08/02/2022
Webinar no Insper debateu o papel da tecnologia no diagnóstico e no tratamento da doença que mata cerca de 250 mil pessoas por ano no Brasil
Tiago Cordeiro
Todos os anos, cerca de 600 mil novos casos de câncer são diagnosticados no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). É o correspondente à população de Cuiabá (MT). E aproximadamente 250 mil pessoas no país perdem a vida para a doença a cada 12 meses.
Se a prevenção e o tratamento não evoluírem, o câncer poderá se tornar a principal causa de mortes no Brasil em 2029, superando pela primeira vez o número de óbitos provocados por doenças cardiovasculares, hoje a principal causa de mortes por doenças no país (e no mundo). A projeção é do Observatório de Oncologia, uma plataforma de análise de dados criada pelo movimento Todos Juntos Contra o Câncer, liderado pela Associação Brasileira de Leucemia e Linfoma (Abrale).
Esses dados costumam ser repetidos com regularidade, especialmente em 4 de fevereiro, o Dia Mundial de Combate ao Câncer, data instituída em 2005 pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC), com a chancela da Organização Mundial da Saúde. Mas existem boas perspectivas no horizonte. A capacidade de identificar novos casos tem evoluído rapidamente, assim como os tratamentos para alguns tumores malignos específicos.
Além disso, o sistema de saúde tem avançado na direção de buscar atendimentos no formato one stop shop, em que consultas e exames são realizados com agilidade, no mesmo local, o que proporciona mais conforto aos pacientes e agiliza o atendimento. As cirurgias, quando necessárias, têm se tornado mais precisas, assim como os tratamentos à base de rádio e quimioterapia vêm causando menos danos colaterais.
Na base de todos esses avanços está o uso de tecnologia, englobando desde o uso de aplicativos para facilitar o agendamento da primeira consulta até a aplicação de inteligência artificial na análise mais ágil e precisa de exames de imagem. Inclui também os tratamentos necessários e o acompanhamento posterior.
“Podemos encarar o câncer como uma doença crônica, mas para isso precisamos primeiro eliminar o risco de vida que ele representa inicialmente. E temos ferramentas para tal”, disse o médico Kevin Yun Kim, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Kim foi um dos nove participantes do webinar Oportunidades e Desafios no Combate ao Câncer. O evento, que marcou a passagem do Dia Mundial do Câncer, foi uma realização do Insper por intermédio do novo Centro de Ciência de Dados da instituição, além do Comitê Alumni de Gestão de Saúde.
“O câncer é um desafio para toda a sociedade. Como instituição vocacionada para a tecnologia, buscamos formas de contribuir”, afirmou, na abertura do evento, o professor André Filipe de Moraes Batista, coordenador do curso de pós-graduação em Data Science e Decisão e fundador do Centro de Ciência de Dados. “O Insper atua não só junto a instituições de saúde, mas também conectando a pesquisa acadêmica e os parceiros de tecnologia, com trocas ricas de conhecimento e experiência”, disse Batista.
Representando a academia, Alexandre Chiavegatto Filho, professor de machine learning em saúde na Universidade de São Paulo, lembrou que a inteligência artificial e o uso de big data, analytics e machine leaning já está disseminado na sociedade. “Quando você utiliza um aplicativo de transporte, acessa uma rede social ou um streaming de vídeo, está cercado por inteligência artifical e machine learning.”
Na saúde, as aplicações também avançam, ainda que num ritmo mais lento. Há um motivo para isso. “Nenhuma área é tão complexa quanto a saúde. As decisões dependem de muitas variáveis e a margem para erro é mínima, porque há vidas em jogo”, disse Chiavegatto. Ainda assim, uma série de pesquisas com o uso de machine learning já se tornou referência e ajuda a gerar insights para a área.
“Existem três tendências que não param de crescer. O aumento da quantidade de dados, importantes para melhorar a performance, os avanços em capacidade computacional e os novos algoritmos de deep learning para problemas mais complexos”, disse Chiavegatto. “Se você acha que está ouvindo falar demais em inteligência artificial em 2022, espere até 2024. Se em 2024 ainda achar que o tema está esgotado, espere até 2026. É um caminho irreversível”, afirmou.
O pesquisador forneceu alguns exemplos. Citou um estudo que utiliza modelagem em machine learning para identificar o percentual de pacientes de câncer em um município no Rio Grande do Sul. “O algoritmo se mostrou eficaz em identificar os percentuais. O passo seguinte foi buscar as cidades que fogem da previsão e registram maior incidência do que esperado, de forma a localizar causas para essa diferença.”
Representante do setor corporativo, Rogerio Boros, diretor de healthcare na Microsoft, falou sobre soluções tecnológicas que já são utilizadas para melhorar o desempenho no combate a uma série de doenças, em especial o câncer. “As organizações de saúde modernas contam com uma infinidade de dados que podem ser geridos para ajudar nos insights operacionais das empresas, assim como no trabalho clínico.”
Boros citou uma série de exemplos concretos, incluindo um aplicativo que analisa exames de imagem para levar mais eficiência para a detecção de casos de câncer de pele. “Ele é open source, de forma que toda a comunidade médica no planeta pode contribuir”, afirmou.
Outro serviço desenvolvido pela Microsoft permite melhorar a preparação das equipes médicas para uma cirurgia, inclusive as mais delicadas, como as que envolvem a retirada de tumores. Num futuro próximo, prevê Boros, “praticamente toda sala de cirurgia vai contar com holografia para auxiliar nos procedimentos cirúrgicos”.
O maior desafio, para o executivo da Microsoft, é o compartilhamento de dados por todo o ecossistema de saúde, assim como a melhoria da capacidade de analisar o enorme volume de informações gerado. “Em 2025, os dados acumulados sobre o genoma humano vão atingir 40 petabytes. Isso é 20 vezes mais que todo o conteúdo que estará alojado no YouTube”, comparou.
O webinar contou também com uma mesa redonda, mediada por Paulo Furquim, professor titular do Insper. A mesa redonda discutiu a importância de estabelecer uma agenda de ensino, pesquisa e políticas públicas para o combate ao câncer. “Ainda existe um estigma muito forte associado à doença, mas a participação de agentes de diferentes setores da sociedade no combate ao câncer e no esclarecimento a respeito dos tratamentos e dos riscos pode mudar esse cenário”, disse Furquim.
Os participantes do debate, envolvidos diretamente com o ecossistema médico, também destacaram a importância de valorizar o trabalho com dados. “Com dados, podemos melhorar a velocidade do diagnóstico, o que é crucial para o sucesso dos tratamentos”, disse Nina Melo, coordenadora de pesquisa da Abrale.
Um exemplo de esforço na busca por dados confiáveis que contribuam para a tomada de decisões, especialmente na gestão pública de pacientes da doença, é o Radar do Câncer, apresentado por Luciana Holtz e André Santos, do Instituto Oncoguia. “Acreditamos que políticas públicas e tomadas de decisão precisam ser feitas sempre com base em evidências”, disse Santos.
“O câncer é um problema de todos nós, um inimigo comum a todos”, afirmou, por sua vez, Victor Piana de Andrade, diretor geral do hospital A.C. Camargo, um dos mais importantes centros especializados de diagnóstico, tratamento, ensino e pesquisa do câncer no Brasil. “Com integração entre os players do setor, vamos superar esse desafio.”