24/06/2022
Autor de três livros de poesias ilustradas, colaborador da área de marketing do Insper prepara o lançamento de sua quarta obra, agora 100% em prosa
Filho de mãe brasileira e pai suíço, Pedro Antônio Gabriel Anhorn nasceu no Chade, país no centro-norte da África que foi uma colônia francesa até 1960. Embora tenha sido alfabetizado em francês, Pedro, que se mudou para o Brasil aos 12 anos, diz que o português se tornou sua linguagem criativa.
“Eu sonho em português”, afirma Pedro, que é formado em Propaganda e Marketing na ESPM e entrou no Insper no começo de abril para trabalhar no time de marketing, com foco em textos para os programas de pós-graduação, que envolvem os cursos na área de Negócios, Finanças e Tecnologia, e também do Centro de Gestão e Políticas Públicas. “Estou descobrindo a cada dia como posso contribuir criativamente para esse novo desafio.”
Pedro sempre teve o hábito de carregar uma caderneta para anotar suas ideias. Um dia, no final de 2012, ele quis anotar ideias que estavam pulsando na cabeça, mas percebeu que tinha esquecido o caderninho. Parou então no balcão de um bar perto de seu apartamento no Rio de Janeiro, pegou uma pilha de guardanapos e começou a rabiscar algumas coisas, sem muita pretensão. Gostou do resultado, resolveu fotografar e postou na internet. Em pouco tempo, milhares de pessoas começaram a comentar e a compartilhar suas poesias ilustradas.
Nasceu assim seu primeiro livro, Eu me chamo Antônio (2013). Depois disso, publicou Segundo (2014) e Ilustre Poesia (2016), todos pela editora Intrínseca. Segundo Pedro, o terceiro livro ainda preserva suas origens — o desenho em guardanapos, a brincadeira com a sonoridade ou a grafia de palavras similares, a poesia descontraída —, mas encerra uma espécie de trilogia de um pré-romance. “A prosa está mais presente e as ilustrações dialogam constantemente com as palavras desenhadas em cada página”, afirma.
Na entrevista a seguir, Pedro conta um pouco sobre sua trajetória, seu estilo de escrita e seu plano de investir na carreira literária — ele terminou de escrever o quarto livro, ainda inédito, o primeiro 100% em prosa.
Você nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Conte um pouco sobre como seus pais foram parar lá.
Minha mãe é brasileira, do Rio de Janeiro. Portanto, o português é sua língua. Meu pai é da Suíça, da comuna de Coira, e lá se fala o suíço-alemão. Eles se conheceram na cidade de Lausanne, na parte francesa da Suíça, onde ambos estavam fazendo cursos de extensão em diferentes áreas do conhecimento.
Então, a língua oficial em casa sempre foi o francês. Que não é nem a língua materna da minha mãe, nem do meu pai. Todo mundo era um pouco estrangeiro.
Pouco tempo depois, meu pai recebeu uma proposta para trabalhar no continente africano. Era junho de 1984 e minha mãe estava grávida de mim quando eles embarcaram rumo ao Chade. Por ser uma antiga colônia francesa, a única escola para os filhos de estrangeiros era o liceu francês, onde eu e minhas três irmãs fomos matriculados.
Moramos 5 anos por lá, até meu pai ser transferido para o arquipélago de Cabo Verde, também na África.
Como foi sua infância no Chade? O que você se lembra desse período?
A memória é sempre uma soma de momentos fragmentados, histórias que nossos pais contam e registros fotográficos. Nosso cérebro, a partir dessas informações, cria um mosaico onde já não se sabe mais ao certo o que é real e o que é desdobramento de um desejo de realidade.
Mas, por sorte, meu pai sempre gostou de registrar e revelar fotografias das viagens e dos momentos importantes em família. Então, quando sinto saudade, ou algo bem parecido com esse sentimento, abro um dos álbuns dessa infância e me reinvento.
A imagem mais marcante que eu tenho desse período, sem dúvida, é o desenho autoral de uma girafa. Eu lembro com clareza o dia que comecei a ilustrar, numa folha em branco, uma espécie de cabra amarelada com pescoço alongado, cheia de manchas marrons.
Eu devia ter 4 anos e estava no escritório do meu pai. Essa arte está exposta na parede da sala do meu apartamento em São Paulo. E ainda dizem que não dá para criar girafas em apartamentos (risos).
