03/09/2014
Economistas de diferentes tendências apontam os caminhos para o Brasil não repetir o resultado fraco do PIB, como o do segundo trimestre.
O Brasil teve dois trimestres consecutivos de retração no Produto Interno Bruto (PIB), indicador que mede a geração de riqueza das nações. Na teoria acadêmica, tal situação indica que o País encolheu e sofre recessão técnica. Alguns analistas dizem que não é para tanto e que há estagnação. O governo alega que o problema é momentâneo por causa da Copa, da seca e da crise internacional. Semântica à parte,o fato é que o Brasil crescia pouco e agora anda para trás, com efeitos sobre o emprego e a renda.
No grupo alinhado com o governo está o professor Fernando Nogueira da Costa, da Unicamp, que lecionou para a presidente Dilma Rousseff quando ela estava no doutorado. Para Costa, foram eventos momentâneos, como a Copa, que frearam o crescimento.
Boa parte dos economistas que estudam os altos e baixos do PIB discordam. Um deles é Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e hoje vice-presidente do Insper. Para Lisboa, o potencial de crescimento do Brasil caiu. A queda aparece nos números que medem a produtividade.
De maneira simplista, ter produtividade significa fazer mais e melhor com o mesmo. Exemplo: elevar a produção de 100 para 150 carros com o mesmo número de trabalhadores, de máquinas e de dinheiro. Essa mágica é possível graças a avanços paralelos: trabalhadores com uma educação mais sofisticada e o uso de equipamentos mais modernos. Segundo Lisboa, de 2003 a 2010, a produtividade cresceu, em média, 1,6% ao ano. De lá para cá, estagnou. “Há uma perda de produtividade que reduziu o potencial de crescimento do Brasil.”
Na avaliação de Vinícius Carrasco, professor da PUC-Rio, esse declínio não foi acidental e a recuperação não virá de uma reação espontânea da economia. Carrasco tem essa convicção porque é um dos autores do estudo “A Década Perdida – 2003a 2012”,que compara indicadores brasileiros com um conjunto de outros países. A conclusão: o avanço foi menor do que poderia. “Não foram criadas condições para se ter uma produção mais eficiente”, diz.
Reverter o “pibinho” não é fácil. O primeiro passo, segundo Monica de Bolle, diretora da consultoria Galanto, é reconhecer o erro. Só isso abre espaço para a mudança. Bernard Appy, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, acredita que as mudanças dependem de microrreformas, como a tributária. O sistema de cobrança de impostos é distorcivo e incentiva que as empresas não cresçam. “Se um eletricista ganhar R$ 3 mil por mês e for microempreendedor individual, paga 1,3% da receita em tributos. Se for dono de empresa do Simples, 10,5%”, diz Appy.“É melhor ele ter um celular e pegar três serviços por dia do que empregar e atender dez clientes – é perda de produtividade na veia.”
Por que o Brasil patina?
“Historicamente, o Brasil vem tendo um crescimento aquém do esperado por causa de três fatores: baixa taxa de investimento, porque o País poupa pouco, queda na produtividade e, mais recentemente, aumento da desconfiança entre os empresários, o que também contribui para prejudicar as decisões de investimento. Essa desconfiança foi provocada pela deterioração e pela falta de transparência nas contas públicas e por uma inflação renitente, mesmo com o represamento das tarifas públicas, o que alimenta a expectativa de que haverá inflação no futuro. A esses problemas, boa parte deles estruturais, somou-se outro fator. Houve o esgotamento de um ciclo que ocorreu nos últimos anos puxados pelo crescimento da economia mundial,até a crise,e pela expansão forte do crédito no Brasil, especialmente para pessoas físicas. À medida que o endividamento das famílias aumentou, perdeu-se espaço para que essa expansão fosse mantida nos moldes em que vinha ocorrendo.”
Como reverter o problema?
“Em primeiro lugar, é preciso recuperar a credibilidade mediante ajuste das contas públicas. O ajuste não precisa ser imediato. Pode ser feito no horizonte de um mandato ou até além. O controle das despesas contribuiria para o aumento da poupança, criaria condições para a expansão do investimento e abriria espaço para a queda da taxa de juros – consequentemente, para a retomada de um novo ciclo de crédito para as famílias. Isso seria possível porque taxas de juros mais baixas implicam prestações menores. Também seria preciso fazer uma agenda de microrreformas que pudesse elevar a eficiência e a produtividade do País.Um das mais importantes é a reforma tributária – que aliás nunca foi tão discutida numa campanha eleitoral como agora.A burocracia tributária é um peso morto. Eleva os custos das empresas e alimenta contenciosos judiciais, que também consomem tempo e dinheiro. O Brasil acumula distorções por não se mexer na estrutura tributária.” (Bernard Appy, Diretor da LCA Consultores)
Por que o Brasil patina?
