08/08/2014
No quarto debate da série Fóruns Estadão Brasil 2018, na manhã da terça-feira passada, o presidente do Insper, Claudio Haddad, abriu os trabalhos com uma constatação: “O Brasil sempre teve dificuldade em tocar projetos de infraestrutura”.
Para o economista, “o País ficou carente durante décadas” no setor. Infraestrutura foi o tema das discussões, que reuniram representantes de entidades, companhias, empresas públicas, universidades, ONG se governo.Nos últimos anos, o Estado perdeu capacidade para investir em grandes obras e buscou alternativas, seja em forma de concessão, seja em parcerias público-privadas (PPPs). Ainda que alguns resultados sejam bem avaliados, há um longo caminho a percorrer no sentido de ajustar a regulamentação, que ficou mais complexa e por vezes inibiu investimentos.“ Botar o País para crescer e aumentar a rentabilidade deveriam ser a prioridade número 1 dos candidatos”, afirmou Haddad.
Jurandir Fernandes,secretario estadual de Transportes de São Paulo e participante do primeiro debate, sobre infraestrutura urbana, chamou a atenção para a Lei 8666, de 1993, a Lei das Licitações.Segundo Fernandes, a regulamentação pré-internet ainda em vigor guarda os mesmo prazos de 20 anos atrás, quando o tempo era contado em semanas, não em horas. “Para quem quer tirar vantagem, a lei abre espaço para uma indústria de recursos”, afirmou.
O secretário tocou no ponto da judicialização – e da necessidade de se modernizara legislação. A diretora de Planejamento da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), Rovena Negreiros, afirmou que é impossível enfrentar os desafios da infraestrutura urbana sem o envolvimento das três esferas de governo– municipal, estadual e federal – e a participação do setor privado e de órgãos de controle.
“O Estado acordou para o planejamento no começo dos anos 2000”, disse Rovena. A falta de ações conjuntas e concatenadas levou a situaçõescomoa descrita pela professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Regina Meyer:“A região da Berrini ganhou cabos de fibra óptica antes de uma rede de esgoto”.
Segundo debate. Mediado pelo vice presidente do Insper, Marcos Lisboa, o tema do segundo debate foi energia. “O Brasil já estava defasado em infraestrutura há dez anos, e isso se ampliou”, afirmou Lisboa. Um dos problemas é a segurança quanto ao retorno do investimento das empresas privadas. Outro, a complexidade dos projetos. “Não temos bons mecanismos para mediação de conflitos”, disse. “Além disso,tivemos perda de capacidade para a criação de projetos executivos.”
O quadro fica ainda mais dramático quando o assunto é energia. “Há muitos obstáculos para novos empreendimentos e o setor vive um momento de instabilidade financeira”, disse Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.“Não se sabe o que vai acontecer no setor a curtíssimo prazo, até para o fechamento das contas do mês.”
Para Sales, o preço da energia brasileira está afastando investidores do País. “Hoje, os projetos têm taxa patriótica de retorno, como se diz no meio”, disse Luiz Augusto Barroso, diretor da PSR, empresa de consultoria e análise do setor elétrico. Por “taxa patriótica” entenda-se um valor que pode variar de acordo com os ditames do governo.
“Tivemos cinco viradas de jogo que alteraram o modo como o setor funciona”, afirmou o advogado Sérgio Leitão, diretor de políticas públicas do Greenpeace, referindo-se às alterações de modelos para a área de energia desde a redemocratização.
Logística. Para Eduardo Rossif , professor do Insper e moderador do debate sobre logística, o desafio brasileiro é reduzir o preço do transporte.
“Necessitamos investimentos em ferrovias”,afirmou. Também defendeu uma nova gestão para as rodovias.“De 200 mil quilômetros de estradas pavimentadas, menos de 10% são geridas pela iniciativa privada.” Para Renato Melo, diretor da Odebrecht TransPort, a mudança da agricultura de grãos do Sul para o Centro-Oeste criou um desafio logístico. “O impacto do custo do transporte éde70%nopreço.” Para o advogado Carlos Ari Sundfeld, professor da Direito GV,“ a principal característica da logística é a presença do Estado indispensável,pois se trata de serviço público”. Seja ela na iniciativa das ações, seja na regulamentação da atividade.
4 Perguntas para Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper.
1.Quais são os entraves burocráticos para o governo elaborar projeto de infraestrutura?
O problema começa com a dificuldade do governo em elaborar projetos executivos – os elementos necessários à execução completa de uma obra. Uma solução seria contratar empresas privadas para elaborá-los. Mas a Lei das Licitações e as restrições impostas acabam resultando na contratação de projetos pelo menor preço, o que é inadequado pela mesma razão que não contratamos nosso médico, advogado ou arquiteto com base apenas no valor cobrado.
O receio de corrupção, ou de práticas administrativas indevidas, e os diversos requisitos acabam por resultar em travas ineficientes e resultam, com frequência, na judicialização das licitações, gerando insegurança, custos desnecessários, além de onerar os projetos e afastar investidores.
2.Como enfrentar essas dificuldades?
O setor público precisa ser capaz de realizar projetos executivos, sobretudo para obras de maior impacto. O especialista Marcos Pinto sugeriu que o BNDES poderia assumir um papel de liderança na realização de muitos projetos, coordenando os estudos necessários, até pela qualidade e experiência do seu corpo técnico. Além disso, acho que temos uma importante agenda para aperfeiçoar os mecanismos de negociação de conflitos.
3.Como avalia regimes mais recentes de contratação, como o RDC, criado para a Copa do Mundo?
O problema quando se contrata sem projeto bem definido é o aumento do risco. A complexidade do processo de licenciamento, as múltiplas instâncias com poder de veto, a insegurança sobre o que será requerido e as compensações a serem cobradas tornam o processo moroso e incerto, encarecendo ou inviabilizando muitos projetos. Mais grave ainda, o custo adicional se traduz na expansão inadequada da infraestrutura frente às necessidades do País. Isso resulta em custos desnecessariamente elevados para a atividade produtiva.
4.A parceria público-privada, a PPPs, é bom modelo para projetos complexos?
Em muitos casos, as PPPs são úteis. Até porque o governo não tem capacidade de investimento. Caso o governo consiga licitar contratos que especifiquem adequadamente a qualidade do serviço a ser prestado, o modelo é eficaz, desde que o prazo para as obrigações e a eventual cobrança de tarifa se iniciem após a concessão.Isso reduz a incerteza e o custo para os projetos de infraestrutura.
Fonte: O Estado de S. Paulo – 07/08/2014