14/03/2014
Opções para cortar gasto com seguro- desemprego.
Para reduzir as despesas com o seguro-desemprego e o abono salarial, pouco pode ser feito sem alterações legais, mas algumas medidas não precisariam passar pelo Congresso. Uma delas é a regulamentação de artigo da Constituição que prevê a criação de contribuição adicional da empresa em que a rotatividade dos trabalhadores supere a média do setor.
Outra mudança, cogitada por técnicos da área econômica, é a restrição do número de parcelas do seguro, que hoje varia entre três e cinco no primeiro pedido. Pela proposta, a partir da segunda solicitação o trabalhador teria entre duas e quatro parcelas e, na terceira, entre uma e três parcelas.
Essas mudanças estão sendo avaliadas diante do aumento expressivo dos gastos com o seguro-desemprego, em um contexto de redução da desocupação. Eventuais modificações, no entanto, podem não ser suficientes para estancar o avanço das despesas. Mais do que a alta da rotatividade, a formalização do mercado de trabalho e, principalmente, os aumentos salariais expressivos explicam o gasto crescente com o benefício, segundo estudo do Insper.
Opções para abono salarial e seguro não avançam
Para reduzir as despesas com seguro-desemprego e abono salarial, pouco pode ser feito sem alteração nas leis existentes. Há, porém, algumas medidas que não precisam passar pelo Congresso Nacional. Uma delas é a regulamentação do artigo 239 da Constituição Federal, que prevê a criação de uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho supere o índice médio da rotatividade do setor.
Outra mudança, cogitada por técnicos da área econômica, é a restrição do número de parcelas do seguro, que hoje varia entre três e cinco no primeiro pedido. Pela proposta, a partir da segunda solicitação, o trabalhador teria entre duas e quatro parcelas e no terceiro, o benefício ficaria entre uma e três parcelas. O período de carência entre um pedido e outro, atualmente de 16 meses, também poderia ser ampliado.
Essas poderiam ser mudanças no âmbito do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) com efeito mais imediato no fluxo de ambas as despesas. Embora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tenha declarado que trabalha, junto com as centrais sindicais, em providências imediatas, a última reunião para discutir o assunto ocorreu em dezembro e não houve acordo nem há novos encontros agendados.
O presidente do Codefat, Quintino Severo, disse que a restrição a parcelas do seguro-desemprego poderia ser implementada apenas com a aprovação de resolução pelo conselho. Não houve, porém, uma proposta formal nem o conselho está disposto a aprovar algo nessa direção. “A ideia foi ventilada, mas não ouvi falar mais do assunto. O governo não teria voto suficiente para emplacar isso”, afirmou.
Os gastos do FAT com ambos os benefícios têm sido crescentes de forma acelerada. Com o seguro-desemprego foram de R$ 31,902 bilhões em 2013 ante R$ 27,613 bilhões do ano anterior, um aumento de 15,53%. No caso do abono salarial, a despesas saltou 18,8%, passando de R$ 12,336 bilhões em 2012 para R$ 14,658 bilhões em 2013.
Para financiar esses gastos o Tesouro Nacional tem injetado cada vez mais recursos no fundo. Em 2012, o FAT havia apresentado um resultado nominal positivo de R$ 2,974 bilhões. Em 2013, no entanto, houve déficit de R$ 10,365 bilhões, segundo boletim de informações financeiras do fundo do trabalhador. A expectativa é que no fim deste ano haja um déficit de R$ 13,8 bilhões.
Segundo Severo, um debate que tem avançado entre os representantes do Codefat e técnicos do Ministério do Trabalho é a criação de um “Sistema Único de Emprego” para melhorar a qualidade da intermediação da mão de obra. A medida daria maior eficiência ao Sistema Nacional de Emprego (Sine) e para os programas de qualificação profissional.
Dessa maneira, o trabalhador retornaria mais rapidamente ao mercado de trabalho, o que poderia diminuir as solicitações por seguro-desemprego. “A intenção é aprovar esse sistema este ano, mas a economia só virá no médio prazo. É uma medida estrutural para racionalização de recursos”, comentou.
No que diz respeito ao abono salarial, o governo apresentou em dezembro a proposta de aumento no número de meses trabalhados para que o benefício seja liberado, para algo entre três e seis meses. Atualmente, apenas com um mês de trabalho no ano, o empregado tem direito ao abono salarial integral. O benefício é correspondente a um salário mínimo (R$ 724) independentemente do número de meses trabalhados. Essa sugestão, no entanto, não foi aceita pelos sindicalistas. A área econômica não apresentou nova proposta.
