25/05/2022
Evento no Insper discutiu os desafios e as conquistas do empreendedorismo feminino
Bárbara Nór
Empreender também é um verbo feminino. Isso é o que ficou claro no primeiro encontro do Women in Tech, iniciativa liderada pelo Hub de Inovação do Insper para trazer mais mulheres ao mercado de tecnologia e na liderança. Com o nome de “Negócios: Um Assunto de Mulheres”, o encontro teve o apoio do Centro de Empreendedorismo do Insper (Cemp) e aconteceu no dia 19 de maio, no Insper.
A mediação ficou a cargo de Ana Calçado, advisory do Hub de Inovação do Insper e CEO da Wylinka, ONG voltada para tecnologia, inovação e empreendedorismo de impacto. Além disso, o evento contou com a participação de Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora e que acaba de lançar o livro Negócios: Um assunto de mulheres: a força transformadora do empreendedorismo feminino (Editora Jandaíra), que deu o nome do encontro. Também estiveram presentes três empreendedoras ligadas ao Insper: Andresa Bicudo, da Backstage, startup de estratégia digital; Bárbara Diniz, da Dress & Go, plataforma de aluguel de roupas; e Patricia Palomo, da Sonata, gestora de patrimônios.
“Queremos inspirar, trazer conscientização e histórias que podem ajudar a gente a entender os desafios e o potencial tanto das mulheres quanto da sociedade”, disse Ana Calçado na abertura do bate-papo. “Empreendedorismo é tão importante — ele gera não só empresas, mas também possibilidades, mas é historicamente visto como uma função de homem”, observou.
Se empreender é para todos, isso não significa que a experiência seja a mesma. “As mulheres têm alguns desafios diferentes”, comentou Ana Fontes. “Elas têm, por exemplo, mais dificuldade de acesso a capital e têm o crédito mais recusado mesmo sendo melhor pagadoras.” Além disso, muitas acabam entrando no empreendedorismo como forma de ajudar a família e aumentar a renda, não necessariamente porque se veem naquele papel desde cedo.
Ana Fontes contou também um pouco de sua trajetória, que incluiu uma plataforma de recomendações online e o primeiro coworking do Brasil, até a criação da Rede Mulher Empreendedora, que cresceu a ponto de se tornar sua ocupação principal. Foi a sua trajetória que inspirou, inclusive, a escrita de seu livro. “Ele não é só sobre mim; é sobre essas mulheres e cada capítulo reflete um desafio que elas têm, as possíveis soluções e também a jornada de algumas empreendedoras”, afirmou
Outro desafio das mulheres que empreendem é o fato de algumas áreas ainda serem vistas como masculinas — algo que impacta, inclusive, na dificuldade de acesso ao crédito citada por Ana Fontes. “Quem toma a decisão de alocação de recurso em geral é homem”, destacou Patricia Palomo, que contou sobre sua experiência no mercado financeiro e na área de investimentos. “Sempre foi um mercado muito fechado, faltam referências de mulheres”, disse ela, que é sócia da Sonata, primeira gestora de patrimônio 100% liderada por mulheres.
Patrícia também comentou sobre sua trajetória sempre próxima ao Insper — onde ela fez a primeira graduação em Economia e um MBA. Hoje, ela é membro do Conselho de Alumni do Insper e lidera o Comitê Alumni de Desenvolvimento Profissional e Empregabilidade. Patricia falou sobre a importância de ter essas redes de apoio para fomentar o desenvolvimento e o empreendimento das mulheres. “Minha pergunta é: como a gente atrai as mulheres para essas áreas consideradas mais masculinas?”, questionou. “Desde cedo, mesmo as meninas superqualificadas e habilidosas que poderiam seguir para a Engenharia acabam não escolhendo isso porque se destacam também em áreas consideradas mais femininas e acabam indo para elas.”
Para trazer mais mulheres para o empreendedorismo, a representatividade importa — e muito. Bárbara Diniz, também ex-aluna do Insper, contou como desde cedo ela tinha essa ambição, algo que destoava do que era esperado para meninas. “Muitas vezes, as mulheres pensam mais em casar e ter filho, isso é mais importante que qualquer coisa”, disse. “Mas tenho uma mãe engenheira, algo que já era diferente, e tinha muito essa vontade de dar certo, crescer e ganhar algum dinheiro.”
Depois de uma carreira bem-sucedida no mercado financeiro, ela decidiu se unir a uma amiga e empreender. “Eu vi que não estava realmente feliz. Não tinha uma conexão e foi o primeiro momento da vida que parei para pensar em algo que me trouxesse prazer de estar construindo algo maior”, disse. Foi assim que surgiu a Dress & Go, startup focada em consumo consciente, hoje a maior plataforma no Brasil de aluguel de roupas. “A gente está muito feliz de trazer essa consciência. Uma roupa usada tem um quinto do impacto que uma nova, e depois da pandemia isso escalou muito rápido.”
Já Andresa, ainda no começo da sua carreira como empreendedora, também já vem sentindo isso. No sexto semestre de Engenharia de Computação no Insper, ela conta como as mulheres ainda são minoria no curso. “Esse é um mundo muito masculino e as pessoas enxergam isso de maneira masculina ainda”, afirmou. “Sempre tive vontade de fazer Engenharia e ouvia as pessoas questionando isso, me falando para ir fazer Medicina.”
“O Insper nesse sentido me acolheu super bem”, afirmou Andresa. “Mas ainda existem as condições mais veladas que acontecem, a broderagem dos homens. Isso vem desde a engenharia até o empreendedorismo.” Mas ela sempre insistiu em assumir seu espaço. Seu empreendimento, a Backstage, surgiu por uma demanda do Marketing do Insper e envolve produção de conteúdo e estratégias digitais baseadas em análise de dados. “Cada semana é uma loucura diferente, mas tem sido muito legal e fico muito feliz de ver homens e mulheres nessa conversa. Acho que os homens podem ativamente ajudar a gente a entrar nesse ambiente.”
Em outro momento do debate, Ana Calçado comentou a importância do desenvolvimento de soft skills para aumentar a presença feminina em posições estratégicas no mercado. “A mulher ocupar espaço tem a ver com autoconfiança, com ela conseguir assumir liderança e fazer negociação”, disse.
“Não é que as meninas nasçam sem autoconfiança”, observou Ana Fontes. “É que ela vai sendo minada durante toda a nossa existência, e é preciso ajudar a desconstruir todo esses vieses que foram construídos em volta das mulheres.” Para isso, não há como usar um “raio empoderador”, ela brincou, mas sim ajudar as mulheres a desenvolverem competências socioemocionais.
Um exemplo do impacto desses vieses sobre a percepção das mulheres de si mesmas é o fato de que, segundo dados da Rede da Mulher Empreendedora, cerca de 80% das empreendedoras delegam a gestão financeira para um homem. “Essa é a força desse julgamento social que é imposto o tempo todo”, disse Ana Fontes. Por isso, além de trazer mais representatividade e questionar esses preconceitos, é preciso trabalhar habilidades que deem às mulheres a segurança de ocuparem seu espaço de forma mais assertiva e desafiando os vieses inconscientes que acabam limitando a atuação delas na carreira.