26/05/2015
A concentração de recursos nas mãos de um pequeno grupo de poupadores pode gerar fortes oscilações na captação líquida da caderneta. Esse pode ser o principal fator por trás da saída líquida de recursos da aplicação nos quatro primeiros meses do ano. E a tendência deve se manter neste mês. Segundo dados do Banco Central, até o dia 11 de maio, o saldo resultante entre depósitos e saques está negativo em R$ 494,4 milhões. Conforme o levantamento semestral do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) relativo a produtos com saldo protegido pela entidade, se forem considerados apenas os maiores poupadores, com recursos a partir de R$ 100 mil, esse recorte mostra que 0,75% dos clientes detém mais de um terço dos recursos ou 35,5% dos depósitos da caderneta.
Isso significa que a diminuição de um ponto percentual nos depósitos dentro desse grupo representa um decréscimo de R$ 2,33 bilhões. Na faixa mais abrangente de grandes poupadores, com recursos a partir de R$ 10 mil, a variação negativa de um ponto percentual indica a perda de R$ 5,6 bilhões. Esse extrato reúne 9% dos clientes e concentra 85% dos recursos, segundo o FGC. Essa concentração é histórica. Pelo menos desde 2006, segundo os dados mais antigos disponíveis do FGC, ocorre essa disparidade. Porém, a fatia do bolo dos poupadores com recursos a partir de R$ 10 mil tem aumentado ao longo da década e há nove anos era 15 pontos percentuais menor do que no ano passado. De 2006 para cá, essa desigualdade cresceu a ponto de, no fim do ano passado, um grupo de 12 mil poupadores, ou mero 0,009% do total de clientes da caderneta, deter, em média, R$ 3,2 milhões em depósitos cada um.
Os R$ 38 bilhões dessa elite representam quase 6% do total de recursos aportados. Nove anos atrás, os aplicadores com mais de R$ 1 milhão em depósitos eram quase cinco vezes menos: esse conjunto reunia 2,48 mil poupadores e 3,6% dos valores. De acordo com o analista do BC, Clodoaldo Aparecido Annibal, a principal influência na captação líquida da poupança é a diferença, descontado o imposto de renda, das rentabilidades da taxa DI e da caderneta.
A conclusão faz parte de um estudo realizado pelo especialista, que analisou o comportamento de entrada e saída de recursos da aplicação ao longo de nove anos, entre 2003 e 2011. Segundo a pesquisa, o aumento de um ponto percentual de retorno líquido, ou seja, descontados os impostos, de aplicações vinculadas à taxa DI reduziu a captação líquida diária da poupança de pessoas físicas entre R$ 1,39 milhão e R$ 1,48 milhão no período analisado.
“A variação líquida da taxa DI tem forte impacto na captação de recursos direcionados para a poupança e a situação atual é favorável ao DI”, afirma Annibal. O professor de finanças do Insper, Michel Viriato, também vê a subida dos juros como principal fator para a saída de recursos da caderneta. “O principal motivo é a desvantagem da poupança. À medida que o juro começou a subir mais fortemente, a caderneta ficou desfavorável. Isso ficou muito evidente”, diz. Conforme o especialista, o investidor percebe que pode ganhar mais em outros produtos, como em certificados de depósito bancário (CDBs) e fundos DI, ou títulos isentos de IR, como letras de crédito imobiliário (LCI) e letras de crédito do agronegócio (LCA), e “acabam migrando seu investimento, saindo da poupança”.
De fato, uma avaliação do percentual de participação nos depósitos dos investidores com R$ 100 mil ou mais na poupança indica uma sensibilidade desse grupo em relação às decisões de política monetária do BC ao longo dos anos.
Em junho de 2010, segundo o FGC, a participação desses grandes poupadores atingiu uma fatia de 30% dos depósitos, ante 25,7% em dezembro de 2008. O crescimento seguiu o ciclo de afrouxamento dos juros que trouxe a Selic de 13,75% ao ano, no fim de 2008, para 8,75%, em março de 2010, patamar que se manteve até maio, quando o BC decidiu elevar a taxa básica em 0,75 ponto percentual.