Há alguns anos a área econômica chama a atenção para o aumento das despesas com abono salarial e seguro-desemprego. Uma parte dessa elevação está diretamente relacionada com o aumento do número de pessoas contratadas com carteira assinada no país, assim como a melhora do salário mínimo. Porém, o governo não descarta a possibilidade de fraude.
Formalização e reajustes levaram à alta do benefício
Diante da forte alta dos gastos com o seguro-desemprego em um contexto de redução da desocupação, o governo tem cogitado mudanças para conter o impacto da rotatividade dos trabalhadores – identificada como uma das principais causas do movimento.
Eventuais mudanças nesse sentido podem, contudo, não ser suficientes para estancar o avanço dos gastos. Mais do que a alta da rotatividade, a formalização do mercado de trabalho e, em especial, os aumentos salariais expressivos dos últimos anos explicam as despesas crescentes com o benefício. É o que defende um estudo dos pesquisadores Naercio Menezes Filho, Pedro Cabanas e Bruno Komatsu, do Centro de Políticas Públicas (CPP) do Instituto de Ensino e Pesquisa ( Insper).
Em valores constantes de 2012, os gastos do governo com o seguro-desemprego quase triplicaram, passando de R$ 11 bilhões em 2002 para R$ 28,4 bilhões. No período, também a preços constantes, enquanto o número de beneficiários cresceu a um taxa anual de 5,6%, os gastos cresceram 10%. A alta da rotatividade no trabalho poderia justificar a elevação dos gastos porque expandiria o número de possíveis candidatos ao benefício entre empregados formais.
O trabalho dos pesquisadores, no entanto, indica que a taxa de rotatividade de empregados contratados sob o regime celetista cresceu pouco nos últimos anos, de 41% em 2003 para 43,9% em 2011, segundo dados mais recentes do Ministério do Trabalho. Em um período um pouco mais longo, até 2013, uma redução pequena na duração média do vínculo empregatício, de 67 meses em 2003 para 64 meses em 2013, também mostra-se insuficiente para justificar o forte aumento dos gastos com o benefício.
Por outro lado, a formalização do mercado de trabalho só cresceu. Enquanto a proporção dos que recebem o seguro-desemprego se manteve estável no período, a proporção de indivíduos com carteira assinada no setor privado no total de empregados passou de 53% em 2003 para 66% em 2013 nas seis regiões metropolitanas abrangidas pela Pesquisa Mensal do Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números, segundo Menezes Filho, são muito parecidos com o do país como um todo, indicando alta de cerca de 13 pontos na taxa de formalização.
Como só quem pode receber o seguro-desemprego é o trabalhador do setor formal, diz Menezes Filho, um aumento da formalização traz consigo um aumento nos gastos com seguro-desemprego, mesmo que a rotatividade tenha se mantido constante porque há mais pessoas com direito ao benefício.
Além do crescimento do número de beneficiários do seguro-desemprego via formalização, o estudo indica ainda que a elevação do valor das parcelas do benefício – determinado pelos aumentos das médias salariais recentes e pelos reajustes do governo -, se revela outra forte justificativa ao aumento das despesas.
O piso do valor do seguro-desemprego segue a trajetória do salário mínimo, que tem crescido bem acima da inflação nos últimos anos. Já o valor máximo das parcelas do benefício apresenta variação superior à do salário médio nos últimos anos. Entre 2003 e 2013, o salário mínimo subiu cerca de 70%. Em igual período, o salário médio do trabalhador avançou por volta de 20%, para R$ 1.659, enquanto a parcela máxima do benefício saltou cerca de 70%, de R$ 715 para R$ 1.236.
Em algumas simulações, o estudo mostra ainda que, mantido constante o valor das parcelas do seguro-desemprego, ou seja, levando-se em conta que o aumento tivesse só acompanhado o número de beneficiários, os gastos teriam diminuído 14% entre 2003 e 2008 e subido 9% entre 2008 e 2013.
Já mantido constante o fluxo de indivíduos que saíram de empregos formais – deixando, portanto, livre a variação das parcelas -, os gastos teriam crescido 41% entre 2003 e 2008 e 51% entre 2008 e 2013, o que confirma a contribuição expressiva do valor das parcelas para o aumento dos gastos.
O estudo não deixa de apontar, contudo, que é possível que as regras do seguro-desemprego abram espaço para o atraso na procura por um novo emprego, uma vez que o mercado de trabalho segue aquecido. Ainda assim, ressalta Menezes Filho, se a ideia é explicar o aumento dos gastos com o seguro-desemprego, rotatividade e possíveis fraudes ficam longe do intento. “A alta dos gastos é uma decorrência normal do aumento do mínimo e da formalização, que, na verdade, são coisas boas. Então o governo vai ter que conviver com isso”.
Fonte: Valor Econômico – 12/03/2014