07/12/2021
Segundo o professor Fábio Tescari, as entrevistas ajudarão a identificar sugestões para melhorar a visão estratégica da área nas empresas
Leandro Steiw
Mestre e doutor em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas, o professor e consultor Fábio Tescari está conduzindo uma pesquisa com o apoio do Centro de Estudos em Negócios do Insper para verificar como os gestores da área e a alta administração das empresas analisam o alinhamento da estratégia de compras à estratégia da organização. Os resultados poderão levar a um aumento da oferta de cursos de educação executiva de curta duração nesta área. Atualmente, é oferecido o curso online Compras Estratégicas: Planejamento, Seleção e Gestão de Fornecedores, que está na terceira turma e atrai gestores de todo o Brasil. No total, são oito aulas, com 20 horas de atividades síncronas e quatro horas assíncronas. Este é um dos cursos da área de Estratégia e Negócios, na trilha de Supply Chain, em que também são oferecidos os cursos de Supply Chain: dos Fundamentos à Prática e S&OP: Um Novo Olhar no Planejamento.
Tescari percebe uma carência de visão estratégica na área de compras, que a pesquisa ajudará a dimensionar. Historicamente, muitas empresas consideram a área de vendas a única responsável pelos resultados. “A partir das entrevistas, saberemos quais são as lacunas, os desafios e as recomendações para que a área de compras tenha um ganho de posicionamento estratégico dentro das organizações”, diz Tescari, que é graduado em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo e tem 20 anos de experiência executiva na indústria. O curso de Compras Estratégicas capacita os participantes a identificar oportunidades de ganhos para as organizações nas quais atuam, desenvolvendo habilidades em planejamento, seleção, gestão de fornecedores e construção de relacionamentos de valor.
Na entrevista a seguir, Tescari explica os objetivos e a dinâmica do curso.
O senhor poderia apresentar o curso de Compras Estratégicas?
O Insper tem uma modalidade chamada Live Learning, que oferece cursos de educação executiva de curta duração, 100% remotos, liderada pelo professor Rodrigo Amantea. Um dos cursos no conjunto de Supply Chain é o de Compras Estratégicas, um tema para o qual não havia um curso específico. No contexto do Live Learning, identificamos a oportunidade de preencher essa lacuna e, agora, estamos já na terceira turma. É um curso focado na gestão estratégica de compras. Não é um curso de ferramentas de compras, é mais de reflexão, de construção estratégica da área. A abordagem é a partir do Strategic Sourcing, uma metodologia criada pela consultoria A.T. Kearney e consagrada na área de compras, que consiste em sete passos estratégicos. Com o pano de fundo dessa metodologia, que é uma abordagem mais prática, vamos passando pela discussão de alguns pontos com os alunos, sempre como uma reflexão estratégica.
Como as aulas estão distribuídas?
O curso tem a participação de convidados do mercado. Já tivemos convidados de empresas como CMPC (papel e celulose), CBA (alumínio), Grupo Fasano (hotelaria e gastronomia), Vedacit (produtos para construção civil), Copersucar (açúcar e etanol), Unilever (alimentos, limpeza e higiene). Normalmente, temos uma palestra na primeira aula com algum profissional C-Level (cargos de alto nível gerencial) da área de compras. É uma conversa inicial, de meia hora, que apresenta a visão e o posicionamento estratégico da empresa. Na sétima aula, fazemos um painel com três profissionais de mercado. Cada um deles fala sobre um tema, não necessariamente o mesmo, por 15 minutos. Depois das apresentações, temos a interação com a turma. Ou seja, é um curso de cunho bem prático. Na última turma, tivemos palestras sobre o uso de tecnologia da informação e práticas de ESG (ambiental, social e governança corporativa) em compras, ou seja, temas muito atuais.
O Insper planeja a expansão desses cursos?