Até hoje, quando olho para uma girafa (o que é muito difícil quando se mora no Brasil), eu desperto essas lembranças. Para mim, a girafa é a metáfora do poeta. Um ser que tem os pés no chão (uma base no real) e a cabeça nas nuvens (uma conexão com o mundo das ideias). As manchas são os reservatórios de tinta para seus futuros poemas. Ou silêncios.
Você veio morar no Brasil aos 12 anos. Teve dificuldades de adaptação ao país?
Sim. Depois da separação, minha mãe sentiu que era hora de voltar para o Rio de Janeiro. Eu costumo dizer que a separação dos meus pais foi uma ruptura de pais (pai + mãe) e um deslocamento de país.
Gosto de pensar na proximidade das palavras pais e país. Basta uma simples alternância na acentuação para criar significativas mudanças geográficas ou, de certa forma, emocionais. E isso tem seus impactos, é inevitável.
Talvez minha maior dificuldade nessa adaptação tenha sido conseguir encolher o oceano Atlântico. Uma parte da família de cada lado, entre Rio de Janeiro e Coira.
Eu lembro de olhar no mapa: eu sentia uma saudade de 9.378 km.
Você teve alguma dificuldade com a língua portuguesa?
Apesar de ter sido alfabetizado em francês, hoje a língua portuguesa é minha linguagem criativa. Eu sonho em português. Acho que, quando a gente sonha com alguma coisa (um som, que seja), é nossa realidade que se manifesta.
Uma lembrança boa que vem agora é a tentativa de ler Capitães de Areia, do Jorge Amado. O primeiro livro que li sozinho em português.
Você sempre gostou de escrever? Como surgiu a ideia de publicar livros?
Eu sempre gostei de escrever e desenhar. Mas, na mesma intensidade, eu era mais encolhido, reservado, tímido para tirar das gavetas as infinitas ideias incompletas.
A primeira vez que eu vi sentido nas palavras foi aos 12 anos, na escola. Foi uma homenagem às ilhas de Cabo Verde, o arquipélago africano onde passei boa parte da minha infância. Desde então, sempre tive cadernetas para anotar toda e qualquer ideia que me viesse à cabeça. Tenho o hábito de não deixar as ideias escaparem.
Agora, o primeiro guardanapo que eu me lembro de ter tido a sensação de que era aquilo que me fazia bem, que fazia sentido, que me motivava a querer dizer algo, nasceu no final de 2012. Eu tinha o hábito de sempre andar com um caderninho de bolso pra lá e pra cá, mas naquele dia eu esqueci o tal caderno em casa e as ideias estavam pulsando na minha cabeça.
Eu precisava anotá-las em algum lugar. O jeito foi parar no balcão do Café Lamas — um bar que ficava no meio do caminho entre o ponto do ônibus e o meu apartamento, no Rio de Janeiro —, pegar uma pilha de guardanapos em branco e começar a rabiscar coisas de forma espontânea, sem nenhuma pretensão.
Mas meu trabalho não envolve unicamente a escrita. Ele é uma travessia entre palavra e imagem.
Fale um pouco sobre o seu alter ego, o Antônio. Como ele surgiu?
Antônio surge do esquecimento. Meu nome é Pedro Antônio, sobrenome Gabriel Anhorn. Mas ninguém me chamava de Antônio. Era simplesmente Pedro. Então, acho que nomear o personagem com esse nome foi uma forma que encontrei de ser eu e me distanciar de mim.
A ideia de criar o Eu me chamo Antônio nasceu de forma muito espontânea, sem pretensão alguma de se tornar tudo aquilo que o personagem acabou se tornando para os meus seguidores. Foi no final de 2012, eu estava no Café Lamas e tinha esquecido meu caderno de bolso naquele dia.
O único material que eu tinha para escrever era a pilha de guardanapos em branco que estava no balcão do bar. Anotei algumas coisas. Esbocei algumas palavras. Gostei do resultado. Fotografei. Joguei na internet e, em pouco tempo, muitas pessoas começaram a me acompanhar, a comentar, a compartilhar e a curtir minhas poesias ilustradas.
Cada guardanapo é a forma que encontrei para quebrar — aos poucos — os meus silêncios.
Você já publicou três livros: o que as três obras têm em comum?
