05/08/2014
DILMA APROFUNDOU AS MEDIDAS LANÇADAS POR LULA APÓS A CRISE MUNDIAL. NÃO DEU CERTO MAS PELO MENOS TEMOS LIÇÕES PARA NÃO ESQUECER MAIS.
Nos últimos três anos e meio, as autoridades que comandam a economia no Brasil se acostumaram a mesma explicação a cada vez que era preciso dar uma má noticia,como o a inflação, o breque no crescimento ou o os investimentos: a culpa, diziam. devia ser atribuída aos efeitos da crise mundial que assolou o mundo em 2008. Há um fundo de verdade nessa afirmação. As origens das ameaças que o país agora enfrenta estão nas medidas adotadas no fim do governo Lula para conter a crise – foi quando o governo começou a lançar mão dos estímulos ao crédito e ao consumo e aumentou sua presença na economia.
É bom que se diga que. naquele momento, essas iniciativas cumpriram seu papel. e o Brasil saiu razoavelmente incólume da tormenta. Mas o sucesso parece ter subido à cabeça – e o que era para ser temporário se tornou permanente. Foi assim que o governo da presidente Dilma Rousseff pôs suas fichas no que ficou conhecido como Nova Matriz Econômica. O resultado está ai para todo mundo ver. A politica de forjar, à base de crédito subsidiada campeões nacionais para competir no jogo global deu origem a fracassos retumbantes. Os estímulos a determinados setores industriais não foram capazes de aumentar o investimento ou de gerar crescimento. A redução por decreto das tarifas de energia e a contenção no preço dos combustíveis desarranjaram setores como o elétrico e o de etanol e colocaram em risco o futuro da Petrobras.
O mínimo que se espera dessa experiência é que possa se aprender algo de útil. EXAME ouviu dezenas de economistas e consultores para identificar as principais lições a ser extraídas dos últimos anos, elas ajudam a compor um diagnóstico sobre o que fizemos de errado e o que é preciso fazer para que os desajustes provocados na economia brasileira sejam consertados. Mas que seja logo. Basta olhar para alguns vizinhos – a Argentina e a Venezuela são exemplos notórios – para perceber que o estrago que esse tipo de política pode causar é imensamente maior do que o que vimos até aqui.
SEM FUNDAMENTOS NÃO DÁ PARA CRESCER
Há quem diga que tudo na vida precisa de um alicerce – desde um relacionamento até um edifício de 50 andares. Com uma economia, vale a mesma coisa. Por isso, foi uma grande conquista do Brasil a introdução, em 1999, de uma política econômica com foco em três indicadores: a taxa de inflação próxima de uma meta preestabelecida, a dívida pública sob controle e o câmbio com liberdade para variar conforme a lei da oferta e da demanda.
A estratégia foi batizada de “tripé macroeconômico”. Deu certo. Sem pirotecnias, aos poucos a política econômica brasileira passou a ser levada a sério – o que certamente ajudou o país a chegar a uma média de expansão de 4% ao ano na primeira década do século 21.
Tudo ia bem até a crise de 2008. Para combater a recessão, o governo relaxou a vigilância da inflação e encorpou os gastos públicos. Isso serviu para o Brasil escapar da crise – depois de ter caído 0,3% em 2009. O PIB avançou 7,5% no ano seguinte. O problema foi que, passado o pior, a política do tripé de fundamentos não foi retomada. A direção mudou radicalmente. Com expansão fiscal, juros baixos e câmbio depreciado, sua finalidade era elevar o crescimento e as exportações industriais. Quando a presidente Dilma Rousseff assumiu, em 2011, essa orientação foi reforçada. As desonerações tributárias a setores escolhidos, como o automobilístico, o de eletrodomésticos e o da construção, foram parte dessa orientação, na tentativa de extrair mais algumas gotas de um modelo com base no aumento do consumo.
