03/06/2020
Bianca Tavolari e Philip Yang, em debate mediado por Tomas Alvim, analisam o problema habitacional em nosso país com foco no atendimento a pessoas em situação de rua e aos aluguéis e despejos
WEBINAR | CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
No dia 2 de junho, realizamos o webinar Como assegurar moradia na crise?. Nesse seminário virtual, Bianca Tavolari, professora do Insper, e Philip Yang, fundador do Urbem – Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole, em debate mediado por Tomas Alvim, Editor, cofundador do Arq.Futuro e Coordenador do Laboratório de Cidades do Insper e Arq.Futuro, conversaram sobre medidas viáveis para garantir dormitórios com salubridade adequada neste cenário de pandemia e possibilitar o distanciamento social em territórios vulneráveis.
Philip Yang iniciou o debate trazendo traços definidores e fundamentais do problema habitacional. “Ele não se define como uma crise, é um problema crônico e estrutural. Reúne todas as características clássicas de uma falha de mercado, e também de falha de governo. A crise da pandemia exacerba esse problema ao desarranjar a atuação do mercado e do governo, que já não vinham bem”.
Bianca Tavolari destacou a sua atuação em pesquisa na análise de dois polos: as medidas que estão sendo pensadas para atender a população em situação de rua e questões sobre aluguel e despejo, ambos pontos que abrangem grupos vulneráveis afetados especialmente neste período de pandemia.
Atendimento à população em situação de rua
No atendimento à população em situação de rua, Bianca destacou a ideia de utilizar a infraestrutura já existente, como hotéis, agora esvaziados pela crise, para abrigar pessoas que não têm onde morar. “Um exemplo está na Califórnia, que disponibilizou 11 mil vagas em hotéis para a população em situação de rua, que lá, soma um total de 60 mil pessoas. Aqui em São Paulo, a ideia ainda está engatinhando. A Prefeitura havia desenhado um edital para disponibilizar 100 vagas em hotéis, depois passou para 500, mas a iniciativa foi descontinuada”, ressaltou Bianca.
De acordo com a professora, essa ideia joga luz na discussão sobre o debate a respeito da função social da propriedade. “Já não fazia sentido ter quartos e estruturas vazias, com tanta gente sem casa, mesmo antes da pandemia. Relegar pessoas a não ter onde morar não é simplesmente questão de direito à moradia e, sim, de saúde pública.”
Aluguel e despejo
Na sequência, Bianca analisou a questão do aluguel e despejo. Segundo Bianca, o que tem acontecido em vários países como primeira medida é a suspensão de despejos. No Brasil, no dia 30 de março, foi apresentado pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG) o projeto de lei nº 1.179, que propõe regime transitório de regras de direito privado, incluindo questões sobre despejos e aluguéis.
A proposta incluía a suspensão de liminares em ações de despejo, nos casos em que há contrato de aluguel, e regras de transição para inquilinos e proprietários negociarem redução no valor do aluguel e postergação de dívidas. Parte dessas últimas regras foram tiradas da proposta. De acordo com argumento de Simone Tebet (MDB-MS), a dimensão do aluguel é muito complexa e não se consegue propor uma regra geral.
“Diante disso, Sergio Firpo e eu começamos a desenvolver uma pesquisa com dados de aluguel, com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE de 2018, que possui os dados mais recentes para analisar esse cenário”, contou Bianca. Os resultados da pesquisa foram publicados em artigo na Folha de São Paulo do dia 21 de abril.
Com a análise dos dados, o que se percebeu foi uma situação completamente desigual entre as duas pontas, tanto para quem paga aluguel como para quem o recebe. “Segundo os dados, 17% das famílias brasileiras, quase 12 milhões de pessoas, tiveram alguma despesa monetária com aluguel. Ao interpelar esses dados, 77% dessas famílias têm rendimento mensal de até 6 salários mínimos e 29% até 2 salários mínimos. Apenas 10% das famílias que pagam aluguel tem renda maior que 10 salários mínimos. Já na outra ponta, temos só 4,9% das famílias (3,4 milhões) que recebem renda com aluguel. E isso se concentra nos estratos mais ricos. 12,1% das famílias que têm rendimento do aluguel concentram 43,8% de toda a renda de aluguel recebida pelas famílias no país”, destacou.
Ainda segundo Bianca, os gastos com aluguel na faixa de até 2 salários mínimos representam um comprometimento de 34% da renda. “Uma vez que, em famílias mais pobres, 79% dos adultos ocupados são trabalhadores informais e que foram impactados diretamente em seus rendimentos com a pandemia, isso traz uma dimensão de insegurança muito grande”.
Análise de decisões liminares
A professora também abordou a análise realizada com banco de decisão liminares do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Pegando o dia 21 de maio, dia que o texto do projeto de lei foi aprovado no Senado, encontramos 34 decisões liminares no Diário Oficial. Dessas, só seis falavam sobre a pandemia. Cinco concediam a liminar, mas suspendiam efeito diante da pandemia, e uma que dizia que a pandemia não era desculpa para suspensão de efeito. As outras 28 concediam liminar de despejo tratando o assunto como se não houvesse pandemia.”
O projeto de lei nº 1.179 segue para sanção ou veto presidencial até 10 de junho. “Por mais que o texto esteja desidratado, essa medida não é irrelevante e tem que ser aprovada. Uma lei que suspende decisões liminares traz um impacto muito importante neste momento ao evitar o despejo de pessoas em meio a uma pandemia.”
Debate
Na sequência, Bianca e Philip seguiram com o debate, mediado por Tomas Alvim, incluindo respostas a perguntas dos espectadores sobre assuntos relativos a problemas de moradia, como o conceito de função social da propriedade, novos modelos de atendimento à população de rua, como instituições e a iniciativa privada podem contribuir para mitigar esses problemas e quais oportunidades trazidas pela crise para transformação positiva das cidades.