“O PIB trimestral que estamos vendo é um problema que acontece uma vez e não se repete. A Copa praticamente paralisou a produção no País. As empresas praticamente pararam. Todo mundo aproveitou, descansou. Agora, não dá para reclamar. Também precisamos considerar que um dos grandes fatores do dinamismo da economia do Brasil é o fato de o País ser um dos maiores produtores e exportadores de alimentos e de matérias- primas do mundo. Teve ganhos com a alta dos preços internacionais até 2008, quando veio a pior crise desde 1929. A bolha explodiu e as exportações perderam dinamismo. O País também foi afetado pela produção de petróleo. Houve uma queda e foi preciso importar mais. Quando tiramos as importações de petróleo, na média, o Brasil tem superávit comercial de US$25 bilhões. Ainda cresce mais que os países de economia avançada. Olhando no longo prazo, desde 2003, na média, o crescimento do Brasil acompanha o da economia mundial. Também devemos considerar que a taxa de desemprego permanece baixa.”
Como reverter o problema?
“Coloco uma pergunta diferente: como o Brasil poderia crescer mais? O País terá nos próximos anos uma janela de oportunidade histórica e extraordinária. Vai contar com os benefícios do bônus demográfico ( momento em que a maioria da população está em idade produtiva, o que cria efeitos positivos no crescimento).O bônus vai se estender até 2030. Alguns falam que pode ir até 2050. Também vai contar com a exploração de petróleo do pré-sal. Mais da metade da produção do Brasil, até 2018, virá do pré-sal. A previsão é que o País se torne na próxima década um dos maiores exportadores de petróleo do mundo. Depois de 2020, a Petrobrás já estará produzindo 4 milhões de barris por dia. Outras empresas devem produzir outros 1,2 milhão de barris. O Brasil terá uns 2 milhões de barris para exportar. Isso vai resolver o problema da balança de pagamentos. Como está definido que 75% dos royalties do petróleo vão para educação e 25%, para a saúde, o petróleo vai melhorar a qualidade da vida da população, além dar estabilidade ao câmbio.” ( Fernando Nogueira da Costa Professor da Unicamp )
Por que o Brasil patina?
“Uma agenda de intervenções jogou a produtividade para baixo. Primeiro, ela comprometeu a indústria. Agora chegou ao setor de serviços, que estava bem e sustentava um paradoxo: o País ter taxas de desemprego baixas apesar de a economia não ir bem. A perspectiva do emprego para os próximos 12 meses não é positiva. O que estamos vendo não é um simples ajuste. A perda de produtividade é estrutural e reduziu o crescimento potencial. Enfim, a capacidade de produzir bens e serviços ficou menor. O governo atribui o problema à retração internacional, mas o argumento não se comprova quando se compara o Brasil com outros países. A economia mundial cresceu quase 4% ao ano entre 2002 e 2010, ante 3,3% nesta década, comportamento semelhante ao da América Latina. O Brasil, porém, foi de 4% para 2% no período, devendo crescer menos de 1% em 2014. As taxas de crescimento latino-americanas, por sua vez, são maiores do que as apresentadas em anos anteriores à crise.”
Como reverter o problema?
“Ganho de produtividade vem da concorrência. Na hora que tenho várias empresas tentando prosperar, muitas vão fracassar. Quebrar. É parte do jogo. Mas algumas vão ter sucesso. Vão crescer. Essas serão copiadas e vão gerar aumento de produtividade. Você pode até dar estímulos. Não sou contra estímulos.O Chile vinha tendo redução de investimento e fez recentemente uma política de estímulo. Mas eles não escolheram A ou B. Fizeram para todo mundo. Vou dar um exemplo local.O agro negócio teve proteção – mas para todo mundo. Empresas privadas e públicas, como a Embrapa, fazem pesquisa.O agronegócio concorre internacionalmente. Muita gente quis plantar soja em Mato Grosso e café no Cerrado mineiro e faliu. Mas as empresas que sobreviveram compraram as pequenas, investimento em novas máquinas, serviços e equipamentos. Precisamos sair da armadilha dos benefícios setoriais que foi criada nos últimos anos. Desarmar vai ser complicado. Haverá oposição, mas a direção é essa para que o Brasil retome o crescimento.” (Marcos Lisboa, Vice-presidente do Insper)
Por que o Brasil patina?