Meu terceiro livro, Ilustre Poesia, publicado em 2016, marca uma ruptura. É uma narrativa que se distancia dos dois primeiros livros, mas que mantém um forte elo criativo com o universo do personagem Antônio.
O meu primeiro livro, Eu me chamo Antônio (2013), foi marcado pelo medo danado de não dar certo. Há a presença muito mais marcante de trocadilhos e frases espontâneas. No Segundo (2014) fica mais visível o meu desejo — mesmo que tímido — de libertar as palavras para além das fronteiras dos guardanapos.
Ilustre Poesia, de certa forma, encerra uma espécie de trilogia de um pré-romance. A prosa está mais presente e as ilustrações dialogam constantemente com as palavras desenhadas em cada página. Com essa publicação, dou mais um passo em direção à promessa do romance. Afinal, Antônio é um personagem de um romance que está sendo escrito, vivido. Essa é a frase que uso para definir com mais frequência esse tal de Antônio.
Por mais que a presença da “escrita convencional” esteja mais evidente, Ilustre Poesia ainda preserva minhas origens: o desenho em guardanapos, a brincadeira com a sonoridade ou a grafia de palavras similares, a poesia descontraída. Essa caligrafia confusa, esse traço impreciso, essa comunicação que — ora se manifesta em versos curtos, outrora em frases mais longas — são a minha personalidade criativa. É impossível eu fugir completamente do que sou.
Quando comecei a pensar em como eu gostaria de apresentar esse novo trabalho aos meus leitores, me fiz uma pergunta: “Para onde vão os nossos silêncios quando deixamos de dizer o que sentimos?”. As respostas que foram surgindo internamente me ajudaram a moldar os caminhos que acabaram impressos nas 224 páginas do livro.
O Ilustre Poesia está dividido em três partes. A primeira, À espera de uma colisão, traduz o lado onírico do personagem Antônio. A segunda, A força de um nó frágil, aborda assuntos mais confusos, imprecisos. E a terceira, O destino das palavras, é a parte mais consciente do livro e é marcada por um desfecho inesperado que abre infinitas possibilidades sobre o futuro do Antônio — o personagem — e do Poeta Desconhecido — o narrador desse final.
Você é formado em Propaganda na ESPM. Acha que isso de alguma forma influenciou na sua escrita?
Sem dúvida, minha formação em Propaganda e Marketing contribuiu para desenvolver o raciocínio rápido, a capacidade de condensar uma ideia em pouquíssimas palavras e, principalmente, ter contato com pessoas que são fontes inesgotáveis de referências. Geralmente, quem faz publicidade se interessa por quadrinhos, cinema, literatura, música, teatro e todo tipo de conteúdo que pode servir para criação: desde fofocas de celebridades até bulas de remédios.
No entanto, não diria que influenciou diretamente minha escrita. Mas me fez enxergar que a palavra pode ser aplicada para vários meios, além do caminho literário em si. Toda plataforma é uma forma de impactar outro alguém. A página de um livro é uma plataforma. A tela do celular é uma plataforma. A camiseta com uma frase é uma plataforma. E todas são válidas quando você coloca a sua sensibilidade e, principalmente, dos seus princípios.
Você tem planos de publicar outros livros? Quer investir na carreira literária?
Sim. Eu reservo um tempo do meu dia (sem horário definido) para escrever os textos literários, digamos assim. Terminei de escrever meu quarto livro recentemente; o primeiro 100% em prosa. Ou seja, distante da linguagem dos versos em guardanapos. O nome provisório é Toda queda tem um nome. Agora estou na fase de edição e revisão e em conversa com uma editora para sua eventual publicação.
Aliás, eu tenho compartilhado o processo criativo com as pessoas que assinam minha newsletter Notícias do Quarto. É gratuito e, de quinze em quinze dias, eu envio uma carta digital sobre o andamento do livro ou informações e curiosidades dos bastidores da escrita. Tem sido uma experiência muito bonita. Até agora, são 1.680 assinantes.
E, em 2023, meu primeiro livro completa 10 anos de publicação. Estou preparando um projeto via crowdfunding para pensar uma edição comemorativa com a participação efetiva dos leitores mais entusiasmados.
Esses são os dois projetos mais vivos e possíveis de acontecer nos próximos meses.