01/09/2016
TVs transmitem depoimento de Dilma: 14 horas diante dos senadores
A presença de Dilma Rousseff no plenário do Senado para fazer pessoalmente sua defesa no julgamento de impeachment nesta segunda-feira (29) terá consequências mais simbólicas do que práticas no desfecho da atual crise política brasileira.
Ao falar aos senadores por cerca de 14 horas, Dilma tinha diante de si um quadro praticamente definido, com a maioria dos parlamentares convencida a votar pelo seu afastamento definitivo do Palácio do Planalto.
Nesse contexto, a petista se esforçou em tentar deixar um registro histórico, no qual buscou deslegitimar o processo de impeachment, justificar medidas de seu governo e fazer previsões sobre uma gestão de Michel Temer, herdeiro do comando do país.
Para o cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do ABC paulista, “não tem ganhador nesse processo [de impeachment]”. O que resta, na opinião dele, é “um sentimento antipolítico muito forte” na sociedade.
Marchetti faz uma comparação com o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Em 1992, “as forças políticas conseguiram se reorganizar rapidamente. Houve o crescimento de uma centro-esquerda, do PSDB”, afirmou. “Hoje eu não vejo esse movimento.”
Tanto Marchetti quanto Carlos Melo, cientista político do Insper (Instituto de Pesquisa e Ensino Superior), consideram que Dilma não teve realmente a pretensão de alterar a disposição dos senadores na votação final programada para ocorrer na madrugada desta quarta-feira (31) – a sessão será retomada às 10 horas de terça-feira (30), mas em razão dos discursos dos parlamentares ela deve adentrar o dia seguinte.
Para Melo, Dilma falou para sua base social. O efeito prático desse discurso no restante da sociedade, segundo ele, só poderá ser avaliado a médio e longo prazo e dependerá do desempenho do presidente interino Michel Temer, cuja efetivação no comando do país é dada como certa.
Qual era o objetivo do discurso de Dilma?
Carlos Melo O objetivo era consolidar o ponto de vista dela e do PT, [consolidar] a narrativa de que ela foi vítima de uma grande conspiração à qual ela dá o nome de golpe parlamentar. O objetivo era reafirmar que tudo começa a partir do fato de ela não ter se disposto a aceitar a chantagem do [deputado afastado Eduardo] Cunha [PMDB-RJ] e, a partir desse mal relacionamento com um deputado que ela diz que é um criminoso notório tudo teria se precipitado. Ela não admite erros do governo. A questão econômica era antes de tudo um problema da economia internacional. Faltou o mea culpa e talvez o objetivo seja exatamente esse: dizer que o governo dela foi correto e não teve culpa nenhuma. Ela falou mais para a sua própria base social.
Vitor Marchetti Ela não tinha o objetivo de reverter votos. Já era um jogo jogado e não acho que o discurso tenha sido calibrado nessa direção. O discurso estava olhando para frente, para dar um sinal para uma base política partidária que vai ser importante para a recomposição do campo da esquerda, para dar esse ânimo. O debate sobre usar ou não a palavra golpe serviu para criar um clima de que o discurso foi duro.
Ela atingiu o próprio objetivo?
Carlos Melo Considerando que o objetivo não passava exatamente por alterar o voto dos senadores, nós só poderemos avaliar com o tempo. Essa narrativa só ganha substância à medida que o desempenho do governo que assumiu, de [Michel] Temer, seja sofrível e faça água, à medida que ela possa mostrar que há coisas ruins que acontecem no governo Temer e que no governo dela não seriam assim. O sucesso desse discurso, então, só pode ser mensurado no médio e longo prazo. Esse discurso não tem nenhum efeito para as próximas eleições – sejam as eleições de outubro, para prefeito, sejam as eleições presidenciais de outubro de 2018, a menos que haja um grande desastre econômico ou o recrudescimento da Operação Lava Jato. Aí essa narrativa vai ganhar um outro status.
Vitor Marchetti Acho que [atingiu] sim. O discurso serve mais para reorganizar o campo da esquerda do que para o PT, que sai em grande dificuldade desse processo. Me lembrou muito, acompanhando a reação de simpatizantes e militantes, o clima que se criou na campanha de 2014. Ela foi eleita com uma mobilização de militância que há muito não se via e agora se reconecta com 2014.
Para além dos votos dos senadores, que impacto esse discurso tem na reorganização do PT ou da esquerda?
Carlos Melo O PT e a Dilma ganharam bastante autonomia um em relação ao outro recentemente. A Dilma está preocupada com a biografia dela mesma e o PT está mais comprometido e mais preocupado em dar um texto hoje para essa agonia do governo Dilma. O discurso dela não tende a fortalecer o PT no curto prazo, nem em 2018. Sinceramente, a minha impressão é que o efeito desse discurso é muito pequeno para além de um grupo político ainda muito vinculado ao PT. Mais do que pregar para convertidos, ela prega hoje para um certo fundamentalismo. É um fundamentalismo de quem se recusa a olhar para a realidade. É evidente que o governo do PT teve méritos, mas teve erros também. É preciso fazer um balanço, corrigir defeitos e investir nos méritos. Agora, à medida que não reconhece os defeitos, você corre o risco de não se fazer ouvir e os méritos também se perdem nesse cipoal de meias verdades.
Vitor Marchetti [A fala de Dilma] institucionaliza o discurso de que é um golpe parlamentar, uma ruptura institucional por não aceitação do resultado da eleição [de 2014]. Ao mesmo tempo, vai dando o clima de como vai ser a oposição ao governo Temer. Parece que vai ser um discurso contra o ajuste fiscal, apesar de que quem começou a fazer o ajuste foi ela. Na fala no Senado, a própria Dilma disse que os gastos [atuais] são altos, mas que investimento estatal é importante para que a economia volte a crescer.
Expresso 6 pontos centrais do discurso de Dilma no julgamento do impeachment
Fonte: Nexo Jornal – 30/08/2016