18/04/2022
Os veículos aéreos não tripulados são cada vez mais úteis em importantes atividades civis, da agricultura à segurança pública, diz o professor Fabio Bobrow
Leandro Steiw
Os drones estão participando ativamente da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Já são várias as histórias de cidadãos, crianças entre eles, que doaram seus quadricópteros para o exército ucraniano utilizar nas missões de reconhecimento contra as forças invasoras. Ou de voluntários estrangeiros que enviaram centenas desses veículos aéreos não tripulados (VANTs) para a zona de guerra, armados de câmeras de alta resolução ou coquetéis Molotov. A capacidade desses pequenos veículos não chega a ser surpresa, devido à sofisticada tecnologia embarcada. O inconveniente é que o vínculo com o conflito pode ofuscar as aplicações benéficas em importantes atividades civis.
Aeromodelos recreativos e drones têm uma diferença fundamental. No primeiro, o usuário atua diretamente sobre a velocidade da hélice, para o aeromodelo voar rapidamente ou mais devagar, e nos ângulos das asas e estabilizadores, para curvá-lo para a direita ou para a esquerda e também para cima ou para baixo. Já o drone tem um sistema de controle que obedece aos comandos do operador, mas que decide de forma autônoma como acionar cada atuador, diz o engenheiro Fabio Bobrow, que ministra a disciplina eletiva Drones no Insper. Além disso, distintamente de aeromodelos, drones podem voar fora da linha de visão de seus operadores usando GPS (sigla em inglês para sistema de posicionamento global), inclusive retornando sozinho ao ponto de decolagem em caso de perda de sinal.
Os drones surgiram no início do século 20 apenas para fins militares, porque eram muito caros e o investimento não compensava a produção de versões domésticas. Os avanços tecnológicos das últimas décadas abriram os céus para aplicações civis. Segundo o professor, o que viabilizou a produção em massa foi o surgimento das baterias de íons de lítio e o avanço na tecnologia de sensores de medição inercial (IMUs), mais precisamente o acelerômetro e o giroscópio. Esses dispositivos fizeram a fama do Nintendo Wii, lançado em 2006, na forma de um controle que permitia jogar videogame por meio de gestos. O modelo original veio apenas com um acelerômetro, complementado por um pacote de extensão com um giroscópio.
Nos dez anos seguintes, os preços desses sensores caíram. Versões baratas são encontradas em sites da internet a preços em torno de dez dólares. Qualquer smartphone ou smartwatch recebe um similar para funções básicas, como detectar a posição da tela para tirar fotos ou ver vídeos panorâmicos. “A precisão desses sensores não é muito boa, mas ela pode ser melhorada por software, o que é crucial para conseguir controlar um drone”, explica Bobrow. O aperfeiçoamento do acelerômetro e do giroscópio simplificou a pilotagem dos drones e a estabilidade de voo, um passo importante para sua popularização.
Existem quatro tipos de configurações: asa fixa (que lembra os aviões), multirrotor (helicópteros com quatro, seis ou oito hélices), híbrido (que mescla asa fixa e multirrotor) e biomimético (em forma de pássaros). “A vantagem do multirrotor é ficar parado onde você quiser, como um helicóptero, então é ótimo para tirar fotos e decolar e pousar em locais com restrição de espaço”, diz Bobrow. “O asa fixa tem que estar sempre com velocidade para frente, como um avião, senão cai. Só que a autonomia do asa fixa é muito maior, porque ele está planando.” Enquanto um multirrotor comercial voa, em média, 30 minutos com uma carga de bateria, um asa fixa opera por mais de três horas sem parar.
A guerra trouxe uma fama inoportuna aos drones. Nas suas diferentes configurações, os veículos não tripulados já contribuem na agricultura (gestão de irrigação, inspeção de colheita, pulverização), na construção civil (inspeção de obras, mapeamento de terrenos, marketing imobiliário), na indústria de energia (inspeção de linhas de alta tensão e usinas eólicas, nuclear e solar), no setor de infraestrutura (mineração, redes de transporte, topografia), na segurança pública (aplicação da lei, combate a incêndios, pesquisa e resgate, resposta a desastres) e na mídia (cinema, jornalismo, lazer). Entusiastas fazem até competições de drones.
As empresas de delivery propagandeiam o uso de drones na entrega de encomendas e fast food. Porém, até agora, o serviço não se consolidou. Mundo afora, existem diversas restrições ao deslocamento desses veículos em áreas urbanas. No Brasil, a regulamentação está sob responsabilidade da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Nenhum desses aparelhinhos pode voar a menos de 30 metros horizontais de distância de outras pessoas, e exige-se habilitação especial para operações acima de 400 pés (121,9 metros).
