14/08/2014
Captação líquida da tradicional aplicação em sete meses caiu a menos da metade do registrado no mesmo período do ano passado. Inflação persistente, endividamento e juros altos afetam capacidade de guardar dinheiro pelas famílias.
A tradicional caderneta já não é mais aquela. Pelo menos, não é mais a mesma de 2013. Enquanto no ano passado a aplicação bateu recorde de captação, com saldo líquido de mais de R$ 71 bilhões, 2014 entrou no segundo semestre com um volume muito menor de entrada de recursos e caminha para um saldo líquido equivalente a menos da metade do período anterior.
Nos primeiros sete meses deste ano, acumulou R$ 13,6 bilhões de captação líquida, ou seja, uma queda de 64% em relação aos R$ 37,6 bilhões obtidos no mesmo período de 2013, segundo os dados do Banco Central (BC).
Conforme os números do relatório de poupança do BC, divulgado na semana passada, a captação da tradicional caderneta no mês de julho, de pouco mais de R$ 4 bilhões, embora tenha sido o melhor resultado de 2014, representa uma queda de 57% em comparação ao mesmo período de 2013, quando registrou um saldo líquido de R$ 9,3 bilhões.
Em todos os meses do ano, o saldo da poupança perde na comparação com o mesmo período do ano anterior (ver quadro nesta página). Segundo especialistas, a desaceleração na captação do popular porto seguro para aplicações conservadoras estaria relacionada a uma confluência de fatores, que vão de inflação persistente em patamar alto e crescimento do endividamento das famílias aos juros elevados, que tornam outros investimentos mais atrativos.E o cenário deve se manter pouco favorável, pelo menos, durante 2015.
“As perspectivas para o ano que vem não são boas. Agora temos mesmo é de rezar [para o ambiente melhorar] de 2016 para frente”, afirma o coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV), William Eid Júnior. O último boletim Focus, do BC, que reúne avaliações de analistas das principais instituições financeiras do mercado, indica um quadro macroeconômico em 2015 semelhante ao deste ano.
De acordo com a pesquisa do BC, a inflação medida pelo IPCA deve se manter em 6,25% ao fim do próximo período, praticamente a mesma de 2014, estimada pelos economistas no relatório em 6,26%.Já a taxa básica Selic pode subir um ponto percentual, para 12%, e a atividade continuaria fraca, com um PIB projetado de 1,20%, ante 0,81% neste ano.
Diante desse cenário, a capacidade de poupança do brasileiro diminui cada vez mais. Entre os vilões, a inflação resistente corrói a renda e reduz o valor disponível para guardar. De acordo com o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV), Marcel Grillo Balassiano, a alta dos preços de serviços se encontra em patamares bem mais elevados do que o índice geral e é quase o dobro do centro da meta estipulado pelo BC, em 4,5% ao ano.
Em julho, a inflação de serviços alcançou 8,47%, em 12 meses, ante um IPCA de 6,5%, na mesma medição. “A inflação de serviços, assim como a de alimentos, tem um peso muito grande no bolso dos consumidores”, diz Balassiano. Na avaliação de Eid, embora a atividade econômica mostre sinais de fraqueza, a alta de preços dá indícios que se manterá resistente. “Essa inflação acima de 5% parece que veio para ficar, mesmo com ‘pibinho’ neste ano”, afirma. Segundo o professor da FGV, independentemente de quem vença as eleições, no ano que vem o governo terá de tomar “medidas desagradáveis” principalmente em relação a ajustes de preços administrados, como combustíveis, energia e tarifas, “que afetam a inflação de modo direto”.O boletim Focus projeta taxa próxima de 5,5% até 2018.
Para o professor de finanças do Insper, Michel Viriato, os poupadores guardam o que sobra no mês. “Como não está sobrando começam a reduzir as aplicações.” Na análise do especialista, além da inflação, outra variável com impacto negativo na capacidade de poupança dos brasileiros é o aumento do endividamento. “Os consumidores contraíram muitas dívidas nos últimos dez anos. As pessoas em geral não sabem lidar muito bem com o crédito, pois o custo só se sente no futuro e o apelo do interesse imediato costuma prevalecer”, diz Viriato.
