21/06/2022
Estudo aponta as vantagens de combinar a liderança compartilhada com a figura de um líder capaz de inspirar e dar um senso de direção para a equipe
A liderança compartilhada é aquela que distribui amplamente a responsabilidade de liderança entre as pessoas dentro de uma equipe ou organização. É conhecida também como liderança horizontal, em contraste com a liderança vertical tradicional, na qual o papel de líder se concentra em um indivíduo.
Embora estimule o trabalho em equipe, motive os membros e tenha outros benefícios, a liderança compartilhada, por si só, pode não ser suficiente para gerar um impacto positivo nos resultados da organização. É preciso combiná-la com formas verticais de liderança, como a liderança transformacional, centrada na figura de uma pessoa capaz de exercer uma influência positiva em seus liderados.
É o que aponta o estudo “Joint Effects of Shared and Transformational Leadership on Performance in Street-Level Bureaucracies: Evidence from the Educational Sector”, que examinou os efeitos conjuntos de liderança compartilhada e transformacional no empoderamento da equipe e no desempenho de escolas públicas.
O estudo foi realizado pelos pesquisadores Gustavo Tavares, professor de liderança e comportamento organizacional no Insper, Urszula Lagowska, professora no departamento de pessoas e organizações da Escola de Negócios Neoma, na França, e Filipe Sobral, professor de liderança e comportamento organizacional na Fundação Getulio Vargas.
Na entrevista a seguir, o pesquisador Gustavo Tavares fala sobre quais foram as motivações e os principais achados do estudo.
Poderia, antes de mais nada, explicar alguns conceitos utilizados no estudo: o que é liderança compartilhada e liderança transformacional?
A liderança compartilhada se caracteriza pela distribuição da liderança entre os empregados e pela participação ativa deles nas decisões da organização, em vez de essas funções ficarem concentradas apenas no gestor formal. Quando existe liderança compartilhada na organização, os empregados têm motivação e liberdade para assumir a liderança de projetos e gozam de maior autonomia. O contrário da liderança compartilhada seria uma liderança centralizada — na figura do diretor de escola, por exemplo. A liderança compartilhada não existe em uma pessoa — não é um estilo pessoal de liderança —, ela existe na organização. No nosso estudo, chamamos a liderança compartilhada de liderança horizontal, uma vez que a influência também é lateral entre os pares, não apenas “de cima para baixo”.
Já a liderança transformacional é centrada na figura de uma pessoa. Nesse estudo, focamos na figura do diretor da escola. Líderes transformacionais são aqueles que exercem influência sobre seus liderados por meio de mensagens inspiradoras, comportamento exemplar, articulação de uma visão de futuro clara e atraente e estabelecimento de metas desafiadoras, bem como suporte individual aos empregados. No estudo, chamamos a liderança transformacional de liderança vertical, uma vez que é exercida “de cima para baixo”, ou seja, do diretor para os demais funcionários da escola.
Note que em uma organização pode haver liderança compartilhada, mas não haver a presença de um líder transformacional. De maneira geral, o que propomos é que a liderança compartilhada apenas se traduz em melhores resultados organizacionais quando há também a presença de uma liderança transformacional (vertical) que dá direção e mobiliza as pessoas.
Em que sentido a liderança no setor público é diferente daquela que se observa no setor privado? Suas características são distintas?
No setor público há menos possibilidades de motivar e mobilizar os empregados por meio de recompensas, bônus ou promoções, que são exemplos de motivadores extrínsecos. Portanto, no setor público, formas de liderança que agem sobre a motivação intrínseca dos empregados — uma motivação baseada no interesse genuíno e na percepção de propósito no trabalho — se tornam ainda mais importantes. Tanto a liderança compartilhada quanto a transformacional estão relacionadas à motivação intrínseca. Além disso, no setor público, especialmente no contexto de organizações que lidam diretamente com os beneficiários, como as escolas, há um senso de missão pública que pode ser muito bem aproveitado pela liderança transformacional.
Qual foi o principal objetivo do estudo realizado pela equipe?
Testar a hipótese de que liderança compartilhada, por si só, não é suficiente para gerar melhores resultados na organização. É preciso combiná-la com formas “verticais” de liderança, como a liderança transformacional. Ou seja, é preciso também uma liderança forte de quem está no comando da organização. Sem um senso de direção claro, alinhamento entre pessoas e metas bem definidas, que são proporcionadas pela liderança transformacional “vertical”, a liderança compartilhada (“horizontal”) pode levar a conflitos disfuncionais, baixa coesão e desalinhamento entre os empregados. Infelizmente, muitos gestores se abstêm do dever de liderar com o pretexto de estarem fomentando uma liderança mais compartilhada. Isso é um erro. Nossa intenção foi mostrar que as duas formas de liderança (horizontal e vertical) podem — e devem — caminhar juntas.
Por que vocês escolheram estudar o efeito da liderança compartilhada e transformacional especificamente no desempenho na chamada “burocracia de nível de rua”?
Burocracias de nível de rua são aquelas que lidam diretamente com os usuários. Esse contato direto com o usuário exige maior autonomia dos agentes públicos, uma vez que eles precisam lidar com situações diferentes o tempo todo. É importante que esses agentes públicos tenham capacidade de iniciativa — e liderança — para mobilizar pessoas e recursos e lidar com as diferentes demandas dos usuários. Isso reforça a importância de haver a liderança compartilhada nesse tipo de organização.
Por outro lado, o maior contato com os beneficiários deixa ainda mais evidente o senso de missão pública e impacto social para os empregados. Isso possibilita a existência de uma liderança transformacional que articula objetivos de impacto social e inspira os funcionários por meio disso. Acreditamos que em burocracias mais distantes do nível de rua, os efeitos da liderança compartilhada e transformacional seriam menos evidentes, uma vez que o trabalho puramente administrativo é mais repetitivo e padronizado, bem como permite menor percepção de impacto social pelos funcionários.
Qual foi o principal achado ou conclusão do estudo?
Encontramos evidências de que escolas que possuem tanto a liderança compartilhada quanto um diretor que exerce uma liderança transformacional possuem uma equipe mais motivada e alcança maiores resultados no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, utilizado para medir a qualidade da educação no Brasil]. Quando existe apenas liderança compartilhada sem a presença de um líder transformacional, esses efeitos não aparecem. Ou seja, nosso principal achado é que as formas verticais e horizontais de liderança não são mutuamente excludentes. Na realidade, há um efeito de sinergia entre elas. É importante que líderes sejam capazes de criar ambientes em que a liderança compartilhada possa emergir e, ao mesmo tempo, exerçam uma liderança forte que ofereça direção, alinhamento e mobilização.
Vocês planejam algum próximo passo para aprofundar as investigações?
Temos o interesse de entender quais estratégias podem ser utilizadas tanto para promover a liderança compartilhada nas organizações quanto para selecionar e desenvolver líderes transformacionais no setor público.
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