Para driblar essas limitações, por exemplo, a empresa americana Zipline foi desenvolver seus drones de asa fixa em Ruanda. A experiência consiste em entregar vacinas, remédios e bolsas de sangue por meio de veículos não tripulados que voam a 100 quilômetros por hora, com alcance de 160 quilômetros (ida e volta), evitando as estradas ruins do país. Se algum dia os Estados Unidos autorizarem a operação dos drones nas cidades, é bem provável que empresas como a Amazon comprem tecnologias como a da Zipline, que já estão avançadas, em vez de começar tudo do zero.
O acelerômetro e o giroscópio são usados em conjunto para estimar a orientação do drone, isto é, os três movimentos de rotação, auxiliados por um sensor vertical e uma câmera, que estimam a posição do drone — os três movimentos de translação. “No drone da nossa disciplina no Insper, usamos um sensor LiDAR, que emite uma onda eletromagnética que determina a distância vertical”, conta Bobrow, doutor em Engenharia Elétrica com ênfase em automação e controle pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Alguns modelos dispensam o LiDAR e a câmera empregando o GPS, que localiza o drone no plano 3D. Também é comum a utilização de um barômetro, que define a posição vertical conforme as variações da pressão atmosférica. Os drones mais avançados adotam um algoritmo de visão computacional — tecnologia bastante explorada nos carros autônomos — para mapear o terreno e fazer o drone voar sozinho. Ou reúnem todos. “Normalmente, utilizam-se sensores redundantes, para garantir que, se algum falhar, o veículo busque a informação em outro”, observa.
A tecnologia embarcada assegura a inteligência dos drones. Em caso de falha no equipamento de localização, os veículos são programados para voltar ao ponto de origem. “Alguns fabricantes travam, por meio do software, os voos próximos a aeroportos, estabelecendo um raio imaginário que o drone não ultrapassa”, afirma Bobrow. A visão computacional — campo aprimorado por pesquisas em machine learning e deep learning — rastreia os objetos existentes no percurso, detecta os obstáculos e autonavega o veículo, sem a interferência humana.
A densidade energética das baterias elétricas impõe algumas limitações ao produto, principalmente ao multirrotor. Para mantê-lo mais tempo no ar, uma alternativa seriam baterias maiores — que são mais pesadas, logo, gastam mais energia e não duram tanto na comparação. Quantos minutos de autonomia seria possível acrescentar para cada quilograma de bateria adicional? Existe uma limitação física e, na melhor das hipóteses, com as baterias de íon lítio, não se tem passado dos atuais 30 minutos de autonomia.
Um multirrotor carrega até o dobro do seu peso próprio. Porque, para pairar no ar, o motor precisa produzir uma força igual à força peso. O restante é a margem de manobra para subir e para descer. “Normalmente, eles são projetados para que a velocidade média da hélice garanta o voo. Alterando-se a velocidade, o drone vai mais para cima ou mais para baixo”, diz o engenheiro. No asa fixa, a relação entre peso próprio e carga é superior, porque o voo depende basicamente da velocidade. Uma vez no ar, basta manter energia suficiente para planar como um avião. Por sua vez, o modelo híbrido junta o melhor dos dois mundos, pois pode decolar na vertical, seguir em frente e parar quando quiser.
Outro desafiante, ainda pouco desenvolvido comercialmente, é o drone biomimético, inspirado nas formas da natureza. “O beija-flor já tem essas duas habilidades, de planar ou ficar parado batendo as asas. Só que ele tem um atuador flexível, seu corpo e suas asas, tecnologia ainda bem incipiente”, diz Bobrow. “O biomimético vai solucionar esse problema de uma forma eficiente, muito mais bonita. São milhões de anos de evolução e seleção natural, a estrutura fisiológica e o movimento desses organismos já são extremamente otimizados. Basta superarmos os desafios tecnológicos na replicação dessa estrutura flexível.”
Na disciplina Drones, os alunos recebem um modelo Crazyflie 2.0/2.1 e ficam responsáveis pelo kit até o final das aulas. Trata-se de um quadricóptero de pequeno porte, com cerca de 30 gramas e autonomia de sete minutos de voo, usado para desenvolvimento de código aberto. “O objetivo é controlar e pôr o drone para voar até o fim da disciplina. Ao final do curso, fazemos uma competição para ver o grupo que consegue voar por mais tempo”, conta o professor.
Os alunos sabem que toda tecnologia, quando surge, pode ser direcionada para o bem ou para o mal. “Os drones vão permitir muitas coisas boas, como a entrega super-rápida de vacinas e remédios. O carro e o avião deixaram o mundo menor, mas também são transformados em armas às vezes”, lamenta Bobrow. A guerra há de ser apenas uma página infeliz entre tantas possibilidades de aplicações elevadas.