No ciclo de aperto monetário que se seguiu, a participação do grupo dos depositantes a partir de R$ 100 mil em recursos chegou a cair para 29,5% em dezembro de 2010, como reflexo da subida do juro.
Depois, com a percepção do fim do período de alta da Selic, chegou a subir para 30,2% em junho de 2011, conforme o levantamento semestral do FGC. O dado seguinte, de dezembro de 2011, já indica o início da recente aceleração de entrada de recursos na poupança que seguiu o movimento de corte de juros, iniciado em agosto de 2011, que levou a Selic à mínima histórica de 7,25% ao ano, definida na reunião do Copom de outubro daquele ano.
Esse impulso levou a poupança a captar R$ 144,8 bilhões, entre 2012 e 2014, saldo maior do que a entrada líquida nos 15 anos anteriores, de 1997 a 2011, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Mesmo após o começo do novo ciclo de aperto a participação dos grandes poupadores continuou em alta, por conta do patamar ainda baixo de juro, que se manteve em um dígito até o fim de 2013, e pela mudança nas regras de remuneração da poupança em maio de 2012 que atrelou o rendimento da caderneta à Selic, a 70% da taxa básica, caso o patamar dos juros alcance 8,5% ao ano ou fique abaixo desse percentual.
De abril a setembro de 2014, a Selic permaneceu inalterada em 11%, mas a volta do ciclo de aperto, a partir do fim de outubro, estimulou a saída de recursos da caderneta. Segundo os dados do FGC, entre junho e dezembro do ano passado, a participação dos maiores clientes da caderneta recuou um ponto percentual. O diretor de empréstimos e financiamentos do Banco do Brasil, Edmar Casalatina, também cita a pressão da alta dos juros sobre a poupança. “Nos tíquetes maiores tem tido migração para outros investimentos”, afirma. Casalatina também vê parte dos recursos sendo direcionada para cobrir o orçamento doméstico, apertado pela inflação e endividamento. O executivo espera, contudo, uma reversão desse movimento no segundo semestre, um período em que se costuma poupar mais. Viriato, do Insper, também explica parte da saída de recursos da poupança como um movimento para tapar os rombos no orçamento. “As pessoas estão mais endividadas, a situação econômica [está] pior, e, por isso, as pessoas acabam poupando menos no curto prazo.” Na avaliação do professor, os fatores que têm afetado o fluxo da poupança não vão melhorar em um horizonte de um ano. “A situação só vai melhorar quando começar o ciclo de baixa dos juros. E a expectativa é de não começar pelo menos até o meio do ano que vem”, diz. Com isso, Viriato afirma que a tendência é de a caderneta continuar com fluxo negativo no período. “A situação econômica ainda não está no auge da piora e a taxa de juros ainda vai subir. Com isso, o resgate tende a aumentar.” Mas o que leva os investidores, grandes ou pequenos, a se manter fiéis a uma aplicação em nítida desvantagem em termos de retorno? Além da isenção de IR, da simplicidade para entender o retorno e da liquidez, o estudo de Annibal, do BC, considera haver “indícios de que parcela relevante dos depósitos de poupança pode estar sendo utilizada como conta corrente e que a maior movimentação dos depósitos de poupança se dá nas contas dos maiores depositantes”.
Muitas das contas correntes têm aplicações de poupança atreladas. Para o pesquisador, se há redução da renda disponível das famílias, “é esperado que um produto com características de conta corrente tenha redução de saldo para pessoas físicas”. O mesmo raciocínio valeria para pessoas jurídicas, que, com menor faturamento, teriam menos recursos disponíveis em conta corrente/poupança. Um dos indícios de uso da caderneta como conta corrente, conforme a pesquisa do analista do BC, é o alto grau de “turnover”, ou taxa de movimentação da poupança diante de outras aplicações.
Em termos de velocidade, a caderneta ganha de produtos como fundos DI, renda fixa, multimercados, ações e previdência. No caso das duas últimas aplicações, de longo prazo, o prazo de turnover da caderneta indica uma movimentação 13 a 14 vezes mais intensa.
Fonte: Valor Econômico – 21/05/2015