10/04/2014
O aposentado José Ari Santiago adora futebol. Em junho, vai assistir a uma partida da Copa do Mundo no Estádio Nacional Mané Garrincha. Vai ser o primeiro jogo depois de duas décadas que ele vai acompanhar pertinho do gramado. O mineiro de 67 anos não planejou a viagem para Brasília, nem comprou ingressos. Teve a sorte de ser premiado em um título de capitalização que comprou numa ida ao banco para resolver um problema com o cartão magnético. “O gerente me ofereceu e comprei. O que tem de acontecer, acontece, não é mesmo?!”, diz o metalúrgico, morador de Diadema, na Grande São Paulo.
Santiago comprou um dos mais de 250 mil títulos que o Itaú Unibanco vendeu no mês de fevereiro dentro da Promoção PIC da Copa. A campanha superou as expectativas, segundo André Vasco, superintendente de seguros do grupo – a meta foi estabelecida em 220 mil títulos. Em vez de prêmios em dinheiro, o produto sorteou ingressos para jogos do mundial em Brasília, Fortaleza e na final no Rio de Janeiro. “A Copa tem um apelo muito forte”, afirma Vasco.
O chamariz dos sorteios explica parte da atração do brasileiro por capitalização. O setor tem hoje mais de 33 milhões de clientes pessoas físicas, sendo que o valor médio de aplicação é R$ 28. “[A capitalização] é uma forma de guardar dinheiro e cultivar a possibilidade concreta de realizar sonhos e mudar de vida”, afirma Marco Antonio Barros, presidente da Federação Nacional de Capitalização (FenaCap) em comunicado à imprensa. Em 2013, as empresas distribuíram cerca de R$ 1 bilhão em prêmios, segundo a FenaCap. O ano foi de crescimento expressivo (26,9%) no faturamento do setor, que totalizou R$ 20,9 bilhões.
A remuneração abaixo da inflação é o ponto de maior crítica ao produto entre especialistas de finanças pessoais. A maioria dos títulos remunera o capital aplicado praticamente apenas com a TR (Taxa Referencial), que varia mês a mês e está próxima de zero. O valor é muito inferior ao IPCA, estimado em 6,07% para os próximos 12 meses no Relatório de Mercado do Banco Central desta segunda-feira, 7 de abril. Ou seja, o capital que o consumidor vai resgatar no futuro terá um poder de compra inferior ao que tinha ao fazer a aplicação. Por conta disso, não dá para dizer que é um investimento, segundo Syllas Ramos, diretor do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF) e planejador financeiro certificado com o selo CFP. “É quase como colocar o dinheiro embaixo do colchão”, diz ele.
O alerta do especialista é o mesmo feito pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em seu site. “Vale lembrar que os títulos de capitalização não são investimento e nem devem ser confundidos com uma caderneta de poupança. (…) Se ele busca tentar a sorte com os sorteios, talvez essa seja uma boa opção. Porém, se o objetivo é aplicar o dinheiro e fazê-lo render, não vale a pena adquirir um título de capitalização”, escreve o instituto.
O recebimento de todo valor pago à empresa de capitalização só se concretiza se o poupador ficar todo o período contratado e realizar todos os aportes combinados. Se comprar um título de 48 meses e precisar do dinheiro antes, ele será penalizado. No produto de um grande banco, por exemplo, se o poupador precisa resgatar depois de um ano, perde 32% do que depositou.
Essa penalização do resgate antecipado ocorre pela estrutura do produto. O valor aplicado em capitalização é dividido em três partes, segundo a FenaCap. Uma parte segue para a reserva matemática, a qual vai ser rentabilizada para gerar o capital a ser devolvido ao cliente. Uma segunda parte segue para pagar custos administrativos, como o comissionamento de quem vende o produto. E uma terceira parte financia os sorteios. Quanto mais perto do início do contrato, menor a parcela destinada para a reserva do poupador, segundo a FenaCap – há casos em que esse percentual é de 10% para os primeiros três aportes. Quando o contrato se aproxima do fim, praticamente todo valor aplicado segue para a reserva.
As empresas de capitalização e a FenaCap demonstram o cuidado de diferenciar a capitalização de um investimento. Além de um manual de melhores práticas, os funcionários são treinados para explicar a modalidade corretamente, segundo informam. “A capitalização precisa ser ofertada como é. Não é um investimento e não é um jogo. É um produto à parte”, afirma Rita Batista, presidente da comissão de produtos e coordenação da FenaCap.
Nem sempre o consumidor compra com total consciência. Jesus Duran, dono de uma construtora em São Paulo, afirma que o título dá o “rendimento normal de uma poupança”. A verdade é que a caderneta remunera bem mais que os títulos tradicionais de capitalização. Além da TR, paga juros de cerca de 6% ao ano, no atual patamar da taxa Selic. Mesmo assim, o empresário de origem espanhola gosta do produto. Diz que é uma forma prática de guardar pequenas quantias e de concorrer a sorteios. “É uma poupança forçada ao mesmo tempo em que é uma loteria”, diz Duran. Ele faz isso há mais de oito anos e teve a sorte de ser premiado em dezembro do ano passado.
