22/03/2016
O ingresso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ministério da presidente Dilma Rousseff, que turbinou ontem novamente as oscilações do dólar e as negociações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), elevou a temperatura das especulações sobre mudanças na política econômica. Estendeu-se pelo dia a suposição de que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, sairiam da equipe econômica para dar lugar a uma política monetária frouxa e à chegada de Henrique Meirelles, ex-presidente do BC, ou Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda. A presidente Dilma Roussef negou, mas não convenceu.
O Estado de Minas apurou que Alexandre Tombini sinalizou a amigos seu descontentamento e que está praticamente fora, sobretudo por discordar da possível guinada que pode ocorrer na política econômica. Ele tende a ser substituído dentro da minirreforma ministerial que a presidente Dilma deverá fazer para acomodar o ex-presidente no governo.
Lula deve facilitar o diálogo com alas governistas no Congresso, mas sem alterar drasticamente o direcionamento da política econômica, sinalizou a petista. O novo titular da Casa Civil, no entanto, deve ter tarefa bem mais árdua que a de seus mandatos presidenciais, dada a falta de apoio e a turbulência política e a necessidade de dispor esforços no processo de impeachment da presidente. Em entrevista, Dilma aproveitou para afastar a especulação sobre a mudança na equipe: “estão mais dentro do que nunca” no ministério, afirmou em referência a Tombini e a Nelson Barbosa.
A entrada, de fato, de Lula no governo federal, classificado por Dilma como “um hábil articulador”, deve facilitar o diálogo com partidos aliados, agilizando assim o caminho para a aprovação de medidas. No ano passado, sob a batuta do ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o governo não teve sucesso na negociação de medidas, o que contribuiu para o agravamento da crise da economia.
O contato com partidos da base aliada deve ser facilitado com a presença do presidente-ministro no Congresso, afirma o professor da FGV/EESP, Clemens Nunes. “[É esperado] diálogo maior com o partido e com a base próxima. Ele deve unificar conversa com PCdoB e PT. Antes, o partido não abraçava as causas do [Nelson] Barbosa e do [Joaquim] Levy”, afirma.
O especialista considera, no entanto, que as negociações serão mais árduas desta vez se comparadas aos dois mandatos de Lula como presidente. Clemens Nunes avalia que o cenário entre 2003 e 2010 era diferente. Ele afirma que o governo não tem mais tantos recursos disponíveis e a vigilância em relação ao uso da verba pública é maior com as investigações da operação Lava-Jato. “O poder de atração do presidente é reduzido. Pode oferecer muito pouco”, afirma.
O professor de economia do MBA do Insper, Otto Nogami, concorda que Lula acrescenta força do ponto de vista político, mas corrobora da avaliação que a conjuntura é diferente da encontrada por ele nos dois mandatos. Ele cita as complicações na política fiscal e na estrutura produtiva, classificada por ele como “em frangalhos”, e reforça que o ambiente externo era favorável àquela época.
AJUSTE COMO SAÍDA
Independentemente do caminho a ser traçado no Congresso, o economista e coordenador do curso de administração do Ibmec-MG, Eduardo Coutinho, destaca que a solução para a economia não está em medidas de curto prazo e aponta ser a única saída a busca pelo ajuste fiscal. “Isso não é feito de uma hora para a outra. Nenhuma medida, qualquer que seja ela, implica resolver o problema no curtíssimo prazo”, afirma.
Em meio às notícias sobre o possível convite para Henrique Meirelles assumir cargo na equipe econômica, Dilma negou mudanças, descartando possíveis pressões de Lula em relação aos rumos da economia.
“Que história é essa de que o presidente Lula não tem compromisso com a estabilidade fiscal, com o controle da inflação?”, questionou a presidente. E mais: “Lula vem, vai ajudar, vamos olhar retomada do crescimento, estabilidade fiscal e controle inflação”, disse Dilma.
RESERVAS CAMBIAIS
Outra negativa se deu quanto ao uso das reservas cambiais para sustentar investimentos públicos. A proposta é defendida por uma ala petista. O governo poderia gastar parte dos US$ 372 bilhões para incentivar a retomada do crescimento. Em entrevista coletiva, a presidente Dilma descartou tal hipótese. Segundo ela, as reservas “jamais” serão usadas “para algo que não seja a proteção do país contra flutuações internacionais”.
Dias antes, no entanto, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, disse que o Palácio do Planalto “refletia” sobre o uso de uma parcela para o pagamento da dívida pública. O tom é o mesmo adotado ontem por Dilma. “As reservas também podem ter papel em relação à dívida (…). As especulações sobre uso das reservas são especulações e só beneficiam uns poucos que lucram com ela (…). Sabemos porque criamos esse volume de reservas e isso significa proteção contra flutuações internacionais e funcionaram muito bem”. A afirmação acalmou o mercado financeiro, temeroso que a concretização da notícia veiculada pela imprensa nos últimos dias pudesse esvaziar o colchão de liquidez do país.
Fonte: Estado de Minas – 17/03/2016