10/12/2015
Um complexo jogo nos bastidores da politica, no fim de semana, antecipou a batalha que será travada na comissão especial responsável por avaliar o impedimento da presidente Dilma. Os trabalhos têm início hoje, na Câmara dos Deputados, com a indicação dos 65 integrantes – apenas 14 estão definidos. O PMDB é, ao mesmo tempo, protagonista e maior incógnita. O Planalto tenta emplacar peemedebistas amigos na comissão, e conta com a atuação do líder da bancada. Leonardo Picciani (RJ). Já o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que autorizou o pedido de abertura do impeachment, mobiliza aliados na legenda e em partidos da base. No meio da disputa o grupo de Michel Temer é o mais cortejado. O pedido de demissão do ministro Eliseu Padilha, aliado de Temer, acendeu o alerta de que parte do PMDB estaria desembarcando do governo. As recentes conversas do vice-presidente com a oposição também preocupam o PT. Especialistas ouvidos pelo Correio apontaram as consequências da paralisação do pais durante as discussões sobre o afastamento da presidente.
Quem comanda o tabuleiro
>LUIZ CARLOS AZEDO
A presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Mi-chel Temer travam uma disputa de bastidores pela escolha dos integrantes, e do controle, da comissão especial responsável por examinar o pedido de impeachment da petista.
Até aqui, apenas 23 dos 65 integrantes do colegiado foram indicados. A lista final será divulgada em sessão extraordinária da Câmara dos Deputados, hoje, às 18h. De um lado, Temer escalou como seu articulador na Casa o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), com os dois pés fora do governo. Do outro, o Palácio do Planalto conta com o apoio do jovem líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), para conseguir ter maioria na comissão.
Com a entrada em cena do grupo de Temer, o jogo interno de forças no PMDB se altera. O líder da bancada tem a prerrogativa de indicar todos os representantes da legenda, mas uma parte, encabeçada pelos deputados Osmar Terra (RS) e Lúcio Vieira Lima (BA), está rebelada e quer que todas as alas do partido sejam contempladas. Até a demissão de Padilha, a disputa pelo controle da comissão se dividia entre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e a presidente Dilma Rousseff. Além dos votos da oposição, as bancadas do PTB, PR PSD e PSC são aliadas de Cunha.
0 Palácio do Planalto ofereceu a Picciani o Ministério da Aviação Civil e pressiona os demais ministros do PMDB a apoiarem as articulações do líder, mas isso pode provocar outras baixas na Esplanada, como a saída do ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (RN), ex-presidente da Câmara e aliado incondicional de Temer. Ao mesmo tempo, a presidente Dilma tenta manter Padilha no governo. Hoje, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, terá encontro reservado com Padilha e os líderes de partidos da base aliada entregarão a lista de indicados para o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini.
Alternativa de poder
Nos bastidores, o vice-presidente Michel Temer tem afirmado aos seus interlocutores que não pretende mover uma palha a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas se movimenta como alternativa de poder. Hoje, inclusive, terá encontro privado com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Uma aliança entre os dois pode selar o destino da petista, uma vez que o governador paulista foi o líder do PSDB que mais resistiu à proposta de impeachment.
Na semana passada, Temer se reuniu com um grupo de senadores de oposição favoráveis ao afastamento da presidente Dilma, integrado pelos tucanos José Serra (SP), Aloysio Nunes (SP) e Tasso Jereissati (CE); o presidente do DEM, José Agripino (RN); e os peemedebistas Waldemir Moka (MS) e Ricardo Ferraço (ES). O grupo manifestou apoio ao vice-presidente da República, caso ele venha a assumir a Presidência. Temer agradeceu, mas desconversou em relação ao impeachment. Disse que era um assunto com o qual não poderia se envolver e repetiu a tese da pacificação nacional.
A presença de José Serra no encontro sinalizou para a cúpula do PSDB e para os demais partidos de oposição um possível engajamento num governo de transição encabeçado por Temer, caso Dilma seja afastada do poder. O tucano é apontado como futuro ministro da Fazenda, uma posição estratégica, tendo em vista as eleições de 2018. No dia seguinte, o líder da bancada do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), defendeu a realização do recesso parlamentar e o adiamento da decisão sobre o impeachment para o próximo ano.
O gesto foi interpretado pelo grupo pró-impeachment como uma manobra do presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), para ganhar tempo. Líder nas pesquisas de opinião para a sucessão de Dilma, Aécio apoia o impeachment, mas aposta mesmo é no pedido de cassação dos mandatos da presidente e do vice por crime eleitoral que tramita no Tribunal Superior Eleitoral e investiga as contas de campanha de Dilma. Nesse caso, haveria novas eleições.
O encontro de Temer e Alckmin, hoje, pode ser decisivo para unificar os caciques tucanos. O apoio de Alckmin ao impeachment e a eventual participação do PSDB num governo de transição nacional teria o efeito reflexo de atrair os caciques do PMDB que ainda apoiam Dilma – o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e o líder da bancada na Casa, Eunício Oliveira (CE), além do ex-presidente José Sarney -, isolando o jovem líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ).
