11/02/2015
Procura-se credibilidade na Petrobras
Aldemir Bendine assume a maior empresa brasileira com a espinhosa missão de tirá-la do fundo do poço. Em três anos, a dívida da estatal dobrou. Saltou de R$ 164,1 bilhões para R$ 331,7 bilhões sob o comando de Graça Foster. Ao mesmo tempo, o valor de mercado da gigante petrolífera desabou 62%. Otimista, Bendine acredita que reúne condições de recuperar a combalida Petrobras. Mas é certo que ele terá muita dificuldade em resgatar a confiança de investidores e da opinião pública,em razão do monumental esquema de corrupção investigado pela Polícia Federal. PETROLÃO / Novo presidente da Petrobras diz a amigos que reação negativa dos investidores a seu nome “estava no preço”. Bendine terá pela frente uma empresa tragada pela corrupção, com o caixa em frangalhos e novas denúncias da Polícia Federal
Um gigante de joelhos
Aldemir Bendine acredita que o mercado financeiro vai se render, rapidamente, à decisão da presidente Dilma Rousseff de nomeá-lo para o comando da Petrobras. Ontem, depois de avaliar as repercussões negativas em torno de seu nome, desabafou a amigos: “Estava no preço”. Para Bendine, era natural que os investidores derrubassem o valor das ações da estatal, por não terem o pleito atendido por Dilma, de substituir Graça Foster por um executivo mais independente do Palácio do Planalto. “Pode acreditar: em poucas semanas, a visão sobre a Petrobras será melhor”, disse a um executivo do Banco do Brasil, instituição que ele presidia desde 2009.
Apesar da confiança demonstrada a interlocutores, com os quais comemorou, sem constrangimento, o feito de chegar à presidência da maior empresa brasileira, Bendine não terá vida fácil. A Petrobras é, hoje, um gigante de joelhos, assolado por denúncias de corrupção, caixa em frangalhos, dívida monstruosa e total descrédito. A companhia, que já foi símbolo nacional e motivo de orgulho dos brasileiros, passou a ser administrada, desde o início do governo PT, por meio de relações promíscuas entre o Planalto, executivos indicados por partidos políticos e empreiteiras que se comprometiam a pagar propina para realizar as obras.
O mar de lama no qual o governo meteu a Petrobras é assustador. A empresa, responsável pela maior descoberta de petróleo em pelo menos duas décadas, o pré-sal, tinha tudo para estar entre as potências mundiais. O que se vê, porém, é uma companhia sem perspectivas, com seu plano de investimentos estrangulado, investigada no país e nos Estados Unidos e lidando com preços em queda do petróleo no mercado internacional. Poucos se arriscam a prever o que ainda está por vir das investigações conduzidas pela Operação Lava-Jato, diante do tamanho do esquema criminoso que foi montado para sugar os recursos da companhia.
Balanço
Para se ter uma ideia de como a Petrobras pode piorar, basta analisar os quase três anos em que a companhia foi conduzida por Graça Foster. A dívida da empresa dobrou, de R$ 164,1 bilhões, no fim de março de 2012, para R$ 331,7 bilhões em setembro de 2014, último dado divulgado em um balanço contábil ainda não auditado. O valor de mercado da petroleira caiu 62% no mesmo período. Enquanto isso, a produção média de petróleo subiu apenas 1,2% em três anos.
Quando se esperava que novos ventos soprassem na empresa, com a renúncia da equipe comandada por Graça, viu-se mais do mesmo, com a nomeação de um executivo alinhado ao Planalto. Nada indica que, sob o comando de Bendine, a roubalheira cessará. Na opinião de Paulo Forquim, professor de economia e negócios do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), a situação da estatal é dramática. “Esse esquema perverso, de relações promíscuas entre governo, executivos e empreiteiras, ultrapassou qualquer nível aceitável de interferência do Executivo enquanto controlador da companhia”, diz.
Segundo o professor, a crise que engolfou a petroleira esconde o potencial que ela acumula, com vasta experiência na exploração e extração de petróleo. “Todas as ações do governo levaram a Petrobras a cair em descrédito. É difícil prever o que acontecerá nos próximos meses. As oscilações no preço dos papéis da petroleira são um reflexo desse momento de incerteza”, explica. A interlocutores, Bendine diz que há certo exagero na visão dos especialistas em relação à estatal. No entender dele, o debate está politizado demais, com um forte interesse em atingir o coração do governo.
