22/02/2022
O sistema de servitização desenvolvido em Projeto Final de Engenharia será apresentado em abril durante conferência internacional na Bélgica
Leandro Steiw
O reconhecimento pelos pares é uma das possibilidades de ponderar o sucesso de um trabalho. Um Projeto Final de Engenharia (PFE) do Insper resultou na publicação de uma patente industrial e na produção de um artigo científico, aceito por uma respeitada conferência internacional de engenharia. Em abril, será apresentado na Conference on Life Cycle Engineering (LCE2022), na Bélgica, o modelo de servitização criado pelos alunos Eduardo Ometto Gebara, Rafael Amoroso Marzolla e Raphael Andre Marques da Costa, sob orientação do professor Raphael Galdino dos Santos, coorientação do professor Daniel Guzzo e mentoria do engenheiro mecânico Douglas Pedro de Alcantara, diretor de tecnologia e novos negócios da Indústrias Romi.
No PFE Sistemas Produto Serviço para Máquinas-Ferramenta: Desenvolvimento de Conceitos para as Indústrias Romi, criou-se um modelo de precificação para a oferta de máquinas como serviço (MaaS, do inglês machine as a service), uma relação de mercado no qual o cliente paga pelo uso do equipamento, mas a posse permanece com o fabricante. As máquina-ferramenta, como tornos e centros de usinagem, fabricam peças de metal de complexidade variada, desde milimétricas, para bens duráveis, até gigantescas, para usinas hidrelétricas. O modelo de aluguel era novo para a Romi, que, independentemente, monitorava os parâmetros de uso para saber o que estava acontecendo com o equipamento durante o período de locação.
O desafio dos alunos foi propor uma alternativa ao modelo de aluguel que aplicasse essa tecnologia de monitoramento. Eles conduziram um estudo para precificar o serviço de utilização da máquina baseado no perfil do consumidor, e não apenas num perfil geral. “Pode-se alugar para um cliente que usa a máquina de forma mais severa e para outro que usa de forma mais branda, a depender do tipo de componente que está sendo produzido”, explica Raphael Galdino dos Santos, doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo. “Há peças com características e materiais que vão demandar mais ou menos esforços da máquina e, portanto, vão consumir a vida útil do equipamento de formas diferentes.”
Os alunos fizeram o mapeamento do ciclo de vida da máquina para entender todos os fatores relevantes em relação ao desgaste no uso. Depois, eles propuseram alternativas de soluções para um modelo de precificação baseado no uso, em parâmetros que estariam sendo monitorados online. O conceito de servitização revelou-se o mais adequado. Assim, o cliente pagaria um valor proporcional ao esforço requerido na produção de determinada peça, em vez de uma mensalidade fixa para operar arbitrariamente o equipamento. “Essa é a principal diferença do modelo de aluguel vigente que a empresa adotava para a proposta dos alunos”, afirma Galdino.
Professores e estudantes perceberam a oportunidade de divulgar o trabalho por meio de um artigo científico, submetido à LCE2022 e aceito para publicação no Procedia CIRP, da International Academy of Production Engineering (CIRP). “Como havia a empresa parceira e o sigilo da propriedade intelectual, antes de se propor a publicação, também foi depositada uma patente do modelo de uso de máquina-ferramenta, baseado nos cálculos com os dados monitorados online”, detalha Galdino, pesquisador nas áreas de indústria 4.0 e manufatura avançada.
Para o professor Daniel Guzzo, quando se menciona precificação, imagina-se um trabalho de curso de negócios. “Mas só chegamos ao modelo de precificação que considerava severidade de uso porque os alunos compreendiam os aspectos de engenharia e sabiam interpretar os parâmetros”, diz Guzzo, doutor em Engenharia de Produção pela USP. A lógica do desgaste de máquina estava intrinsicamente ligada ao projeto, e a diversidade do grupo, com graduandos em Mecânica, Mecatrônica e Computação, transformou-se num trunfo. “Essa equipe multidisciplinar mostra o quão importante é ter a nossa Engenharia integrada e com todas essas competências disponíveis; porque, se não tivéssemos um desses alunos no grupo, fatalmente não se chegaria aos mesmos resultados”, diz Galdino.
