02/04/2020
OPINIÃO| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
Carlos Eduardo Lins da Silva
A pandemia do coronavírus tem dado alento à indústria do jornalismo em vários países, inclusive o Brasil. O trabalho dos jornalistas vem sendo em geral bem avaliado pela sociedade. Em meio à proliferação em redes sociais de mentiras que chegam a colocar em risco a saúde e a vida de pessoas, as informações corretas de veículos jornalísticos transmitem confiança ao público.
No Brasil, o Datafolha revelou, em levantamento realizado em 18 de março, que 61% das pessoas confiam nas informações sobre a crise veiculadas por emissoras de TV, 56% nas dos jornais e 50% nas das emissoras de rádio. O índice de confiança em redes sociais como WhatsApp e Facebook é bem mais baixo: 12%, de acordo com o Datafolha.
Nos EUA, pesquisa do Pew Research Center mostra que 70% dos entrevistados acham que a imprensa tem feito um trabalho bom (40%) ou muito bom (30%), embora cerca de dois terços digam que há algum ou muito exagero sobre os riscos da doença na cobertura jornalística.
Como ocorre em praticamente todos os assuntos, a polarização na sociedade americana faz com que a apreciação do trabalho da mídia profissional seja muito diferente entre partidários e opositores do presidente Donald Trump: 80% dos democratas e 59% dos republicanos dizem gostar do que a imprensa tem feito.
Mas o próprio Trump reconheceu, num raríssimo elogio ao jornalismo durante todo o seu governo, que ele tem sido “correto” ao tratar da pandemia.
Outra pesquisa, da National Public Radio, revela que só 37% dos americanos dizem ter confiança nas declarações do presidente sobre a crise de saúde, em comparação com 50% que dizem acreditar nas informações que recebem do jornalismo profissional. Aqui, também, os números variam muito entre os que apoiam e se opõem a Trump.
O interesse pelo assunto e a procura por informações são muito grandes, independentemente de ideologia, o que faz as audiências dos veículos jornalísticos crescer significativamente.
Levantamento da Claro, que opera TV a cabo no Brasil, mostrou que a audiência dos canais de notícias aumentou 118% desde que a pandemia foi declarada pela OMS. Na TV aberta, o efeito é semelhante: a Rede Globo, que passou a dedicar onze horas de sua grade para o telejornalismo, têm quebrado recordes de audiência, alguns de até nove anos, com seus telejornais.
Muitos jornais e revistas têm oferecido de graça o seu conteúdo sobre o tema, atitude apreciada pela sociedade e que estimula a autoestima de uma categoria que fazia tempo não tinha muita razão para otimismo. Ainda que a atitude comece a ser questionada, semanas depois, no Brasil a maioria dos mais importantes veículos jornalísticos, tanto impressos quanto de TV paga, agiu desse modo.
Quase todos ampliaram tempo e espaço dedicados a essa questão e têm dado ao seu conteúdo abordagem de serviço de utilidade pública. Vários se oferecem a responder a dúvidas específicas da audiência. Por isso, a atividade foi considerada serviço essencial pelos governos federal e do Estado de São Paulo, e excluída das restrições do distanciamento social.
Apesar de provocar este bom momento da imprensa, talvez o melhor no século, o coronavírus muito provavelmente será responsável pela morte de diversos veículos jornalísticos. As consequências econômicas da pandemia já afetam os negócios de muitos deles.
Os jornais do grupo Sacramento News and Review, na Califórnia, suspenderam suas edições impressas e estão tendo dificuldades para pagar os salários dos jornalistas. O semanário “The Stranger ”, de Seattle, cidade que foi o primeiro epicentro da epidemia nos EUA, demitiu quase a sua redação inteira.
Demissões, redução de jornada de trabalho e salário, fim de edições impressas em alguns dias da semana ocorreram em vários veículos de Louisiana, Vermont, Rhode Island, Pensilvânia, Michigan, Colorado, Califórnia.
Tanto no Brasil quanto nos EUA, veículos de cidades pequenas e médias são os mais atingidos pelos efeitos da crise econômica decorrente da pandemia. A maior parte de seus anunciantes (o comércio local, restaurantes, bares, produções culturais) sofre muito com as medidas de distanciamento social que vêm sendo adotadas em muitos países.
Editorias que cobrem atividades mais afetadas pelo isolamento social, como esportes e, em certa medida, cultura, também vêem mais cedo os efeitos econômicos. A Rádio Bandeirantes, por exemplo, suspendeu os contratos de comentaristas esportivos.
Muitos dos grandes anunciantes, como os de varejo, estão com seus negócios paralisados por tempo indeterminado e estão demitindo eles próprios quase todos os funcionários, como a cadeia de lojas Macy’s. Outros não querem ver suas marcas aparecerem lado a lado do noticiário das tragédias da Covid-19 e têm cancelado sua publicidade. A mais recente previsão da Magna, empresa que provê inteligência para a indústria de mídia, o faturamento publicitário nos EUA deve cair 2,8% em 2020; antes da pandemia, a previsão era de crescimento de 6,6%, quase todo centrado na TV e online. A recessão econômica dificultará também a captação e manutenção de assinantes pagos dos veículos.
Jornais e revistas que têm edições em papel enfrentam dificuldades adicionais para a entrega do produto, devido às medidas de distanciamento social que vêm crescentemente sendo adotadas em inúmeras cidades. No Brasil, a entrega de exemplares impressos da “Folha” e “Estadão” foi suspensa em diversos Estados devido ao aumento do custo de frete aéreo. Para cidades menos distantes de São Paulo, a distribuição passou a ser feita por via rodoviária, o que provoca grandes atrasos para o leitor.
Para jornalistas, que já vinham trabalhando fazia tempo em redações reduzidas e com grande sobrecarga de trabalho, os desafios são ainda maiores. Como em outros negócios, muitos têm agora de produzir seu material em casa. Alguns, por terem estado em compromisso profissional com pessoas infectadas com covid-19, entram em quarentena, fazem testes, infectam-se, adoecem.
Quando a história do jornalismo no século 21 for escrita, os tempos da pandemia do coronavírus provavelmente serão registrados como um dos melhores momentos para a profissão no período, mas talvez também como os que determinaram um esvaziamento ainda maior da atividade, que durante três décadas já vinha diminuindo de tamanho e de relevância.
*Professor de jornalismo no Insper
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