A pequena confusão feita por Duran também pode ser vista no site de uma grande companhia de capitalização. Na página de “perguntas frequentes”, a empresa explica de forma dúbia como é feita a remuneração dos títulos. Diz assim: “O percentual destinado ao saldo de capitalização é atualizado mensalmente pela mesma taxa de remuneração das cadernetas de poupança (hoje é a TR, índice variável, divulgado mensalmente pelo Banco Central)”. Não está errado, mas pode levar à mesma conclusão equivocada de Duran.
Em uma simulação de investimentos, o professor Michael Viriato, coordenador do Laboratório de Finanças do Insper, comprova a diferença da rentabilidade entre a capitalização e dois produtos financeiros disponíveis para o grande público: a caderneta de poupança e o CDB. No exercício, foi considerada a aplicação de R$ 200 por mês ao longo de quatro anos nas três modalidades. No fim do período, o resgate foi de R$ 9.747,80 da capitalização, R$ 11.096,80 da caderneta da poupança e R$ 11.306,40 do CDB, nesse caso já descontado o Imposto de Renda.
Se rende menos, por que dezenas de milhões de pessoas compram? A atratividade dos sorteios milionários é parte da explicação, combinada a alguns fatores destacados por aplicadores à reportagem. Um deles é a devolução garantida do capital investido. Ou seja, é uma aplicação sem risco de perda do valor principal. Outros fatores são a facilidade da aplicação (o valor é debitado automaticamente na conta corrente) e também a oportunidade de contribuir com o terceiro setor. Na prateleira da Bradesco Seguros e Capitalização, a segunda maior companhia do setor, o aplicador tem a possibilidade de colaborar com projetos sociais e ambientais, como os do Instituto Ayrton Senna e da Fundação SOS Mata Atlântica.
Uma segunda explicação é a vontade do consumidor de manter um bom relacionamento com o banco. Foi atendendo ao pedido do seu gerente que Ramos, planejador financeiro, comprou o título. “Sempre faço estratégias de investimento. Mas o gerente pediu para eu comprar e tudo bem. Comprei”, diz o CFP.
O mesmo aconteceu com a pedagoga Elizabeth Mac Nicol. Depois de duas dezenas de ofertas, contratou a capitalização. “Comprei para ajudar mesmo”, diz Beth, que apenas se irrita com a espera na fila do banco quando os operadores dos caixas investem seu tempo e o dos clientes para vender o produto. No Itaú Unibanco, por exemplo, 70% das vendas ocorrem na agência.
O presidente da Brasilcap , Márcio Lobão, contesta a assertiva de que capitalização é um produto que precisa ser ofertado pelo gerente. Ele argumenta que todo produto ou serviço é oferecido, do contrário o consumidor nem teria conhecimento. Lobão também afirma que o título de capitalização é um produto de educação financeira muito acessível em que o poupador aprende a disciplina de poupar. “E caso ele queira, temos um título que pode dar uma rentabilidade diferenciada”, afirma o presidente da companhia líder de mercado, referindo-se ao Flex. É um título de capitalização em que parte dos recursos é aplicada em um fundo de ações. No fim do contrato, o poupador resgata 100% do capital investido ajustado pela TR mais a variação positiva do fundo de ações, quando houver.
O professor Michael Viriato explica que, ao comprar um título de capitalização, o consumidor está dando ao banco a rentabilidade que ele poderia obter em outras aplicações financeiras, como a caderneta de poupança, e ganhando o direito de participar de sorteios. “É como se ele tivesse ido a uma lotérica fazer uma aposta. Ele deixa um valor para comprar o bilhete da loteria, certo? No caso da capitalização, ele também deixa um determinado valor, no caso os ganhos, para ter o direito de concorrer ao prêmio”, diz Viriato.
Quem opta pela capitalização dada a comodidade de ter o valor debitado em conta corrente deve se informar em seu banco sobre alternativas de investimento automatizadas. Os grandes bancos permitem programar a aplicação na caderneta de poupança. É o caso do Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Santander. Em alguns deles, não há a exigência de um aporte mínimo. Em outros, o valor precisa ser de pelo menos R$ 10, montante inferior à menor parcela mensal de um título de capitalização.
A maioria das instituições também permite a automatização das aplicações em fundos de investimento, em previdência privada e Tesouro Direto. Nesse caso, os valores e os custos de aplicação variam bastante e exigem mais atenção do consumidor. O CDB, produto de investimento bastante popular, já não permite a programação. Ao contrário da caderneta e de alguns fundos, o CDB geralmente pode ser contratado a partir de R$ 1.000. Somente na Caixa e no Banco do Brasil, o valor é menor (R$ 200 e R$ 500, respectivamente).
Fonte: Valor Econômico – SP – 08/04/2014