31/03/2015
Os partidos se mobilizam para cortejar os eleitores que protestam nas ruas. Oferecer alternativas a eles é essencial para evitar uma aventura populista Alberto Bombig Quem vai herdar os votos dos manifestantes que encheram as ruas do país em 15 de março – e prometem continuar mobilizados pelo fim da corrupção, entre outras causas?
Para responder a essa pergunta, é necessário enfrentar outra questão, anterior. Se grande parte dos manifestantes repudia a política e os políticos, não é justo esperar que não votem em ninguém, provocando uma enxurrada de brancos e nulos? Para responder a isso hoje, é só olhar para as manifestações e eleições de ontem e de anteontem, no Brasil e lá fora. As multidões que tomaram as ruas do Brasil em junho de 2013 manifestavam ojeriza à política tradicional, aos políticos e aos militantes partidaríos com suas bandeiras. Mesmo assim, as eleições de 2014 mantiveram, no segundo turno, a mesma média de brancos e nulos dos pleitos anteriores – 5%, número que se repete desde 1989. Mais que isso, as eleições de 2014 estiveram entre as mais disputadas – e animadas dos últimos tempos. O mesmo ocorreu nos Estados Unidos, onde a maior parte dos integrantes do movimento Ocupem Wall Street, segundo pesquisas, acabou por votar no Partido Democrata. Reclamar de partidos e dos políticos é um esporte mundial, ainda mais em tempos de redes sociais. Somos adeptos entusiastas desse esporte. “Historicamente no Brasil existe a tendência de achar que os partidos políticos são podres, que o sistema político está podre”, diz o cientista político André Singer (leia a entrevista na página 58).
“Eu acho que nós temos hoje um sistema partidário real e que funciona” Nas democracias maduras, as manifestações servem para arejar o sistema e atualizar a pauta dos partidos. Não à toa, o Partido Republicano dos Estados Unidos passou a discutir o tema da desigualdade social, proposto pela turma do Ocupem Wall Street. É legítimo, assim, que os três principais partidos políticos brasileiros – PSDB, PMDB e PT – se mexam para conquistar o contingente de eleitores que está nas ruas. A começar pelo PSDB, principal força de oposição. Dado que um dos gritos de ordem da multidão que saiu às ruas era “Fora, Dilmar, é de imaginar que muitos do que protestam tenham votado em Aécio Neves nas últimas eleições. Os tucanos esperam que esses eleitores gravitem naturalmente para um candidato do PSDB nas eleições de 2018. Mesmo assim, o PSDB vê com cautela uma aproximação com os manifestantes. “Os partidos estão vendo emergir das ruas novas formas de organização social, com elementos novos, reivindicações políticas e sociais, ideias originais sobre a forma de funcionamento das próprias instituições, e é muito importante que estejamos abertos para ouvir, avaliar e acatar essas mudanças na medida em que elas são a representação do que quer a sociedade”, diz o secretário estadual de Transportes Duarte Nogueira, presidente do PSDB em São Paulo.
Para melhor entender o tucanés castiço de Nogueira, é útil se aprofundar mais nas complexidades do partido. Uma avaliação reservada a que ÉPOCA teve acesso mostra que o PSDB resolveu se afastar das ruas no dia 15 devido ao que considerou um “alto grau de despolitização de muitos dos manifestantes”, além de bandeiras que confrontam a origem do PSDB em 1988.
O ponto central da divergência é o impeachment da presidente da República, defendido por muitos dos que foram e vão às ruas nos gritos de “Fora, Dilma”. “O PSDB reconhece que o impeachment é uma estratégia legal, prevista na Constituição e, portanto, está longe de ser um golpe de Estado como quer fazer crer o PT”, afirma Nogueira. “No entanto, não acreditamos que haja condição legal ou política para pedir o impeachment da presidente Dilma”. Os tucanos querem se afastar dos radicais, mas buscam se aproximar, por exemplo, do Movimento Vem Pra Rua, que não defende o impeachment e possui vasos comunicantes com o partido. Chegaram a propor uma agenda para os manifestantes moderados. À frente do Congresso, o PMDB tenta incorporar parte da agenda das ruas e propõe uma redução no número de ministérios de Dilma, bandeira levantada pelo Vem Pra Rua. O partido também quer liderar a reforma política. Para o cientista político Carlos Mello, professor do Insper, escola de economia e negócios de São Paulo, mudar a imagem da sigla será difícil para os peemedebistas. “A cúpula do Congresso está quase toda arrolada com a Operação Lava Jato. Os presidentes das duas Casas estão sendo investigados pelo Ministério Público, algo que, ao que me recordo, é inédito”, diz Mello. “A legenda tem poder por conta dos espaços institucionais que ocupa, não exatamente pelo grau de credibilidade e liderança popular de seus membros”, afirma, citando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, investigados na operação que apontou esquema de propinas na Petrobras.