“0 governo acreditou que podia abandonar as bases macroeconômicas para crescer”, diz Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências. Poucos países mostram o tamanho do engano brasileiro como a Polônia, que, mesmo no auge da turbulência financeira de 2008, se manteve firme num modelo econômico praticado desde a década de 90. após o fim do regime comunista. Não houve subsídios às indústrias nem estimulo ao consumo – só uma combinação de políticas fiscal e monetária consistentes associadas a um governo que manteve os gastos sob controle. A fórmula pé no chão ajudou a economia polonesa a enfrentar a crise sem entrar em recessão. Cinco anos depois, adivinhe quem se sai melhor? Passada a crise, a economia polonesa seguiu crescendo. Em 2014. a estimativa é que a expansão do PIB chegue a 3,1%. mais do que o dobro da média da Europa. A taxa de desemprego se mantém quase 2 pontos percentuais mais baixa do que a do conjunto dos países europeus. A inflação está sob controle. Já no caso brasileiro, um a um, os indicadores foram piorando. Os juros básicos estão em 11% ao ano – mais do que no início do atual governo. E a inflação foi de 6.5% nos últimos 12 meses. Uma lição vai ficando clara. “A estabilidade macroeconômica, por si só. não garante o crescimento, mas é condição essencial para que ele ocorra”, diz o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. “E isso é uma questão objetiva, não de ideologia. Não se conhece um país que tenha crescido sem cumprir esses requisitos.
SE FALTA CONFIANÇA, O INVESTIMENTO NÃO VEM
Nos últimos anos, o Brasil foi uma espécie de campo de testes das aplicações práticas da lei das consequências indesejadas. Regras claras e estáveis são essenciais para uma economia de mercado funcionar bem. É até esperado que um governo reaja a crises com medidas pontuais, eventualmente drásticas. Mas não que mexa em tudo a todo momento. O resultado é um setor privado assustado e, para piorar um pouco mais, a consequência das tais medidas dificilmente será aquela que o governante esperava. Tem sido a tônica no Brasil. A inflação está acelerada? Basta segurar artificialmente o preço da gasolina. O resultado é uma Petrobras carcomida, a quebradeira no setor de etanol (e quem disse que a inflação baixou? ). Mudanças constantes nos impostos cobrados de cada empresa. o dedaço no setor elétrico, a queda forçada dos juros: a confusão foi grande, e o sucesso teimou em não vir. Talvez o maior símbolo dessa fase tenha sido o massacre das agências reguladoras. Criadas para garantir isonomia de regras em grandes setores, elas foram postas em xeque desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula. Naquela época. medidas como a indicação de um secretário do Ministério das Comunicações para uma vaga na diretoria da Agência Nacional de Telecomunicações reforçaram a falta de compromisso com a independência das agências.
“0 governo Lula assumiu achando que as agências mandavam demais e não entendeu que elas faziam política de Estado”, diz o economista Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B. Nada mudou até agora. Estava previsto pano primeiro dia de 2014 o início de um sistema que permitiria às distribuidoras de energia repassar ao consumidor o aumento de custo assim que ele ocorrer. em vez de fazer isso anualmente, como é hoje. Mas a largada do novo modelo foi adiada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em um ano sob o pretexto de “aperfeiçoar” as regras. A leitura do mercado foi uma só: o governo pressionou pelo adiamento para evitar o efeito dos aumentos de preço na inflação em um ano eleitoral. A medida da Aneel só agravou o caos em que o setor elétrico está metido desde 2012, quando o governo iniciou sua atrapalhada intervenção – que tinha como meta baixar o preço da energia. A ideia da presidente Dilma Rousseff era renovar antecipadamente contratos que venciam em 2017, mas com tarifas menores para o consumidor, motivo é nobre, mas a execução foi pobre: feita sem a devida negociação, acabou espantando o investidor.
A quebra da confiança custa caro. Os economistas João Manoel Pinho de Mello, da escola de negócios Insper, e Vinicius Carrasco. da PUC do Rio de Janeiro, quantificaram o chamado prêmio de risco associado à insegurança com os negócios no Brasil. Avaliando dados de 2009 a 2011, eles concluíram que o investidor exige aqui um retorno anual de 12 a 2,7 pontos percentuais maior do que na média dos países considerados mais seguros. Apesar disso, o Brasil vem seguindo na contramão de economias como a da Polônia, do Peru e da Turquia, que melhoram a regulação para se tornar mais atraentes aos investimentos. Nosso índice de qualidade regulatória, que se distanciou de uma média ponderada de países emergentes que tinham trajetória parecida com a do Brasil até o início do governo Lula, voltou a piorar no período Dilma, segundo medição do Banco Mundial.
“0 governo precisa aprender que não basta dar uma canetada para baixar o prêmio de risco cobrado pelos investidores”, diz Pinho de Mello. do Insper. “É preciso criar as condições institucionais para que isso aconteça.
