18/05/2022
A economia baseada no uso de recursos alternativos e de base biológica representa uma grande oportunidade para o país, mas é preciso desatar os nós tecnológicos, econômicos e institucionais
Claudia Cheron König, pesquisadora do Insper Agro Global
Enfrentamos hoje várias consequências da ação humana sobre o meio ambiente, como as mudanças climáticas, a escassez de recursos e a pandemia da covid-19, que vêm acelerando várias ações de mitigação de impactos, restauração e produção. É um contexto muito favorável ao Brasil, país que detém a maior floresta tropical do mundo, representando entre 10% e 20% da biodiversidade mundial.
Bioeconomia é um campo difícil de definir e delimitar, pois, na prática, tudo o que tem vida e valor econômico pode entrar nesse conceito. No entanto, atualmente, o termo usualmente engloba recursos alternativos e de base biológica que necessitamos como sociedade: novas moléculas, novos materiais, novos combustíveis — mais sustentáveis no seu processo de produção e de uso. Em outras palavras, pode ser entendido como o caminho para uma economia madura e sustentável convergente com toda a discussão climática e ambiental em curso.
Segundo dados do Bio-based Industries Consortium (BIC), somente na Europa, a bioeconomia foi responsável por negócios da ordem de 2,4 trilhões de euros e gerou 18,5 milhões de empregos em 2020. As atividades do setor são prioridade em pelo menos metade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, englobando desde a segurança alimentar até a garantia de acesso a energia.
No Brasil, segundo estimativas da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), a bioeconomia tem um potencial para incrementar o PIB em cerca de 53 bilhões de dólares por ano. Só no Pará, em 2019, foram movimentados cerca de 5,4 bilhões de reais, com a geração de 224 mil empregos. Em 2021, pela primeira vez, o Fórum Mundial da Bioeconomia saiu da Finlândia, país tradicionalmente sede, e foi realizado no Pará, na Amazônia brasileira, um claro reconhecimento do nosso imenso potencial natural.
Há grande potencial no futuro, mas a bioeconomia já é uma realidade no Brasil e tem grande relevância econômica, com o agro brasileiro como seu principal vetor. Com uma matriz energética 45% renovável, o país é o segundo maior produtor mundial de etanol e vem ampliando a produção de biodiesel, biomassa (incluindo celulose), biometano e outras fontes limpas e renováveis.
O setor de bioinsumos e biofertilizantes tem ganhado os holofotes com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, assumindo o papel de prover alternativas para os desafios enfrentados pela agropecuária frente à dependência de fertilizantes, não apenas para o Brasil — maior importador e quarto maior consumidor mundial —, mas pensando no país como um fornecedor de alimentos fundamentais para a segurança alimentar do planeta.
A bioeconomia é, sem dúvida, uma grande oportunidade para o país, desde que sejam realizadas mudanças-chave para suprir os diversos desafios tecnológicos, econômicos e institucionais. O país precisa de políticas que ajudem essa transição para a sustentabilidade e que ajudem a estruturar o setor. Algumas das opções que temos não darão certo sozinhas, ou seja, precisam de apoio financeiro e governança, sem falar no enorme desafio que será auxiliar no treinamento do produtor para o uso dessas novas tecnologias e processos produtivos, para que sejam viáveis.
É importante destacar que não podermos falar de uma bioeconomia, assim como não podemos falar de um só Brasil. Diferentes cenários e territórios precisam de análises específicas — bioeconomia da floresta em pé, bioeconomia da borda da floresta, bioeconomia de sistemas agroflorestais, e assim por diante — e devemos ter uma ambição conjunta, que seja estratificada e analisada para cada tipo de território.
No aspecto tecnológico, a Embrapa vem desenvolvendo um bom trabalho, pensando em diversas frentes no contexto brasileiro, desde a captura de carbono no ar e sua utilização no solo, aumentando a fertilidade no longo prazo, até as alternativas de energia, com novas moléculas, e bioinsumos.
Porém, falta colocar a ciência na Amazônia, com descobertas de soluções dentro da floresta, por meio do conhecimento da biodiversidade, algo que ainda estamos longe de decifrar. Os dados são impressionantes: entre 2014 e 2020, foi descoberta uma espécie nova a cada dois dias, isso porque apenas 10% do programa de biodiversidade está localizado no estado do Amazonas.
Outro aspecto que não pode ser deixado de lado, principalmente no Brasil, é o social. Pequenos produtores rurais, comunidades indígenas e agroextrativistas que, nessa interação com a biodiversidade, traduzem com uma enorme riqueza de conhecimento o que pode ser transformado economicamente, contribuindo para a redução de pobreza e de exclusão social, além de aumentar a competitividade e o valor.
O Brasil precisa de uma visão central com uma coordenação entre as instituições para o desenvolvimento da bioeconomia no país, considerando os aspectos sociais, as inovações tecnológicas e a diversidade territorial.
Um plano nacional para a biodiversidade é o caminho certo, com a discussão entre vários organismos e esferas do governo — a exemplo do que países mais avançados nessa agenda vêm construindo —, integrando diferentes enfoques, definindo uma governança nacional, abordando os aspectos da sociobiodiversidade, com orientação de uma política sustentável para impulsionar as tecnologias que não vão voar sozinha, disponibilizando financiamento, ajudando as novas indústrias que venham a se estabelecer nesse contexto de bioeconomia, para que, com o tempo, consigam caminhar por conta própria.
Em termos de recursos naturais e tecnológicos para produzir o que é importante, que é a matéria prima, temos condições de estar à frente de qualquer país do mundo. Se tivermos o apoio governamental necessário, o empresariado que é maduro, o produtor que fez a diferença na produção agrícola mundial, conseguiremos ser o protagonista na bioeconomia.
Transformar esta vantagem comparativa em competitiva exige investimento, conhecimento e estratégia para tornar o país uma potência, aproveitando a riqueza secreta da floresta, gerando renda e riqueza para os moradores locais, do Brasil e do mundo. A bioeconomia deve ser entendida como um vetor de descarbonização, inovação e avanço de tecnologia, e os bioinsumos são uma necessidade urgente que temos de enfrentar agora. Os tesouros de hoje não são mais os minérios preciosos, mas os códigos genéticos. É um novo e vasto campo que se descortina.