Temos a aspiração de lançar outros cursos dentro de Supply Chain, mais relacionados a compras. Neste contexto, surgiu a ideia, junto com os professores Carlos Afonso Caldeira Filho e André Duarte, de fazer uma pesquisa qualitativa dentro dessa área buscando subsídios para orientar a proposição de novos temas. O nosso objetivo é entrevistar profissionais de compras, gestores na área de compras e também C-Levels. De um lado, verificar o contexto dos profissionais de compras e, de outro, como a alta administração vê o alinhamento da estratégia de compras à estratégia da organização. A partir das entrevistas, saberemos quais são as lacunas, os desafios e as recomendações para que esse alinhamento melhore, e permitir à área de compras um ganho de posicionamento estratégico dentro das organizações. Estamos na coleta de dados com empresas de diversos setores, para ter uma visão mais amplificada. O curso de Compras Estratégicas nasceu no Live Learning, e a pesquisa também poderá nos direcionar para outras oportunidades de ação junto ao Centro de Negócios, além da possibilidade de expandir a oferta de cursos.
O senhor sempre trabalhou na área de compras?
Dentro da minha experiência profissional executiva, trabalhei na área de gerência de produto. Nesse contexto, eu apoiava a área de compras na estratégia de ação, por exemplo, para a compra de etileno e oxigênio, insumos essenciais para a empresa em que trabalhei. Além da abordagem junto às centrais petroquímicas, também fiz muitos projetos com a área de compras sobre embalagens. Num momento da minha trajetória, também fui responsável pela área de comunicação externa da organização e fazia todas as compras relacionadas à comunicação: publicidade, brindes, eventos, catering etc. Quando migrei para a carreira acadêmica, meu tema de pesquisa tanto no mestrado quanto no doutorado foi a criação de valor em relacionamentos interorganizacionais, estudando as relações comprador-vendedor. Desde então, venho fazendo isso academicamente e com consultoria.
Sabemos que a área de compras ainda carece de uma visão um pouco mais estratégica, e esse é um ponto que queremos checar com a pesquisa. É uma área na qual faz sentido nos aprofundarmos e oferecer mais opções de capacitação para o mercado. Mesmo profissionais da área, às vezes, só enxergam a parte de negociação. O Insper percebe esse potencial e pode avançar na contribuição para esse aprendizado.
É possível definir um perfil de alunos do curso?
A primeira turma foi um pouco mais mesclada entre gestores e profissionais da operação de compras. Mas, a partir da segunda, tivemos um perfil realmente de gestores. Todos os 13 alunos da última turma são gestores, com média de 14 anos de experiência na área de compras. Então, é realmente um perfil de gestor e sênior na função. O tema é voltado para esse público. Não é um curso de ferramentas. Nossa expectativa também é poder oferecer no futuro cursos mais ferramentais dentro dessa área.
O senhor traçaria um panorama da área de compras estratégicas no Brasil?
A percepção que queremos confirmar pela pesquisa é de uma área que ainda enseja investimento e capacitação. Porque temos, de um lado, tradicionalmente, mais investimento na área da venda do que na compra, ou seja, olhando mais para um ganho de mercado, e a compra suportando isso. Então falta essa visão da área de compras como impulsionadora de negócios.
Isso é algo que discuti na minha tese de doutorado. Fala-se muito em criar valor para o cliente, que está relacionado a vendas, mas as empresas também criam valor para seus fornecedores. Como organização, o sacrifício não é necessariamente reduzir o preço. Posso dar uma exclusividade para ele. Um exemplo da minha tese: vou desenvolver uma essência para um perfume e dá-lo em exclusividade para determinado cliente, porque para mim é muito importante estar próximo dele. Falta essa visão de compras para trás, ou seja, como é que a área de compras se posiciona junto aos seus fornecedores. Claro, de uma maneira colaborativa, mas também que permita que os fornecedores capturem mais o valor dessa relação e, por consequência, seja melhor também para a empresa contratante.
Um segundo ponto é que existem casos nos quais a área de compras está hierarquicamente ligada à área financeira, e não a uma área de negócios, com uma visão muito enfocada em custos. Às vezes, está ligada a área industrial, e nenhum problema quanto a isso, mas talvez o foco seja mais de entregar o insumo, senão a fábrica para. É possível que exista espaço para um desenho mais estratégico da área de compras, nestas e em outras situações.