a companhia tem no Rio”, conta Walter Ajeje, gerente de engenharia da Odebrecht Infraestrutura, destacando a importância de integrar esses fornecedores na mesma cultura de busca por ganhos de produtividade.
Fonte: Revista Conjuntura Econômica – 21/10/2014.