16/03/2015
Nada assusta mais um investidor do que a sensação de estar perdendo dinheiro. E para quem aplica na tradicional poupança, infelizmente, no momento essa é a dura realidade. Há três meses consecutivos o rendimento da caderneta perde da inflação mensal medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial do Brasil. No acumulado de dezembro a fevereiro, a perda real alcança mais de um ponto percentual e meio, ou seja, praticamente o rendimento de três meses. Na prática seria como se o valor líquido do recurso aplicado na caderneta voltasse um trimestre no tempo.
A grande conjunção de turbulências no horizonte, como atividade fraca, com perspectiva de recessão, desemprego em alta, famílias endividadas, inflação pressionada e juros em elevação, já abalou e promete continuar a alimentar dúvidas sobre o efeito de salvaguarda financeira do mais tradicional porto seguro para aplicadores no país.
“Quem deixou o dinheiro aplicado na poupança nos últimos meses teve um rendimento negativo [abaixo da inflação], ou seja o patrimônio está diminuindo de tamanho”, afirma o professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), Ricardo Rochman.
Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo IPCA, o poupador não terá notícias boas em março. O mês deverá manter o padrão do início do ano, com as fortes altas aguardadas nos preços administrados. O acréscimo esperado para a conta de luz neste mês, por exemplo, poderá alcançar 60%, no caso da região metropolitana do Rio de Janeiro, enquanto o transporte público pode ter reajustes de dois dígitos em algumas capitais, situação de Goiânia, onde a projeção do IBGE indica elevação de 17,85%.
No boletim Focus mais recente, no qual o Banco Central (BC) consulta analistas de diversas instituições financeiras para conhecer as estimativas do mercado em relação a índices como o IPCA, a Selic e a taxa de câmbio, a mediana das estimativas para a inflação em março aponta 1,14%. Isso significaria mais uma perda acima de meio ponto percentual da poupança, que terá retorno de 0,63% para aplicações com aniversário em 1º de abril.
Para o fim do ano, os economistas consultados pelo BC esperam um IPCA no patamar de 7,77%. Com isso a poupança, que deve render em torno de 7% no período, com retorno fixo de 0,5% ao mês mais a variação da Taxa Referencial de Juros (TR), tem perspectiva quase certa de não conseguir nem ao menos recompor a inflação.
Levando em conta o IPCA em 12 meses o quadro fica ainda mais sombrio: no período acumulado até fevereiro, o indicador de variação de preços registrou alta de 7,77%, enquanto em 12 meses até janeiro, o índice já havia registrado subida de 7,14%. Para se ter uma ideia da desvantagem da aplicação, a poupança fechou 2014 com um retorno de 7,08% em 2015 deve obter praticamente o mesmo resultado e, com isso, ganhou por pouco do índice de inflação no ano passado, que registrou subida de 6,41%.
O cenário para a caderneta só voltaria a melhorar a partir de 2016, período em que a estimativa do mercado,segundo o boletim Focus, aponta para um IPCA de 5,50%. Enquanto isso, a aplicação coleciona recordes negativos neste ano. Em janeiro, a poupança enfrentou a maior retirada em 20 anos, com uma saída líquida de R$ 5,528 bilhões. No mês seguinte, nova marca: os saques superaram as entradas em R$ 6,263 bilhões. Com essas saídas líquidas, o estoque da aplicação que em dezembro de 2014 estava em R$ 662,727 bilhões caiu duas vezes em 2015, primeiro para R$ 660,776 bilhões em janeiro e depois até R$ 658,190 bilhões em fevereiro.
Na análise de especialistas, a fuga da poupança por enquanto se relaciona mais ao orçamento apertado das famílias, com crescimento menor no valor dos salários e inflação alta que corrói a renda.
“A inflação causa queda do poder de consumo das famílias e, com isso, elas começam a ter que resgatar justamente aquelas economias que tinham conseguido fazer. Nas famílias de menor renda a poupança é o tipo de investimento mais comum”, explica Rochman.
Mas, se dependesse apenas dos números, os recursos direcionados à poupança deveriam, desde o fim do ano passado, ter se direcionado para outras aplicações muito mais rentáveis. Isso porque, além do impacto da inflação, o enfraquecimento do ganho da caderneta se reforça com o efeito de outro fator: o movimento de subida dos juros.
A taxa Selic, referência de juro da economia, está hoje em 12,75% após a elevação mais recente feita no início de março pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Isso significa que o custo de oportunidade, ou seja, o retorno de aplicações com risco equivalente ao da poupança, está em um patamar de quase duas vezes o da caderneta. E essa diferença deve se distanciar ainda mais ao longo do ano.
Segundo o boletim Focus, a mediana de projeções do mercado indica mais elevações pela frente até a taxa básica atingir 13%, patamar que deve se encontrar no fim deste ano. Mas entre as instituições top 5, aquelas com maior índice de acerto, há quem veja a Selic a 13,50% ao término de 2015. “O ciclo de elevação de juros ainda deve se estender por, pelo menos, mais três aumentos consecutivos“, avalia o professor de finanças do Insper, Michael Viriato. “A poupança vai ficar cada vez mais para trás e isso vai incentivar o investidor a migrar os recursos para aplicações atreladas ao CDI [referencial de retorno livre de risco]. Pelo menos é o que todo poupador deveria fazer“, pondera o especialista.
