10/08/2015
A instalação de CPI do BNDES na Câmara reacende debate sobre política de criação de conglomerados globais
A Câmara dos Deputados instalou, na semana passada, a CPI do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Um dos objetivos declarados da CPI é investigar os empréstimos do BNDES para a política de criação de “campeões nacionais”: grandes empresas com musculatura para se tornarem líderes globais. Inspirada no exemplo da Coreia do Sul, que forjou grandes conglomerados, como a Samsung e a Hyundai, a política de campeões nacionais foi encerrada pelo BNDES em 2013. Falta dinheiro, e a avaliação objetiva dos resultados não é das melhores. Além disso, tal política é frequentemente responsabilizada pelo desequilíbrio das contas públicas, mas continua a gerar grandes controvérsias sobre seus resultados. Com a instalação da CPI, o debate sobre os campeões nacionais deve voltar a esquentar – e ÉPOCA publica, a seguir, artigos com argumentos a favor e contra a política.
O BNDES contribuiu para o crescimento das empresas, viabilizando suas estratégias e fortalecendo suas competências.
André Salcedo e Felipe Silveira Marques
O BNDES contribuiu para o crescimento das empresas O BNDES apoia o fortalecimento de setores e empresas nacionais como forma de gerar mais e melhores empregos, aumentar exportações e elevar a capacidade de inovação do país. O BNDES considera inadequado o termo “campeões nacionais”, porque ele pressupõe a concessão de privilégios para poucas empresas escolhidas. Nada mais distante das práticas e dos objetivos da ação do banco.
Em geral, o apoio do BNDES é feito via crédito. Por esse instrumento, o BNDES chega a um crescente número de empresas. Em 2014, foram apoiadas 277 mil empresas, seis vezes mais do que em 2007, sendo que micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) representam 50% do desembolso para indústria, agropecuária, comércio e serviços. Nos últimos cinco anos, houve uma incorporação de mais de 485 mil novos clientes.
Em alguns casos, contudo, a ousadia do piano de investimentos ou a estrutura de capital das empresas não permitem o apoio via crédito. Para suprir essa lacuna, o banco criou, a partir de 1974, subsidiárias para investimentos de renda variável, que em 1982 formaram a BNDESPAR.
Esses investimentos foram importantes para a consolidação de diversos setores como a indústria nacional de celulose. De 1974 a 1985, o banco aportou recursos na forma de participação acionária em 27 empresas, que permitiram que o país se tornasse líder na produção mundial de celulose de fibra curta. Hoje, por exemplo, a BNDESPAR é a principal investidora do país em fundos de capital de risco e de capital semente, como o Criatec.
A verdade é que o BNDES não escolhe vencedores e está aberto a analisar projetos de todas as empresas idôneas, com classificação de risco aceitável e que cumpram obrigações fiscais e trabalhistas. O BNDES chega a grande parte das maiores empresas do país: entre 2007 e 2012, o banco apoiou 91 das 100 maiores empresas e 783 entre as 1.000 maiores. O mercado, contudo, seleciona empresas que se mostram bem-sucedidas e capazes de elaborar planos de negócio viáveis, que são avaliadas pelo BNDES tanto em relação a operações de crédito quanto de participação acionária.
A BNDESPAR atua com taxas de mercado e tem como fonte de recursos o giro de sua carteira, não utiliza recursos em TJLP do Tesouro Nacional ou do FAT. Ela é grande geradora de lucros: entre 2007 e 2014, sua contribuição para o lucro do Sistema BNDES foi de cerca de R$ 23,4 bilhões, ou 40% do total, o dobro de sua participação media nos ativos do BNDES.
A BNDESPAR tem investimentos em 23 setores e mais de 280 empresas (diretamente ou via fundos). A diversificação da carteira permite mitigar riscos de um investimento específico e analisar o desempenho financeiro sob a ética do portfólio e nunca de forma isolada. Contudo, mesmo em setores questionados como o de carnes, que foi apoiado em consonância com as políticas públicas setoriais, o saldo dos investimentos é positivo, com retorno atual da ordem de RS 5 bilhões, considerando toda a carteira do setor.
A atuação da BNDESPAR favorece o mercado de capitais. Ela amplia a liquidez, incentivando a formação de investidores e fortalecendo a estrutura de capital das empresas. Além de atuar com empresas que já são de capital aberto, o banco também opera para estimular novos entrantes no mercado de capitais. Incentiva boas práticas de governança, o que inclui, como contrapartida a seus investimentos, exigências de abertura de capital no Novo Mercado ou nível equivalente.
Para analisar parte da contribuição da BNDESPAR à sociedade, o banco, em parceria com o CGEE (Centro de Gestão de Estudos Estratégicos), mobilizou pesquisadores externos para analisar o crescimento de grandes empresas nacionais com destaque internacional em seus setores e a contribuição do apoio da BNDESPAR, com foco no desenvolvimento de competências e impactos setoriais e sociais. As conclusões dos pesquisadores apontam que o banco contribuiu para o crescimento dessas empresas, aportando recursos no montante e nos prazos necessários para viabilizar suas estratégias, fortalecendo suas competências, como inovação e gestão socioambiental, além de estimular o mercado de capitais.
O banco ajudou a estruturar o primeiro IPO nacional no setor de software e, no caso de carnes, contribuiu para a evolução da governança, transparência e gestão socioambiental, a assunção de posição de destaque internacional e a expressiva redução da informalidade (de 40% em 1999 para menos de 10% em 2014 ), com reflexos na qualidade dos produtos que chegam ao consumidor e na formalização das relações no setor.