NÃO É O GOVERNO QUE GERA RIQUEZA
As canetadas descritas nos itens 1 e 2 são explicadas por um fenômeno mais profundo. Desde a crise de 2008, ganhou espaço no pais a ideia de que cabe ao governo um papel de protagonista absoluto na arena econômica. E. um mal tipicamente brasileiro – que, corno nossa experiência dos anos 70 demonstra, aflige os dois polos do espectro político. Até 2008,0 governo Lula vinha mantendo o ímpeto expansionista relativamente domado. Mas a resposta à crise financeira deu a nossos governantes a impressão de que o capitalismo nacional deveria ser, de novo, guiado pela mão forte do Estado. Há seis anos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social foi o grande trunfo do governo Lula para acelerar a economia. De 2006 a 2008, as operações de crédito do banco saíram de 5,5% para 7% do NB. Mas o êxito gerou uma consequência indesejável. Mesmo depois de aplacada a crise, o BNDES continuou crescendo, até seus empréstimos responderem por 11% do NB no fim do ano passado, segundo cálculos dos economistas Sérgio Lazzarini, da escola de negócios Insper, e Aldo Musacchio, da Universidade Harvard.
A expansão foi financiada com dinheiro público: desde 2008, mais de 410 bilhões de reais saíram do Tesouro, passaram pelo BNDES e foram parar nas mão s de empresas escolhidas pelo banco. 0 que se esperava com isso, um reforço da atividade produtiva, porém, não veio. A taxa de investimento caminha para ficar abaixo de 18% – bem inferior aos 25% do Chile e do Peru. Além de não obter o sucesso desejado no estimulo a investimentos, a estratégia de proteger determinados setores e selecionar campeões nacionais – empresas líderes em seus segmentos e aptas a competir lá fora – acabou por criar inúmeras distorções.
“O banco passou a ter um peso grande demais nas decisões do setor privado”, diz André Loes, economista-chefe do banco HSBC no Brasil. “Quando você atira com uma bazuca e erra, o estrago é muito maior.” A LBR, campeã nacional do leite criada com dinheiro do BNDES, está em recuperação judicial. As decisões de investimento privadas são naturalmente mais eficientes do que as do setor público, que deveria fazer intervenções localizadas para fomentar uma área ou outra com dificuldade de captar no mercado.
Mais de 20% do crédito privado no Brasil vem da instituição oficial. Isso dificulta o desenvolvimento do mercado de capitais e condiciona empréstimos de roi /0 longo prazo à participação do banco. Boa parte do dinheiro foi destinada a empresas em condições de levantar recursos em outras fontes. “O BNDES só deveria entrar em projetos com impacto social mensurável”, diz Sérgio Lazzarini, do Insper. -Partindo desse principio, é possível diminuir seu tamanho em até 40%.”
Aumentar a produtividade era outro objetivo da política pós-crise que não foi alcançado: o indicador está estagnado há mais de uma década. Vale notar o que faz o banco de desenvolvimento do Chile: só empresta para pequenas empresas e condiciona a renovação do apoio a percentuais de crescimento. E deixa que o mercado decida quais serão os campeões nacionais.
CRIATIVIDADE TEM LIMITE, O INVESTIDOR NÃO É BOBO
Nas economias mais avançadas, a transparência e a seriedade dos números do setor público constituem uma base da credibilidade do governo e do próprio país.
É um princípio que, infelizmente, foi se perdendo no Brasil. A equipe econômica do governo se notabilizou pelos truques aplicados para tentar exibir bons resultados nas contas públicas. A coexistência de dois números para o mesmo indicador – um número oficial e outro estimado por especialistas – virou uma constante de 2008 para cá. Desde então, o governo adotou uma política fiscal “flexível”. Oque entra como receita e como despesa no balanço nacional passou a ser ditado mais pela conveniência do que pelo manual de boas práticas de contabilidade. Não por acaso, essa política foi chamada jocosamente de “contabilidade criativa”. Foi jeitinho para todo lado. Um exemplo bem claro: para fechar as contas. passou a ser antecipado o pagamento ao governo de dividendos previstos para ser distribuídos pelas estatais e bancos públicos nos anos seguintes. Em outra manobra, para não fazer feio em 2013 com a balança comercial fechando no negativo, a Petrobras contabilizou como exportação 7,7 bilhões de dólares referentes a sete plataformas de petróleo que nunca saíram do Brasil.