Temer é uma esfinge, porém, dois de seus principais aliados estão em campo: o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, que coordenou o Plano Temer – um documento intitulado Uma ponta para o futuro, que sintetiza as propostas do que seria um governo de transição – e o ministro demissionário da Aviação Civil, Eliseu Padilha, que sempre foi o principal articulador político de Temer no Congresso.
Aliados e a rede da “legalidade”
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) e o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi. anunciaram ontem, em São Luis, uma nova versão da Rede da Legalidade, contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. A proposta tem como inspiração a iniciativa capitaneada em 1961 por Leonel Brizola para garantir a posse do vice João Goulart, que estava na China em viagem oficial, após a renúncia do presidente Jânio Quadros.
Flávio Dino anunciou o lançamento de uma página nas redes sociais, intitulada Golpe nunca mais. O nome é uma alusão ao projeto Brasil nunca mais, que denunciou os crimes cometidos pela ditadura militar de 1964/1985 contra os seus opositores políticos. Segundo o governador, o objetivo é “mostrar o que acontece quando a Constituição não é respeitada”.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi alvo de duras criticas. “Não vejo legitimidade do presidente daquela Casa em fazer o impeachment de ninguém. Ele é um homem sob suspeição “, disse Lupi. “O Michel Temer é sócio íntimo do Eduardo Cunha, colega de partido, eu sei o que estou dizendo”, disse o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, que também fez criticas ao ajuste fiscal. (LCA)
Os prejuízos da incerteza
> NIVEA RIBEIRO
Especial para O Correio
> PAULO DE TARSO LYRA
A possibilidade de um longo e arrastado processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff sangraria não apenas a titular do Palácio do Planalto, mas todo o Brasil, na visão de analistas políticos e econômicos. O país, afundado em uma recessão econômica – que pode virar uma depressão -, com índices de desemprego crescentes, inflação de dois dígitos e retrocessos até mesmo no processo eletrônico de eleições, passará por tempos ainda mais sombrios nos próximos meses.
Alguns têm esperança de que, ao fim de tudo, aconteça uma virada de página. “O país já está em crise, paralisado, há dois anos. Se as coisas se resolverem em quatro meses, ótimo. Mas elas precisam se resolver”, defende o cientista político Carlos Melo, do lnsper. “Se a presidente Dilma for afastada, forma-se um governo de coalizão entre PMDB e PSDB e retoma-se a confiança na economia. Se ela não for afastada, que se vire a página, se esqueça de Eduardo Cunha e comece a governar”, completa o professor do Insper.
Até mesmo o ritmo do processo é indefinido. Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, quatro fatores podem influenciar o andamento do impeachment: o comportamento do PMDB; a pressão das ruas; o humor do mercado; e uma quebra de confiança na presidente Dilma Rousseff.
Durante o final de semana, o PMDB começou a ensaiar um descolamento, desde a sexta-feira, com a entrega do cargo do ministro da Secretaria Nacional de Aviação Civil, Eliseu Padilha, ao encontro a portas fechadas do vice-presidente, Michel Temer, com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).
O mercado oscilou em um primeiro momento, mas deve acalmar-se. As ruas ainda estão tímidas, sobretudo porque estamos no fim do ano. E a confiança em Dilma? “Aí que está um perigo. Ela está com um discurso muito ancorado na questão moral, de que ela é inatacável e não tem qualquer mácula. Se, em algum momento da Lava-Jato, se comprovar que ela sabia de algo – Pasadena, que seja – a confiança se quebra e o cenário se complica”, acredita Toninho.
Na economia, o receio é de que o próximo ano seja “perdido” à espera de decisões políticas. “Acho que é bom o que está acontecendo porque, finalmente, estamos terminando o ano de 2014, que engoliu 2015. 2015 não existiu. Seja como for, temos uma limitação: as incertezas, que não são boas para as bolsas”, afirma o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeita. Para o especialista, a abertura do processo de impeachment, depois de gerar a alta dos índices da Bovespa e a queda do dólar, leva agora os investidores a “fazerem contas”. “Depois de uma euforia inicial, ficou evidente que o impeachment não é um evento tranquilo. Muitas dúvidas se instalam. Não acho razoável que o Michel Temer vá fazer uma reforma na economia atual, por exemplo. E, caso a presidente continue, será que essas questões serão resolvidas?”, indaga.
Perdas
Carlos Pastoriza, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), acredita que a principal condição para que a economia se recupere é “virar a página” da crise política com ou sem afastamento. “Se ela se resolver rapidamente, nos primeiros 60 dias do ano que vem, existe a chance de não perdermos mais graus de investimento, de transmitirmos calma para que os investimentos internacionais e nacionais voltem a fluir. Eu não quero um 2016 perdido. E, se nos arrastarmos por seis meses nessa briga política, vamos perder.”