Os dados do BC mostram a escalada da tomada de crédito generalizada. De janeiro de 2005 a março de 2014, o endividamento total das famílias em relação à renda acumulada em 12 meses saltou de 18,39% para 45,73%, ou seja, mais que dobrou em nove anos. Se for tirada a parcela relativa ao crédito imobiliário, esse índice mostra uma evolução de 15,29% para 29,46%, no mesmo período. “O maior nível de comprometimento [do orçamento] pode ter contribuído para essa desaceleração da caderneta de poupança”, diz Balassiano.
O endividamento, de um modo indireto, acabou por incentivar o resultado da captação recorde da poupança em 2013, considera o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi. “No ano passado as famílias tiveram de realizar um forte aperto no orçamento para sair da inadimplência, que subiu muito entre 2011 e 2012.” De acordo com o especialista, a grande oferta de crédito nos últimos anos levou ao excesso de endividamento voltado para consumo. Devido ao problema, a partir do fim de 2012 e durante todo o ano passado, as pessoas precisaram fazer um esforço “para gerar caixa e com esse dinheiro sair do atraso no pagamento das dívidas”, o que gerou aumento no fluxo, ainda que temporário, de recurso para a caderneta.
A queda no saldo líquido em 2014 na comparação com 2013 e 2012 ocorre, segundo Rabi, “pela menor necessidade de esforço de poupança, com a redução da inadimplência, combinada a uma inflação mais alta, principalmente, no início do ano”.
Apesar do esforço no ano passado, o economista da Serasa, no entanto, vê a inadimplência ainda em patamares altos, que deve se manter em 2015. “O indicador de atrasos nos pagamentos ainda está em patamar elevado e deve se manter nos mesmos níveis no próximo ano”, diz. De acordo com Rabi, embora o crédito para consumo cresça mais lentamente e as instituições estejam mais conservadoras na concessão, a inadimplência pode se manter perto dos índices deste ano, por conta das projeções de aumento de desemprego.“Se houver uma piora é uma questão conjuntural que o consumidor não tem controle”, explica.
Em um cenário de endividamento elevado, outro fator que contribui para a menor captação da poupança é o atual patamar de juros elevados. “As taxas mais altas afetam os custos das dívidas”, diz o economista da Serasa, que, no entanto, considera o impacto da Selic, atualmente em 11%, já precificado nos spreads dos empréstimos.
Os juros altos também trabalham contra o fluxo para a poupança em outra frente. Com a Selic mantida em 11%, outras aplicações ganham mais atratividade. No acumulado do ano até julho, a caderneta rendeu 4,02%, o que representa um ganho real, descontado o IPCA, de mero 0,26% até o momento. O Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), referencial para aplicações conservadoras, variou 5,96% em sete meses de 2014. O retorno líquido de inflação do CDI no mesmo período alcançou 2,2%.
Segundo cálculos de Viriato, do Insper, o rendimento de 0,61% em julho projeta um ganho nominal de 7,57% em 12 meses para a poupança. O retorno indica um ganho real de pouco mais de um 1% para a aplicação, se for considerada a projeção do boletim Focus para o IPCA neste ano. Na comparação com outros investimentos conservadores, a caderneta perderia até mesmo para um fundo DI com taxa de administração abaixo ou igual a 1%, em qualquer período de aplicação.
Com 1%, o fundo DI devolveria um ganho de 7,60% líquidos de tributos e taxa de administração, caso o investidor resgatasse as cotas em menos de seis meses e pagasse um imposto de renda (IR) com alíquota máxima de 22,5%.Para aplicações acima de dois anos, com IR mínimo de 15%, fundos DIs com taxas de administração abaixo ou igual a 1,8% já bateriam a poupança, conforme os cálculos do professor do Insper. Ainda segundo a simulação, o retorno líquido, descontado IR de 22,5%, de um Certificado de Depósito Bancário (CDB) com taxa equivalente a 90% do CDI já igualaria o ganho da poupança.
As vantagens para outras aplicações não param nos fundos DI e CDBs. “Há muitas outras aplicações mais atraentes que a poupança”, afirma Eid, da FGV. O especialista cita produtos isentos de IR, como Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), além de Letras Financeiras. “Uma LCI ou LCA que paga cerca de 90% do CDI já rende mais de 9% ao ano, sem tributação”, calcula. Segundo a simulação de Viriato, com a vantagem tributária, uma LCI igualaria o retorno nominal projetado em 12 meses da caderneta a partir de uma remuneração equivalente a 70% do CDI.
Fonte: Valor Econômico – 12/08/2014