“Caímos nessa armadilha de baixo crescimento por erros na política econômica. Um exemplo: levaram o Banco Central para um caminho muito ruim, de experimentalismos. Ele adotou as tais políticas macroprudenciais, que nunca souberam explicar o que era. Primeiro, foi frear a valorização do câmbio. Um belo dia, virou outra coisa.O Banco Central deveria cuidar do regime de metas de inflação e já não há nem clareza sobre qual é a meta. Oficialmente é o centro da meta, de 4,5%. Mas todo mundo sabe que a meta é ficar abaixo do teto, de 6,5%. Outro exemplo de erro foi o das desonerações. A ideia de reduzir carga tributária no momento de baixo crescimento não é ruim. Mas pareceu que nem o governo acreditou no resultado, porque em vez de oferecer para todo mundo, foi implantando devagar, setor por setor. Com isso, criou incertezas. Os setores beneficiados ficaram na dúvida se era ou não para sempre e não cumpriu o plano de investimento. Quem não recebeu, não fez nada esperando a benesse. A forma com foi feita desincentivou os investimentos.”
Como reverter o problema?
“Precisamos, antes de tudo, que nossas autoridades reconheçam os problemas que criaram. O Banco Central precisa voltar a operar com autonomia, com uma equipe que não seja submissa ao governo e coloque o regime de metas de inflação para funcionar como sempre funcionou. Isso é o mais fácil de resolver. Difícil é reorganizar a política fiscal (a política relacionada à gestão da arrecadação e dos gastos públicos). Não vai bastar anunciar corte de gastos. Hoje o balanço das empresas dos setor elétrico, da Petrobrás, do BNDES, da Caixa Econômica Federal e do Tesouro Nacional fazem parte de um único pacote. É um nó difícil de desatar, igual aquele que se faz em correntinha comprada em feira hippie. Ninguém sabe com clareza o tamanho da conta, do buraco. Sabemos apenas que o fiscal está atrapalhado. A população não se preocupa com política fiscal, mas ela pede hoje mais qualidade na saúde, na educação, na segurança. Quando o fiscal está atrapalhado, fica difícil atender essas demandas.” (Monica De Bolle Sócia diretora da Galanto)
Por que o Brasil patina?
“É impensável que um País como o Brasil não possa crescer. Assim,acredito que uma combinação de políticas ruins e incerteza debilitou a economia. O crescimento de longo prazo está ligado à capacidade de se produzir mais e melhor – ou seja, está do lado do que chamamos de oferta. Mas as políticas focaram no consumo até a exaustão, deixando de lado melhorias na oferta dos produtos. O gargalo de infraestrutura evidencia isso. As estradas, os portos, as ferrovias são piores do que deveriam ser. Todos sabiam que era preciso investirem infraestrutura, mas o governo demorou. Criar um cenário futuro também importa. Empresários olham para a frente quando vão investir; empreendedores, quando buscam espaço para inovar. Quanto maior a incerteza em relação às regras, menor é a disposição para investir. Outra coisa preocupante neste momento é que entramos em recessão técnica com uma inflação no teto da meta – quando recessão costuma a ser acompanhada de queda de inflação. Essa peculiaridade nos coloca dentro de um cenário de estagflação.”
Como reverter o problema?
“O mais fácil, imediato e barato é assumir um conjunto de regras que sejam claras e iguais para todos. Isso significa acabar com a proteção a setores eleitos. Proteger um setor tem dois efeitos bastante deletérios sobre a economia. Primeiro:aumenta o custo de produção, reduz a produtividade e o nível de competitividade. Segundo: quando um setor enfrenta menos competição, perde o estímulo para inovar e para buscar mais produtividade. Como crescimento de longo prazo está intimamente relacionado a ganhos de produtividade, a proteção, ao final, terá impactos negativos sobre o crescimento. É preciso também rever a política que elege esses ou aqueles setores como campeões nacionais. Com ela,quem recebe o crédito generoso do BNDES não é necessariamente a empresa que tem o melhor projeto, mas que é melhor relacionada. O favorecimento dessa natureza pode levar a um excesso de investimentos nas atividades erradas e induzir a escolha de projetos com menos qualidade. Esses equívocos reduzem a produtividade e o crescimento.” (Vinicius Carrasco Professor na PUC-Rio)
Fonte: O Estado de S. Paulo – 31/08/2014.