Em suma, o aumento do acesso das MPMEs ao BNDES é uma das prioridades do banco e vem sendo conseguido por instrumentos inovadores, como o Cartão BNDES e o Fundo Garantidor de Investimentos (FGI). Também a BNDESPAR apoia diretamente ou via fundos centenas de empresas, a custo de mercado e gerando lucro para o banco. Nesse processo, nota-se fortalecimento da governança das empresas e de suas competências e contribuição para o desenvolvimento do mercado de capitais nacional.
André Salcedo é mestre em engenharia pela PUC-Rio e assessor chefe da Diretoria Responsável pelas áreas de Indústria, Mercado de Capitais e Capital Empreendedor do BNDES.
Felipe Silveira Marques é doutor em economia pelo IE-UFRJ e assessor da Diretoria responsável pelas áreas do Planejamento, Pesquisa Econômica e Gestão de Risco do BNDES. A produtividade estagnou na maioria dos setores apoiados pelo BNDES.
A produtividade estagnou na maioria dos setores apoiados pela BNDES. Muitos projetos poderiam ser financiados sem recursos públicos.
Marcos Lisboa e Sério Lazzarini
Desde meados da década passada, o Brasil vivenciou a retomada da estratégia nacional desenvolvimentista adotada em vários momentos do século passado. Mesmo antes da crise, já havia movimentos para fortalecer o protagonismo estatal e o aumento dos estímulos para a formação de grandes grupos empresariais que, em tese, conquistariam mercados internacionais. A fusão 01-Brasil Telecom em 2008, por exemplo, foi impulsionada por injeção de capital do BNDES, Banco do Brasil e fundos de pensão .
Assim como após o choque do petróleo em 1979, a estratégia dos últimos anos teve como objetivo garantir o crescimento econômico em meio a um cenário externo adverso. O argumento era relativamente simples. A expansão da produção seria mantida com a concessão de incentivos a setores e empresas selecionados por meio de crédito subsidiado e a maior proteção da produção doméstica contra a concorrência externa.
Tanto agora como nos anos 1970, no entanto, o processo terminou com uma grave crise fiscal, pressão inflacionária e a estagnação da economia, com alguns anos de recessão.
Políticas de proteção setorial resultam em custos para o restante da economia. Subsídios consomem recursos que poderiam ser utilizados em políticas sociais, redução da carga tributária, liberando recursos para o setor privado, ou em maior equilíbrio fiscal, fortalecendo a estabilidade macroeconômica. Além disso, podem preservar empresas ineficientes e prejudicar a produtividade e o crescimento dos demais setores.
Essas políticas podem ser eficazes em casos específicos, desde que os setores se tornem eficientes, que a proteção possa ser retirada posteriormente, para beneficio do restante da sociedade, e que compensem os seus custos de implantação.
Por essas razões, a boa prática requer que sejam acompanhadas de avaliação cuidadosa de resultados, preferencialmente com grupos de controle, e comparadas com as alternativas de política pública. Metas de desempenho, controle transparente dos custos e dos resultados obtidos são importantes para garantir que as políticas resultem nos benefícios esperados e que, em caso de fracasso, possam ser tempestivamente revistas.
No caso do Brasil, porém, foi outra a prática e outro o resultado. Inúmeros estudos, inclusive feitos pelo próprio BNDES, indicam que houve pouco impacto sobre a produtividade e o investimento. Desde 2003, o crédito do banco sobre o PIB saltou de 5% para 12%, enquanto a formação bruta de capital fixo pouco se moveu para além do patamar de 17%-18%. A produtividade estagnou na maioria dos setores, inclusive em muitos apoiados pelo banco.
A explicação é simples. A expansão do banco ocorreu justamente em um período em que o Brasil se beneficiou de uma melhora no preço das commodities e das condições de crédito. Superada a fase inicial da crise, os mercados emergentes passaram a crescer novamente, e o Brasil não foi exceção. Muitos projetos poderiam ser financiados sem recursos públicos, que apenas substituíram o crédito privado. A função primordial do banco, no entanto, seria suportar investimentos com retorno social sem financiamento privado por imperfeições do mercado de crédito.
As políticas de proteção tiveram o efeito colateral de reduzir a pressão competitiva no mercado doméstico e os incentivos para o investimento em produtividade, além de reduzir a participação das empresas nas cadeias globais de produção. A falta de critério para acompanhar, avaliar e, eventualmente, cessar os subsídios incentivou a expectativa de suporte perene, independente do desempenho das empresas.
Apesar de os defensores das políticas utilizarem o modelo coreano como justificativa, a execução destoou da boa prática adotada naquele modelo, como as metas de desempenho e a gestão de resultados. Além disso, na Garcia foram feitos grandes investimentos em educação e infraestrutura, que reduziram as restrições de recursos privados e ampliaram o efeito dos incentives públicos direcionados ao desenvolvimento empresarial.
Os procedimentos para a concessão de incentivos, a avaliação de resultados e a correção de rumos são relevantes para o sucesso ou fracasso das políticas. Aprender com os erros ajuda a evitar que sejam repetidos. Que ao menos nisso o resgate do nacional desenvolvimentismo dos últimos anos seja distinto da estratégia adotada nos anos 1970.
Marcos Lisboa é economista e diretor presidente do Insper, escola de administração, economia, direito e engenharia de São Paulo.
Sérgio Lazzarini é engenheiro-agrônomo com mestrado e doutorado em administração em negócios. É diretor da pós-graduação stricto sensu do Insper.
Revista Época – Autor: Não Assinado
Data: 10/08/2015