13/01/2015
O baixo crescimento econômico e a inflação alta dos últimos quatro anos paralisam a ascensão social no Brasil, percebida durante uma década. Para especialistas, com 40 milhões de pobres, o país precisa rever estratégia para reduzir graves diferenças de renda
“País rico é país sem pobreza.” O slogan do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff não colou. Seja pela constatação óbvia do lema, de que prosperidade não combina com miséria, seja pelos efeitos nefastos para o bem-estar social da inflação alta e do baixo crescimento econômico nos últimos quatro anos. Entre 2012 e 2013, por exemplo, o número de indigentes no Brasil voltou a subir, o que não ocorria havia 14 anos. No período, eles passaram de 10,9 milhões para 11,1 milhões. Ao mesmo tempo, a parcela da população que depende diretamente da ajuda do Estado para subsistir avançou de 5,8% para 6%, conforme levantamento do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).
Outro estudo sublinha que a desigualdade social brasileira, que vinha recuando nos últimos anos, parou de cair durante o primeiro governo Dilma. O documento elaborado por economistas do Banco Mundial (Bird), da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Insper ressalta que o chamado índice de Gini ficou estagnado entre 2011 e 2013. Para analistas, os números evidenciam que a simples ampliação das transferências de renda é agora insuficiente para reduzir o imenso fosso social do país.
Mais: por mais que o marketing eleitoral tenha sido eficiente em colar no imaginário popular a ideia de que a pobreza foi superada no país, a realidade mostra faceta bem menos exuberante das conquistas sociais dos últimos anos. O Brasil assistiu por uma década à queda contínua da disparidade social. Mas, a partir de 2011, a distribuição de renda perdeu ritmo, em virtude de políticas econômicas que resultaram em crescimento pífio do Produto Interno Bruto (PIB) e numa carestia descontrolada.
Um dos idealizadores do Bolsa Família, o economista Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, é enfático: faz quatro anos que o mercado de trabalho não evolui. O crescimento econômico, que vinha sustentando ganhos sociais até então, desacelerou a ponto de afetar o setor de serviços, o mais intensivo em mão de obra. O resultado foi a piora na geração de empregos e queda da desigualdade, a começar de 2011. “A partir do momento em que o PIB parou de crescer, a desigualdade parou de cair”, disse.
Para os próximos anos, a tendência é de piora no quadro social, também em razão da economia. “Podemos esperar o congelamento das distâncias sociais, e a única maneira de derreter isso é o PIB voltar a crescer”, defendeu o professor da Columbia University, em Nova York , Marcos Troyjo. Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), organismo inculado à Organização das Nações Unidas (ONU), mostram que um a cada cinco brasileiros, cerca de 40 milhões de pessoas, ainda é considerado pobre, dispondo de menos de R$ 8,4 por dia.
Estagnação
A fraqueza econômica limitou os ganhos salariais. “Tivemos uma década de crescimento inclusivo, em que a renda cresceu mais entre os pobres do que entre os ricos. Esse avanço cessou”, disparou o pós-doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley), nos Estados Unidos, Sergio Pinheiro Firpo, professor da Escola de Economia da FGV. Entre 2011 e 2013, diz ele, o crescimento do poder de compra dos mais pobres não foi capaz de reduzir a desigualdade. A desaceleração nas contratações com carteira assinada explica parte do problema. “Nos últimos três anos, o emprego formal deu uma parada”, assinala Firpo.
Outro motivo de preocupação, também ligado ao baixo crescimento econômico, diz respeito à correção do salário mínimo. Entre 2002 e 2012, a concentração de renda no país encolheu 9,4% só por conta do impacto do reajuste do piso nos benefícios da Previdência, segundo cálculos da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência. Os resultados foram potencializados a partir de 2007, quando o governo fixou regra para corrigir o benefício atrelada à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e à expansão do PIB de dois anos antes.
Agora, diante dos baixos resultados da economia, a tendência é de reajustes declinantes. Mantida a regra atual, em 2016, o ganho real para trabalhadores será de só R$ 1,11, conforme cálculo elaborado pelo Correio, com base em projeções do mercado financeiro. O esgotamento da política obriga o governo a repensar sua agenda social, ressalta a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.“O salário mínimo perdeu a capacidade de reduzir a desigualdade. Daqui para frente, só vai corrigir a inflação”, acrescentou.
Planalto procurou esconder realidade
Os números que mostram a estagnação da desigualdade e o aumento da pobreza no país não representaram surpresa para o governo.
Desde setembro, em pleno período eleitoral, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já havia disponibilizado para o Palácio do Planalto documento que mostrava que o fosso social entre ricos e pobres não se alterou, nos últimos anos.
Os estudos foram feitos com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Mas a constatação dessa estagnação na desigualdade ficou restrita a poucos funcionários do Ipea, o que causou a revolta de técnicos.
Dois deles colocaram o cargo à disposição após terem sido avisados da decisão do Planalto de barrar a divulgação do indicador. Como ambos são servidores de carreira do órgão, os técnicos devem apenas perder os cargos de chefia, caso os pedidos de desligamento sejam aceitos.
“Mais uma vez, o governo decidiu atacar o mensageiro em vez da mensagem”, disparou o economista Roberto Ellery, também ele egresso do Ipea, e atualmente professor da Universidade de Brasília (UnB). O economista é enfático: diante do crescimento mais baixo do Produto Interno Bruto (PIB), as empresas reduziramo ritmo de contratações, o que resultou em reajustes salariais menos intensos aos trabalhadores.
Em 2014, a massa salarial avançou em torno de 1,5%, segundo cálculos da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Um ano antes de a presidente Dilma assumir o país, em 2010, essa taxa cresceu 7,4%. Além disso, a escalada da carestia encurtou o orçamento doméstico, já estrangulado por gastos com juros bancários e pela compra de alimentos e serviços, que subiram em média 10% nos últimos anos.
O resultado foi uma piora na distribuição de renda, acentuando as diferenças entre ricos e pobres. “Por mais que uma ala governista insista no discurso de que o povo não come PIB, a experiência internacional mostra o contrário. Os países mais ricos, em geral, são menos desiguais do que os mais pobres. É só olhar o caso da Europa”, reforçou Ellery. (DB)
Fonte: Correio Braziliense – 10/01/2015