26/03/2017
Fonte: Nexo Jornal – 26/3/2017
Cerca de 600 pessoas protestaram em frente ao Congresso, em Brasília. O protestos organizados neste domingo (26) por entidades que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foram esvaziados, comparados a atos anteriores promovidos pelos mesmos grupos.
Em Brasília, participaram 630 pessoas, contra uma expectativa de 100 mil. No Rio, apenas 300 foram para a rua. Em Curitiba, 4.000, segundo a Polícia Militar.
Na avenida Paulista, em São Paulo, onde esses movimentos já conseguiram reunir 500 mil (segundo o Datafolha) ou 1,4 milhão (segundo a PM) de pessoas para pedir o impeachment de Dilma, apenas 15 mil pessoas compareceram, isso segundo os cálculos dos próprios organizadores — a polícia, desta vez, não divulgou sua estimativa.
A pauta dos atos de domingo era difusa e incluía diversos itens: apoio à Operação Lava Jato, fim do foro privilegiado e críticas à tentativa de anistia ao caixa dois e ao projeto de reforma política que prevê a criação de uma lista fechada para a escolha de parlamentares.
Os organizadores enfrentaram contradições, como pedir o fim da corrupção e ao mesmo tempo poupar o presidente Michel Temer, cujo governo iniciado em maio de 2016, após o impeachment de Dilma, também está repleto de suspeitos de desvios. Além disso, algumas pautas nem chegaram a ser consensuais, como a defesa de regras mais flexíveis para quem quer ter armas de fogo no Brasil feita pelo MBL (Movimento Brasil Livre).
O Nexo ouviu a opinião de Pablo Ortellado, filósofo e professor de Gestão de Políticas Públicas da USP, e Fernando Schuler, cientista político e professor do Insper.
Por que os protestos deste domingo foram esvaziados, na comparação com os anteriores?
Pablo Ortellado A dinâmica de mobilização é simplesmente inconstante e independe do empenho de quem convoca. No decorrer de 2015, por exemplo, as manifestações anticorrupção seguiam uma trajetória de redução do poder de mobilização que depois foi revertida em 2016. Estamos vendo outra tendência de desmobilização nas manifestações deste campo desde o governo Temer, o que não significa que ela não poderá ser revertida. Parte disso se deve à posição ambivalente dos grupos organizadores.
Fernando Schuler Os protestos anteriores tinham como foco o impeachment da presidente Dilma. Um tema perfeitamente claro e mobilizador. Os protestos deste domingo tinham um foco difuso. Mistura-se o tema do desarmamento com o fim do foro privilegiado; espera-se que as pessoas saibam exatamente o que significa o voto em lista fechada. As pessoas estão de fato preocupadas com isto? Ou imaginam como resolver o impasse do financiamento das campanhas eleitorais? E mais: espalhou-se na internet a ideia de que a Lava Jato corre perigo. A tese é sedutora, mas não necessariamente verdadeira. As pessoas abrem os jornais, todos os dias, e enxergam a que a operação está funcionando normalmente. É um tipo de pós-verdade. Ela funciona na crispação das redes sociais. Mas há uma diferença entre o que se passa no mundo calórico da internet e a vida real. Fora isto, há o cansaço. Movimentos de rua são, por definição, efêmeros. A mobilização ocorre em momentos de grande polarização. O cidadão comum não tem a disciplina do militante sindical ou partidário, que vai na passeata porque é convocado pela sua liderança.
O fato de os movimentos que lideram os atos serem simpáticos às reformas da Previdência e trabalhista influenciou no número de pessoas a rua?
Pablo Ortellado Acho que o apoio aberto às reformas do presidente Temer tem enfraquecido a posição de alguns grupos como o MBL, que nesta e na manifestação anterior consolidou sua posição como força marginal nos protestos em relação ao Vem Pra Rua, que ganhou muito mais centralidade.
Fernando Schuler Penso que não. Arrisco, inclusive, a dizer o contrário. É possível que uma mobilização a favor das reformas, com um foco claro, reunisse mais gente do que se viu neste domingo. Não muita gente, mas estaríamos lidando com uma pauta da vida real. Um tema que o País efetivamente está enfrentando e sobre o qual precisa fazer uma escolha. Achei curioso que os movimentos de rua, sabidamente simpáticos à reforma da Previdência, tenham excluído este tema da convocação da mobilização. Foi um erro. A sociedade teria mais respeito e consideração se as posições a favor das reformas fossem claramente colocadas.
O ato ocorre no momento em que as delações de ex-diretores da Odebrecht, além de reforçarem as acusações contra o PT, ampliam as suspeitas contra as cúpulas do PMDB e PSDB, dois partidos que sustentam o governo. Como isso influiu no resultado deste domingo?
Pablo Ortellado Acredito que essa tendência recente de desmobilização se explica, em parte, pela posição ambivalente dos grupos organizadores que dizem expressar a insatisfação popular com as manobras dos políticos para barrar a Lava Jato, mas que em grande medida apoiam o governo do PMDB porque ele está implementando reformas liberais.
Fernando Schuler Não vejo desta maneira. Políticos do PSDB e PMDB já eram rejeitados nas grandes manifestações de 2016. Ocorre que boa parte do radicalismo nas redes sociais simplesmente reproduz o discurso do senso comum, segundo o qual “todos são iguais”. Uma espécie de moralismo genérico, em que uma “citação” ou “suspeita” é tomada como equivalente a uma denúncia baseada em fatos objetivos. A questão é: se todos são iguais, se o sistema político está todo comprometido, qual é mesmo a solução? Pelo que exatamente vale a mobilização? A sociedade, felizmente, tem um senso de moderação que por vezes falta ao ativismo digital. A democracia supõe ganhos gradativos. Observe-se a evolução da situação econômica do País nos últimos meses. Goste-se ou não, o Brasil vem recuperando muito do que havia perdido nos últimos anos. E mais: tem uma pauta objetiva de reformas pela frente, que foi solenemente omitida pelos movimentos de rua.
Um protesto contra corrupção esvaziado é bom para o governo neste momento?
Pablo Ortellado Os protestos esvaziados são um ótimo sinal para o governo Temer, que respira aliviado, escapando do temor de ver essas mobilizações se converterem em protestos com o lema “Fora Temer”.
Fernando Schuler É indiferente. O protesto não era contra ou a favor do governo. Também não considero correta a suposição de que um protesto genérico contra a corrupção teria como alvo, neste ou em qualquer momento, o atual governo. A fragilidade da manifestação parece apenas mostrar que estamos em uma fase de transição. De esgotamento dos movimentos de rua, de recuperação lenta da economia, de funcionamento normal das instituições. Estranho seria imaginar o contrário: um estado de permanente mobilização de massas em torno de uma pauta difusa e sem nenhum apelo popular. Arrisco dizer que os movimentos de rua fariam melhor se focassem sua atuação em pautas positivas. Se cultivassem a moderação e o reconhecimento de que, neste momento é preciso fazer reformas. E reformas que são, por sua própria natureza, impopulares. Eles teriam uma enorme contribuição a dar, se enfrentassem estas questões.