A maior parte das aplicações conservadoras do mercado, como fundos DI e de renda fixa, Certificados de Depósitos Bancários (CDB), títulos públicos, Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), tem feito a poupança comer poeira em termos de rendimento desde, pelo menos, o ano passado. “Tem de esquecer a poupança como investimento”, afirma Rochman, da FGV.
Os fundos referenciados DI, atrelados à variação da taxa diária média de negociações dos Certificados de Depósito Interfinanceiro (DI), que por sua vez acompanha a Selic, mesmo com incidência de imposto de renda sobre o ganho de capital e de taxa de administração, batem a poupança para qualquer período de investimento se a taxa de administração for menor ou igual a 2,5% ao ano, segundo cálculos da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Basta um passeio pelas principais plataformas online de comercialização de fundos para encontrar uma miríade de carteiras referenciadas DI, de renda fixa e renda fixa crédito privado, com taxas de administração abaixo do patamar calculado pela Anefac. Mas há ainda um número considerável de portfólios muito baratos e acessíveis a quem dispõe de uma aplicação inicial abaixo de R$ 5 mil.
O fundo com menor taxa de administração encontrado pelo levantamento do Valor, o Votoratim Plus DI (disponível na plataforma da Guide) cobra 0,20% ao ano e tem investimento inicial de R$ 1 mil. A carteira com menor valor para a aplicação de entrada, a Mapfre CGD Securities Referenciado DI (na plataforma da XP) pede R$ 500 para começar e desconta apenas 0,30% de taxa de administração.
Para além do universo dos fundos DI, há carteiras de renda fixa que apostam em títulos de crédito privado e podem obter retornos acima da taxa DI. É o caso do BTG Pactual Crédito Corporativo disponível na Guide, com taxa de administração de 0,50% e aplicação de entrada de R$ 5 mil, que apresenta ganho de 12,12% em 12 meses até fevereiro. Ou o do Rio Bravo Crédito Privado Renda Fixa (vendido na plataforma da XP), com taxa de 0,45% e inicial de R$ 5 mil, que acumula rentabilidade de 11,51% no período.
Existem também carteiras de renda fixa de custos acessíveis com estratégia diversas, como foco em títulos de inflação, que apresentam retornos ainda melhores. Ainda na plataforma da XP, a carteira BNP Paribas Inflação FI RF, por exemplo, aceita aplicações a partir de R$ 5 mil, cobra 0,50% de administração e ofereceu retorno de 14,67% em 12 meses até fevereiro.Já o SulAmérica Inflatie FI Renda Fixa Longo Prazo tem taxa de 0,40% ao ano e exige mínimo de R$ 5 mil, mas obteve uma rentabilidade nominal de 14,31% em 12 meses.
O mercado dispõe ainda de diversas opções além dos fundos DI e de renda fixa. A maior parte dos CDBs oferecidos, por exemplo, já supera a caderneta. “Hoje a poupança está tão ruim que uma taxa de 65% do CDI para o CDB já empata com o retorno dela e isso em termos de rendimento líquido após desconto de IR de 22,5%, que é a maior alíquota da tabela da renda fixa [cobrada em investimentos resgatados antes de seis meses; a alíquota cai progressivamente até 15%, quando o prazo superar 24 meses]”, calcula Rochman, da FGV. No entanto, pondera o especialista, é preciso ficar atento à taxa que remunere acima da inflação. “No caso do CDB para bater a inflação teria de conseguir uma taxa de 80% do CDI.”
“Só quem tem um volume muito pequeno de recursos e não tem acesso a taxas de administração baixas [de fundos] é que teria sentido ficar na poupança no momento”, afirma o administrador de investimentos Fabio Colombo. Segundo o especialista, os perfis típicos dos poupadores são de indivíduos com baixos volumes para aplicar, que mantêm reservas de emergências, de quem precisa movimentar o dinheiro no curto prazo ou daqueles simplesmente acomodados na simplicidade e percepção de segurança da caderneta.
Mesmo para o caso das reservas emergenciais, aplicações como os CDBs com remuneração acima de 80% do CDI e os fundos DIs baratos que têm liquidez diária cumpririam esse papel com vantagem, considera Valter Police Jr, planejador financeiro com certificação CFP.
O pequeno investidor, com recursos limitados, pode ainda optar pelo Tesouro Direto, sistema online de negociação de títulos públicos, que permite aportes a partir de R$ 30. Entretanto, “títulos públicos fazem sentido para o longo prazo”, afirma Police Jr. Mesmo que a liquidez passe a ser diária a partir de abril, conforme as mudanças anunciadas ontem. “Para o pequeno aplicador, vale mais aproveitar o juro real que em alguns casos supera os 6% ao ano e levar os papéis até o vencimento”, diz. Sair dos títulos, principalmente os mais longos, antes do prazo expõe o aplicador à volatilidade da marcação a mercado, com possibilidade de se perder dinheiro.
Aqueles que mantêm recursos na poupança sem mexer há vários meses e não têm perspectiva de usar esse dinheiro deveriam, segundo os especialistas, diversificar a alocação. “Para o médio prazo produtos que têm boa remuneração e são isentos de IR são as LCIs e as LCAs”, aponta Police Jr. O problema, explica o planejador, é que essas letras têm baixa liquidez. “A rentabilidade líquida desses papéis têm sido acima do CDI e, por isso, se tornaram muito populares, mas tem de esperar o vencimento para resgatar o dinheiro.”
Fonte: Valor Econômico – 11/03/2015