Quebradeira
Para o Planalto, além de resolver a questão do balanço do terceiro trimestre de 2014, que as empresas de auditorias se recusam a assinar, é vital que a Petrobras retome os investimentos e evite uma quebradeira em série de seus fornecedores. Com a estatal travada, a recessão na qual o país está entrando será mais forte. Não passa pela cabeça da presidente Dilma Rousseff fechar o primeiro ano do segundo mandato com queda de até 2% do Produto Interno Bruto (PIB), como alardeiam os mais pessimistas. A popularidade da presidente está derretendo e, confirmada a recessão, tende a ceder ainda mais, fragilizando o governo nas negociações com o Congresso.
A Petrobras responde por 10% de todos os investimentos produtivos do Brasil. Mas, com o caixa destruído pelo governo, sobretudo por ter segurado os preços dos combustíveis por tanto tempo, a companhia está longe de dar essa contribuição neste e no próximo ano. “A taxa de investimentos do país já recuou em 2014 e ficará pior neste ano, porque a Petrobras anunciou cortes entre 30% e 40% nos seus desembolsos”, pontua Luiz Gustavo Pereira, estrategista da Guide Investimentos. Na visão de Karina Freitas, analista da Concórdia Corretora, os desafios que a Petrobras precisa superar são tão grandes quanto ela própria, uma empresa de 400 mil funcionários.
Na Esplanada dos Ministérios, é grande a expectativa em torno da gestão de Bendine na Petrobras. Técnicos da equipe econômica reconhecem que a opção de Dilma pelo ex-presidente do Banco Brasil para o lugar de Graça Foster não foi a melhor. “A impressão que ficou foi a de que o governo está mais preocupado em esconder os malfeitos do quem em realmente salvar a empresa”, frisa um graduado funcionário público. “Isso significa dizer que a estatal continuará, por muito tempo, nas páginas policiais dos jornais. Trata-se de um crime contra o país”, emenda.
Tanto auxiliares do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, quanto do ministro do planejamento, Nelson Barbosa, acreditam que a nomeação de Bendine para a presidência da Petrobras não evitará o rebaixamento da empresa. A percepção das agências de classificação de risco é de que a politização que destruiu a petroleira continuará, dificultando o resgate da companhia. Sendo assim, dizem os técnicos, Bendine deve brindar muito o prêmio que recebeu de Dilma e pelo qual ele batalhou muito nos últimos dias. Daqui por diante, viverá dias de tormenta, inclusive pelos problemas que ele próprio criou quando presidiu o BC. Terá no encalço dele o Ministério Público e a Polícia Federal.
Inadimplência à vista
São grandes as chances de a Petrobras decretar calote em dívidas no exterior. Se não conseguir publicar o balanço auditado do terceiro trimestre no prazo previsto em lei, abrirá as portas para que os credores internacionais cobrem, antecipadamente, US$ 54 bilhões que eles emprestaram à empresa quando ela ainda gozava de elevada reputação. No início do ano, a estatal detinha US$ 25 bilhões nos cofres. Mas, com todos os compromissos que tem pela frente, encerrará 2015 com apenas US$ 8 bilhões.
Mercado terá de “engolir” Bendine, afirma governo
Assessores da presidente Dilma Rousseff afirmam que ela não podia colocar um “estrangeiro” no comando da maior empresa do país. Analistas insistem que a nomeação foi um equívoco
Assessores da presidente Dilma Rousseff afirmaram, ontem, que os investidores terão de “engolir” Aldemir Bendine na presidência da Petrobras. Na avaliação deles, a chefe do Executivo não poderia “entregar” o comando da maior empresa do Brasil, que reponde, com todas suas operações, por 13% do Produto Interno Bruto (PIB) do país a um“estrangeiro” indicado pelo mercado financeiro. “Bendine é o nome certo no lugar certo”, frisa um dos mais próximos auxiliares de Dilma.
No entorno da presidente não faltam justificativas para a escolha de Bendine como sucessor de Graça Foster. “Trata-se de um técnico com capacidade para transitarem todos os segmentos com os quais a Petrobras se relaciona”, ressalta um ministro palaciano. “Ele sabe negociar com fornecedores, como sistema financeiro, com o PT, com os ministérios e com os sindicatos. Engana-se quem acredita que o ex-presidente do Banco do Brasil é despreparado”, acrescenta.
Entre as pessoas com a quais Bendine de relaciona, a visão é de que ele se cercará de gente competente que supra todas as deficiências que venha a apresentar no comando da estatal. “Não foi por acaso que Bendine levou Ivan Monteiro do BB para a Petrobras. A área financeira da companhia é estratégica. É enorme a necessidade de se recuperar o caixa da empresa”, assinala um técnico do Ministério da Fazenda, que já tratou de temas importantes com o ex-presidente e o ex-vice do Banco do Brasil.
