07/08/2015
Texto de matéria: Queixas vão de carona em aplicativos de táxi
RIO – À medida que cresce a popularidade dos aplicativos de táxi e do Uber (app que conecta motoristas particulares a passageiros), aumentam também as reclamações dos consumidores que, na zona nebulosa dos novos serviços, nem sempre conseguem fazer valer seus direitos.
Contra as queixas, o principal argumento das companhias é que, por serem empresas de tecnologia e não de transporte (não possuem frota própria), não podem ser responsabilizadas por problemas com os condutores. Mas seja a bordo de um “black car” do Uber ou de um carro chamado pelo aplicativo de táxi, o passageiro está protegido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ou não. Isso porque a responsabilidade dos apps de táxis é mais clara do que a do Uber. Assim, não bastasse a polêmica entre os taxistas e os motoristas credenciados, o Uber também provoca debate entre os próprios órgãos de defesa de consumidor e juristas. Por não ser um serviço regulamentado pela Prefeitura, o Procon estadual entende que o Uber oferece transporte análogo aos oferecidos pelos veículos piratas e, portanto, não pode ser enquadrado nas leis de consumo, porque sua existência ilegal. — O Código de Defesa do Consumidor trata das relações de consumo formais. Num aplicativo de táxi, em caso de problema, a responsabilização é solidária, entre motorista e a empresa. O Uber precisa ser formalizado pela Prefeitura, que já declarou considerá-lo ilegal. O Procon, como fiscal do governo, não reconhece o Uber. O consumidor que tiver de reclamar terá de ir à Justiça — Carlos Eduardo Amorim, Diretor Jurídico do Procon estadual. VOO PERDIDO Outros especialistas discordam, num indicativo de que o aumento da demanda pelo “carro a um clique” pode crescer na mesma proporção que o número de ações na Justiça. — Todas as pessoas que integram cadeia de consumo são responsáveis pelo o que ocorre no serviço ao passageiro, e a empresa tenta se eximir de responsabilidade. Se integra cadeia de consumo, também responde por eventuais problemas — diz Juliana Alvarenga, advogada da Associação de Proteção e Assistência aos Direitos da Cidadania e do Consumidor (Apadic). O auditor fiscal aposentado, Luiz Cesar Mendes, pediu um táxi pelo app 99Taxis para ir da Barra até Copacabana e escolheu pagamento pelo cartão de crédito. O taxista que o atendeu, no entanto, informou não tinha máquina para receber por cartão. — Paguei a corrida em dinheiro, e, para a minha surpresa, os R$ 40 foram descontados do meu cartão de crédito. Entrei em contato com a empresa, que pediu desculpas pelo ocorrido e prometeu fazer o estorno, mas isso só aconteceu muito tempo depois — reclama. Para empresária Julianna Antunes de Carvalho Albuquerque Paula, a ida ao aeroporto Santos Dumont, numa manhã de sábado sem trânsito, foi mais cara e tão mais longa do que o normal, que ela perdeu o voo. E não foi só isso. Primeiro, ela tentou usar o desconto de 50% oferecido pelo aplicativo Easy Taxi para clientes, mas não conseguiu, porque para ter o benefício teria que pagar com cartão de crédito. — Chamei um carro com a opção de pagar pelo cartão, o que era uma condição para ter acesso à promoção, mas ninguém apareceu. Quando mudei a opção para pagamento com dinheiro, apareceu um táxi. Cansei de avisá-lo que a Linha Amarela estava livre, mas ele cismou num caminho estranho, mais longo. O resultado foi que perdi o avião, tive de pagar multa na companhia aérea e esperar seis horas por outro voo — conta. — Reclamei, mas a Easy Taxi alegou que não é uma empresa de táxi, mas de tecnologia, e que ia falar com o motorista, propor qualificação. Eles negam a corresponsabilidade e não têm controle sobre quem cadastram — conta. O convênio da Easy Taxi com uma companhia aérea também seduziu o engenheiro Tarcísio Portella, que precisava ir do Galeão a Niterói. Mas ele também não conseguiu o desconto de 50% e acabou desembolsando R$ 110: — Esperei no aeroporto pelo carro da companhia, quando poderia ter pegado táxi, mas, na hora do pagamento, “faltava um código” para usar o desconto. É propaganda enganosa — afirma. SEM FUGIR DA RAIA Ricardo Morishita, diretor de Pesquisas e Projetos no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), deixa claro que todas empresas são corresponsáveis pelo serviço prestado: — É muito difícil fugir das regras do CDC, pois, já no artigo 1º, ele estabelece que é uma norma pública, ou seja, que tem de ser cumprida. Não dá para sair dizendo por aí que está “fora do código”. Para ele, contudo, embora o app seja corresponsável pelo que se passa no trajeto, quando o dano não se relaciona à tecnologia, a responsabilidade se concentra no motorista. É o que acontece, por exemplo, no uso de um caminho mais longo. Já Gustavo Gonçalves Gomes, advogado especialista em direito do consumidor do Siqueira Castro Advogados, afirma que “qualquer ocorrência de falha na prestação dos serviços” pode levar o cliente a um ressarcimento tanto pelo motorista quanto pelo app. — Os consumidores podem demandar contra os profissionais motoristas e contra as empresas de aplicativos, inclusive o Uber, sempre que se sentirem prejudicados em virtude da qualidade do serviço por eles prestados. Renato Opice Blum, professor do Insper Direito e especialista em direito digital, faz coro ao entendimento: — Os apps são solidariamente responsáveis (com os motoristas) pois intermediam o serviço, e garantem a sua qualidade. Assumem, com base no Código de Defesa do Consumidor, o papel de fornecedores de serviço, e inexistindo qualquer uma das causas de exclusão de responsabilidade, estes podem ser responsabilizados solidariamente. ARGUMENTO DAS EMPRESAS A Uber informa que as queixas de seus usuários, em geral, “estão atreladas a questões do aplicativo, como problemas no uso de promocodes” (códigos promocionais). Quanto às reclamações a respeito dos motoristas, a empresa afirma que “cada reclamação é avaliada e atendida individualmente”. A Uber acrescentou ainda que o serviço “decorre de um contrato privado de prestação de serviços e, como tal, garante aos consumidores (contratantes) todos os direitos. Dessa forma, qualquer ocorrência de falha na prestação dos serviços poderá ensejar eventual direito do consumidor contra o prestador direto dos serviços e, de forma solidária, contra o próprio aplicativo Uber”. Já no termo que o usuário aceita ao contratar o serviço do Uber, a informação é diferente. “A qualidade dos serviços de transporte solicitados através do uso do aplicativo ou serviço é inteiramente da responsabilidade do fornecedor de transporte que realmente presta esses serviços de transporte a você. A Uber, sob nenhuma circunstância, aceita responsabilidade em conexão e/ou decorrentes de serviços de transporte prestados pelo fornecedor de transporte ou de quaisquer outros atos”. Sobre a reclamação de Luiz Cesar, a 99Taxis informou que a reclamação foi atendida, e o pagamento, estornado. A EasyTaxi informou que o passageiro Tarcísio Portella “foi reembolsado no valor do desconto a que teria direito”. No caso de Juliana, a informação é que “o reembolso não ocorreu, pois a forma de pagamento escolhida foi dinheiro, o que de fato inviabilizava a promoção”. A empresa acrescentou que “se comprometeu a ampliar a cobertura de taxistas que aceitem a forma de pagamento via aplicativo na região”, mas não fez comentário sobre o trajeto mais longo que fez a cliente perder seu voo. Fonte: O Globo Online – 29/07/2015 |