Por essas e outras, para saber, de fato, a quantas anda a situação fiscal do governo hoje é preciso descobrir todas as mágicas e “I impá-las”. É o caso da conta do superávit primário (que é quanto União, estados e municípios poupam a cada ano para amortizar a dívida pública). De acordo com o governo, o superávit no ano passado foi de 1. 9% do NB. Para Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, o montante poupado não passou de 0,4% do PIB. “Cada analista tem seu cálculo, mas no que todos concordam é que o dado real não é o que é divulgado pelo governo”, diz Felipe Salto, economista da consultoria Tendências. Um estudo feito por Salto mostra que, sem a contabilidade criativa nem a utilização de receitas eventuais, o superávit primário em 2013 seria de 200 milhões de reais. e não de 91,3 bilhões de reais, como anunciado por Brasília. Desse valor. 62.5 bilhões se referem a receitas como a proveniente da concessão do campo petrolífero de Libra, e a do Refis, programa que estimula empresas a adiantar ao Fisco valores de impostos devidos. Essa divergência de números não é assunto que se restringe à happy hour dos analistas. Quem olha para eles são os investidores. Quanto mais o governo tenta camuflar a realidade, maior a percepção de risco. “A contabilidade criativa gera incerteza, diminui os investimentos e, com isso, a capacidade de crescer”, diz Alberto Ramos. economista para a América Latina do banco americano Goldman Sachs. Esse foi um dos fatores que levaram a agência de classificação de risco Standard & Poors a rebaixar a nota da divida do Brasil em março. Não é por acaso que o CDS (uma espécie de seguro pago por investidores que temem um calote da dívida) do Brasil custa o dobro do CDS mexicano. De bobos. os investidores não têm nada.
SÓ OU MAL ACOMPANHADO, O BRASIL NÃO VAI LONGE
Os críticos da política econômica atual costumam dizer que o Brasil é o país mais fechado do mundo. Mas isso é um equivoco. Os dados mais recentes de comércio exterior como percentual do PIB, relativos ao ano de 2012 e divulgados pelo Banco Mundial, mostram que na verdade o Sudão, na Africa, ocupa o posto. O Brasil vem logo em seguida, em uma lista com 187 países. O Sudão teve uma inflação de mais de 45% nos últimos 12 meses, uma das mais altas do mundo. Por falta de concorrência com o resto do mundo, os países mais fechados costumam ser mais inflacionários. Infelizmente, a nossa crônica falta de abertura comercial se aprofundou nos últimos quatro anos. Note o ímpeto brasileiro por tomar medidas antidumping. aquelas que almejam colocar alíquotas de impostos para impedir a entrada de importações que supostamente trazem dano para empresas brasileiras. De junho de 2012 a julho de 2013. O Brasil foi o campeão em investigações antidumping, segundo a Organização Mundial do Comércio. Só em 2013, foram 54. Isso correspondeu a quase metade das investigações no mundo inteiro. O resultado são barreiras instituídas contra alguns produtos que, no Brasil, são monopólios, como é o caso de diversos componentes químicos. Ou seja: puro e simples protecionismo. conforme constatou um recente levantamento do economista José Tavares de Araújo. diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento, do Rio de Janeiro. “Nossa concepção de política industrial ainda é a do século passado, com base na proteção de indústrias,” diz Araújo.Inovação e protecionismo não combinam. Sem abertura comercial não há competição global e, como consequência. não há processos contínuos de inovação. A maior evidência de nosso protecionismo é a opção por politicas de conteúdo nacional nos setores automobilístico e petrolífero. Mas não são as únicas. governo também paga até 25% mais na compra de equipamentos hospitalares e uniformes nacionais. Além de ser protecionista, o Brasil não estabelece acordos com o resto do mundo para vender o que produz e comprar mais barato o que não consegue produzir. Para negociar qualquer acordo de livre comércio, o pais precisa do consentimento dos membros do Mercosul – justamente o tipo de parceiro que não se quer ter nesse tipo de discussão. Resolver essa única regra já seria um grande alívio. Afinal, o Mercosul só fez acordo de livre comércio com Israel. Palestina e Egito nos últimos 20 anos. No mesmo período. o México firmou tratados com 32 países. 0 Brasil, por sua vez, está penando para levar adiante a proposta de um tratado com a União Europeia. que não avança principalmente porque a Argentina, nossa principal sócia no Mercosul, está atrasando o processo. “0 mundo já negociou mais de 400 acordos de livre comércio, e o Brasil está ficando para trás”, afirma o diplomata Rubens Barbosa. ex-embaixador do Brasil em Washington.
Fonte: Revista Exame – 31/07/2014