Não há perspectiva de Bendine levar, pelo menos por enquanto, outros colaboradores do BB para a Petrobras. “A petroleira é um campo minado. Ele sabe disso. Precisará se cercar de funcionários capacitados da companhia para que não seja atropelado pelo corporativismo. Já ficou claro que nem entre os empregados da Petrobras o nome dele foi bem recebido”, diz o mesmo técnico da Fazenda.
R$ 88,6 bilhões
Na avaliação de Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, por mais que o governo diga o contrário, Bendine é fraco para fazer frente a todos os desafios que a estatal enfrentará. “Quando houve o anúncio da renúncia coletiva de diretores da Petrobras, criou-se um otimismo de que a nova diretoria chegaria para corrigir os problemas. Por isso, esperava-se alguém de fora do governo, com um histórico melhor, com uma biografia mais técnica para que a empresa recuperasse a confiança dos investidores”, afirma.“Infelizmente, a frustração foi geral.”
A grande expectativa do mercado é como Bendine lidará com os R$ 88,6 bilhões contabilizados como frutos da corrupção na estatal. Ao indicar esse valor em um anexo no balanço financeiro não auditado no terceiro trimestre de 2014, Graça Foster caiu em desgraça no Palácio do Planalto. Caso ele decida retirar esses cálculos dos demonstrativos, dará um sinal explícito de que realmente sua nomeação para a Petrobras teve um único objetivo: favorecer o governo. Nada mais.
Influência de Mantega
Técnicos do governo admitem que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega teve papel decisivo na escolha de Aldemir Bendine para o comando da Petrobras. A presidente Dilma Rousseff tem pouquíssimas pessoas no seu círculo de amizades, e Mantega continua nessa lista, mesmo estando longe da sede do poder.
O ex-ministro continua como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, e as conversas com Dilma sobre a estatal são inevitáveis neste momento crítico pelo qual a companhia atravessa. Mantega também é muito próximo de Bendine, a quem nomeou para a presidência do Banco do Brasil, em 2009, coma missão de reduzir as taxas de juros em meio à grave crise mundial.
Para o economista José Luís Oreiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o fato de Dilma não ter ouvido a atual equipe econômica para definir o sucesso de Graça Foster na presidência da Petrobras mostra que ela se aconselhou com Mantega. “Fizeram tudo errado. A Petrobras precisava de um gestor profissional, que passasse credibilidade”, lamenta.
Na avaliação do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, a escolha de Bendine foi correta. “A Petrobras precisa de alguém que entenda de finanças e resolva os problemas de caixa e dos balanços”, diz, minimizando os processos judiciais contra o presidente da estatal por bens não declarados ao Fisco e empréstimos suspeitos quando comandou o BB. “Ele está sub judice, mas não foi condenado”, afirma o ex-professor de Dilma.
Minoritários denunciam intimidações
Representantes de acionistas minoritários que integram o Conselho de Administração da Petrobras denunciam que estão sendo vítimas de retaliações por parte do governo, por discordarem da forma como a companhia vem sendo administrada. Em conversas reservadas, relatam todo tipo de ameaças. A situação é tão grave, frisam, que temem até falar ao telefone, pois acreditam que as ligações estão sendo gravadas. A intimidação tem como objetivo evitar vazamentos sobre o que é discutido nas reuniões que definem o destino da empresa.
Mauro Cunha, um dos representantes dos minoritários, é enfático ao resumir como se sente no Conselho de Administração da Petrobras: “Gostaria de dizer em público as verdades que pus em ata (das reuniões), mas correria o risco de sofrer retaliações, como já sofri no passado”. Segundo ele, toda a pressão do governo se fez presente na última sexta-feira, quando a presidente Dilma Rousseff impôs a nomeação de Aldemir Bendine para a presidência da estatal.
Bendine, por sinal, acompanhou a reunião do Conselho em uma sala ao lado. Ele só foi autorizado a entrar no recinto onde seu nome era avaliado depois que os sete representantes do governo, liderados por Guido Mantega, presidente do órgão, definiram que a ordem do Palácio do Planalto era para ser cumprida. Em todas as reuniões que presidiu, Mantega manteve linha direta com Dilma. Nada foi decidido sem que a presidente desse o aval.
Para os representantes dos minoritários, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula e fiscaliza o mercado de capitais, deveria ser mais dura em relação ao comportamento do Conselho de Administração da Petrobras. Para eles, está claro que, em nenhum momento, os conselheiros indicados pelo governo estão preocupados com os interesses da estatal, prejudicando investidores que destinaram fortunas em ações da empresa, acreditando estarem fazendo um excelente negócio.
Fonte: Correio Braziliense – 08/02/2015