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), a previsão de queda do varejo ampliado em 2015 é de 7,1%, contra retração de 1,6% no ano passado. “De longe, esse é o pior resultado do varejo da última década. Eu não me lembro de um ano em que a gente tenha revisado as expectativas para baixo todos os meses”, lamenta Fábio Bentes, economista da instituição. E o próximo ano não aparenta ser mais promissor. “A indefinição é o pior dos cenários. Quanto mais tempo durar essa aflição em relação ao cenário político, mais incerteza haverá. Se considerarmos que ela vai durar até o meio do ano que vem, quem vai investir em um país que já tem quedas na venda e alto custo de contratação?”, questiona Bentes.
Lentidão que sangra
O professor de economia Jorge Arbache, da Universidade de Brasilia (UnB), argumenta que as condições para uma crise econômica se acumulam desde 2011: “a agitação política foi a faísca necessária para que ela se precipitasse e se agravasse”. “A crise chegaria no Brasil entre 2018 e 2019, com problemas de balanço, pagamento de funcionários. A política trouxe esse problema para antes.” Segundo o especialista, o país já vive um momento de espera, em que os investidores interrompem as atividades e optam por aguardar o desenrolar de oscilações no cenário econômico. Com a abertura do processo de impeachment, essa tendência deve se intensificar.
“Os investimentos já estavam suspensos ou cancelados, as pessoas estão esperando para consumir. Em um ambiente onde há possibilidade de mudança, as pessoas param para ver qual a linha política de quem vem, ou mesmo da presidente. O pedido provoca um agravamento do ‘wait and see’ (espere e veja). Vai jogar mais lenha na fogueira de 2016″, prevê Arbache. “O ideal é que tivéssemos uma solução para que não se intoxique a economia ainda mais. Todos perdem com essa lentidão, e, enquanto isso, o país vai sangrar mais”, completa.
Ameaça de retrocesso
Para especialistas, a insegurança política e os problemas na economia emperram ações urgentes em áreas como saúde, educação e meio ambiente
>NATÁLIA LAMBERT
A possibilidade de o país parar por meses e a instabilidade política gerada pelo processo de impeachment preocupam representantes de setores estratégicos no país, entre eles educação, saúde e meio ambiente. O clima de apreensão maior está na saúde por causa da necessidade de se controlar a proliferação do Aedes aegypti em todo o país. Além da dengue e da chikungunya, o mosquito é vetor de transmissão da febre zika, que está provocando uma geração de bebês com microcefalia, especialmente no Nordeste brasileiro.
O presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Gastão Wagner, defende que o processo de impedimento da presidente não pode interferir nas ações do Ministério da Saúde, pois a pasta é o motor do Sistema Único de Saúde e a situação já está grave o suficiente. Wagner ressalta que há uma certa autonomia de custeio nos pagamentos aos hospitais, mas ele teme irregularidade nos repasses dos ministérios da Fazenda e do Planejamento. “Já está complicado de conseguir novos investimentos e expandir a rede, imagine se a pasta parar até a crise política acabar. O dano à sociedade é muito grande.”
Para Wagner, a maior preocupação é com o atual surto de microcefalia causado nelo zika vírus. O especialista comenta que, mesmo com o sistema de saúde funcionando a pleno vapor, o desafio de combate ao mosquito é imenso. “Temos que mudar o padrão de enfrentamento em relação à dengue e às outras doenças, porque o sistema de controle está fracassado. Se instituirmos um padrão letárgico no enfrentamento, a tendência é de que essa tragédia aumente.”A diretora-executiva do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Ana Maria Costa, concorda que o momento é de muita preocupação e uma possível parada é temerária. “Não podemos dizer às pessoas olha, ninguém fica doente até os políticos se resolverem, tá?’. As coisas não funcionam assim.”
Especialistas também temem que aconteça um retrocesso na educação. O professor da Universidade Católica de Brasília Célio da Cunha comenta que, nos últimos anos, o setor teve uma evolução em termos de orçamento e obteve muitas conquistas com programas como o Ciência sem Fronteiras e o Pronatec. “Toda essa crise afeta esses programas e iniciativas que estavam contribuindo com o desenvolvimento da educação. Até superarmos isso, tudo fica prejudicado.”
Célio defende que o momento é de união de gestores da educação em todas as instâncias: federal, estadual e municipal. “Teremos que fazer um esforço muito grande para manter o nível adequado de desenvolvimento. Um esforço acima de qualquer interesse político. Será preciso organizar melhor o sistema e usar uma inteligência diferenciada. Podemos reagir com o sentimento de nacionalidade e compensar esse momento fazendo um enfrentamento da crise.”
Terras
Em relação aos povos indígenas e tradicionais, o sócio-fundador do Instituto Socioambiental Márcio Santilli demonstra preocupação em relação aos conflitos agrários. Santilli ressalta que o país vivencia uma paralisia há cinco anos em relação à demarcação de terras indígenas, de territórios quilombolas, à criação de áreas de proteção ambiental e isso gera uma situação perturbadora para os envolvidos. “Esse tempo tende a aprofundar essa paralisia a estimular a eclosão de conflitos represados. Quando não há horizonte de superação, de solução, as pessoas passam a querer resolver os problemas por conta própria e isso é temerário”, comenta.
Fonte: Correio Braziliense – 07/12/2015