No governo, o PT também debate os acontecimentos e busca uma forma de sobreviver ao desgaste. “Não acho que seja o fim do PT. O velho PT militante acabou, mas isso não significa que não haja uma memória dele na esquerda brasileira, até por falta de opção “, diz Lincoln Secco, historiador e professor da Universidade de São Paulo.
Em sintonia com as ruas, a mudança do discurso do PT ficou clara no próprio dia 15, quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, falando em nome do Planalto, reconheceu a legitimidade dos protestos e disse que o governo recebia as críticas com humildade.
A direção do PT finaliza uma pesquisa nacional cujo objetivo é ajudar o partido a identificar quem são os manifestantes e o que eles querem. Antes refratários a um movimento que desdenhavam como sendo “da elite branca” – para usar uma expressão disseminada pela propaganda do partido -,os petistas agora tentam interpretar as ruas. Já sabem, de antemão, que não são apenas os ricos e os eleitores de Aécio que estão insatisfeitos com Dilma. As novas sondagens terão como tema central a imagem do partido, e não do governo. A encruzilhada enfrentada pelos três principais partidos brasileiros abriu espaço para novas siglas que também tentam capitalizara indignação das ruas. Na semana passada, foi lançado em São Paulo o Movimento Raiz Cidadanista, partido que tentará seu registro na Justiça Eleitoral e que surgiu a partir de dissidentes da antiga Rede, da ex-senadora Marina Silva (PSB), terceira colocada nas eleições do ano passado.
A proposta é ocupar o espaço deixado no campo da esquerda pelo desgaste do PT. O Partido Novo, que também tenta registro na Justiça, coloca-se no lado oposto do espectro político. O partido tem programa liberal e busca pescar brasileiros e manifestantes insatisfeitos com as indecisões do PSDB. É pouco provável, no entanto, que o Raiz e o Novo consigam capital eleitoral suficiente para chegar com força em 2018. Leva tempo para que uma sigla se consolide e se torne viável eleitoralmente. Na Espanha, um partido de esquerda, o Podemos, e um de direita, o Cidadãos, se colocam como alternativa às siglas tradicionais e tentam capitalizar o movimento de rua conhecido como Indignados. Na semana passada, no entanto, no teste das eleições da Andaluzia, os dois conseguiram resultados abaixo do esperado. Os três principais partidos do Brasil surgiram com a redemocratinação do país, durante a década de 1980. Levaram quase quatro décadas para se consolidar. Segundo os estudiosos ouvidos por ÉPOCA, a tendência para as eleições municipais de 2016 é que essas forças políticas predominem. Em 2018, a tendência é que setores importantes do PSDB façam uma inflexão à direita e que Marina Silva, no PSB ou em qualquer outro partido já constituído, mantenha sua força como terceira via. É consenso também – e aí reside um grande perigo – que um ataque frontal ao sistema politico pode abrir lacunas para aventuras populistas e personalistas, comuns à história da América Latina. “Nesses países, quando cresce o sentimento antidemocrático, você cria espaço para aventuras autoritárias”, diz o petista Edinho Silva, recém-nomeado ministro da Secretaria de Comunicação. Nas decisões recentes, ao contrário de seus vizinhos, o Brasil tem se mantido imune às aventuras populistas. Mesmo em momentos de crise, prevalecem a democracia e os partidos tradicionais. A crise atual, no entanto, pode ser maior que as anteriores. O cientista político Carlos Mello prevê, entre outras coisas, uma depuração do quadro político, com o afastamento de líderes importantes por causa da Operação Lava lato. Essa depuração atingirá todas as siglas, ao contrário do que ocorreu com o mensalão, que ceifou políticos apenas no PT e na base aliada, e pode ser traumática. Outro risco é o descrédito em relação à maneira que se faz política no Brasil, como lembra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O presidencialismo que era de coalizão virou de cooptação “, diz FHC. “Coalizões são frequentes em qualquer país, o que não é frequente é que o cimento da coalizão seja a corrupção. Aqui não se discute agenda nenhuma. Discute-se que pedaço do governo eu tenho. Eu não tenho dúvida que isso aí é um sistema que está se esgotando.” O combate à corrupção que vicia o sistema é, assim, essencial para a democracia brasileira. Persistir nesse combate, respeitando as instituições, e ouvir a voz das ruas são dois pontos essenciais para aperfeiçoar a democracia e evitar o risco das aventuras populistas.
Fonte: Revista Época – 30/03/2015