Todo PFE deixa um legado. Nos próximos anos, outros alunos poderão validar o modelo teórico, testando a solução em ambiente industrial. “O nosso modelo será calibrado à medida que tivermos os dados e poderá aprender com o tempo”, observa Guzzo, pesquisador nas áreas de design, gestão da inovação e economia circular. “É uma solução estratégica e de negócios altamente inovadora para a indústria de manufatura e para o Brasil, por mais que a servitização já esteja se tornando parte do dia a dia. E os três só conseguiram chegar à solução porque têm uma enorme capacidade técnica desenvolvida.”
Douglas Pedro de Alcantara diz que a Indústrias Romi faz parcerias com as melhores universidades com cursos de Engenharia do Brasil, como o Insper, e participa dos projetos finais de engenharia, buscando gerar conhecimento alinhado com as novas tecnologias relacionadas à manufatura. “O mais recente projeto, focado em precificação de soluções MaaS, tem todo um conteúdo inédito e inovador, com resultados teóricos e práticos que surpreendem pela qualidade e aplicabilidade no mundo real”, avalia o diretor de tecnologia e novos negócios da Romi. “Trata-se de um grande caso de sucesso entre um instituto de ensino e uma empresa brasileira.”
Rafael Marzolla estava familiarizado com a lógica do desgaste por cursar Engenharia Mecânica. “Eu tinha um conhecimento maior do produto com o qual o grupo estava trabalhando, as máquinas-ferramenta, mas no resto todos contribuíram”, recorda Marzolla. Estudante de Engenharia de Computação, Raphael Costa dedicou-se à análise de dados enquanto aprendia sobre máquinas com o colega. “No nosso PFE, tivemos de lidar com conhecimentos que envolvem a construção de produtos em geral, com conceitos de empreendedorismo e com custo de ciclo de vida (LCC, do inglês Life Cycle Cost), temas que nenhum de nós três dominava”, comenta. Com estágio anterior na área de custos, Eduardo Gebara, da Engenharia Mecatrônica, concentrou-se na análise financeira do modelo de negócios.
Artigo publicado e patente requerida, até fica fácil comemorar o sucesso do PFE. No entanto, havia uma pandemia no caminho naquele primeiro semestre de 2020, que mexeu com o planejamento do grupo e interrompeu a programação de visitas à empresa. “Não poder visitar alguns lugares para testar o modelo, ou entrevistar outras pessoas que tinham a ver com o nosso projeto, foi o maior impeditivo”, lamenta Raphael Costa. Ele conta: “Na época, sentíamos que, se pudéssemos ir à empresa e conversar com as pessoas, faria muita diferença, porque teríamos o feeling do negócio. A pandemia gerou muita incerteza para a gente. No fim, acho que conseguimos resolver todas as questões de forma elegante”.
Como a interação ficou prejudicada, os três alunos se matricularam no PFE avançado e dedicaram o semestre seguinte ao aprimoramento do modelo de servitização. “Ficamos com o sentimento de missão não cumprida. Sabíamos o que devia ser feito para terminar o modelo, só que precisávamos de mais tempo. Havia a opção de fazer o PFE avançado, então decidimos terminar o projeto do jeito que queríamos no início”, rememora o aluno Rafael Marzolla. Posteriormente, já formados, eles se reuniram para trabalhar no artigo e na patente, ainda sob a orientação dos professores Raphael Galdino e Daniel Guzzo. “Faltava só isso para a gente fechar o ciclo do projeto”, diz o aluno Raphael Costa.
Segundo Raphael Galdino, outro ponto positivo é que a experiência tratava de engenheiros resolvendo problemas técnicos com o olhar de business, investigando como eram os impactos no negócio, no modelo de uso e no mercado de determinados produtos. O PFE sintetiza a expectativa do Insper com o curso de Engenharia: um perfil de egresso com consciência do contexto onde ele está inserido, que entenda os desafios e as necessidades não só do cliente e da empresa parceira, mas também dos usuários das máquinas. “Compreender essa contextualização, buscar as alternativas científicas, desenvolver a parte técnica da engenharia e voltar com uma solução que faça sentido para o usuário. Acho que esse projeto mostra a capacidade dos nossos alunos. É o que nos deixa mais orgulhosos ao ter participado desta iniciativa”, diz Galdino.