01/06/2022
“Para Não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil” mostra que é possível aprender com os equívocos e não insistir nos erros
Leandro Steiw
No lançamento do livro Para Não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil, realizado no dia 30 de maio com um debate no Auditório do Insper, o presidente da instituição, Marcos Lisboa, começou questionando por que o Brasil deu errado, se em determinado momento parecia que conseguiria arrumar a casa: fim da hiperinflação, câmbio flutuante, governança de Estado, Banco Central organizado, números fiscais arrumados, transição entre forças políticas sem grandes solavancos. “Aprendemos a separar: uma coisa é governo, outra coisa é setor privado”, disse. Mas, nos últimos 40 anos, o país cresceu menos que as demais economias emergentes. Mesmo os melhores momentos de crescimento da economia brasileira ficaram apenas na média do mundo.
O fato é que o Brasil ficou para trás. “Temos o mau hábito de não olhar as comparações internacionais. Nossas conquistas foram menores que as do resto do mundo. A pobreza caiu de forma extremamente significativa nos países emergentes, fora da América Latina, de 35% na década de 90 para 5% em meados da década passada. No Brasil, caiu de 15% para 5%. Contamos vantagem, mas não olhamos como o resto do mundo avançou”, disse Lisboa.
Parceria entre o Centro de Gestão de Políticas Públicas (CGPP) do Insper e a Fundação Brava, o livro publicado pela Editora Autografia está disponível gratuitamente em diversas plataformas online. A renda obtida no evento de lançamento com a venda dos exemplares de uma pequena tiragem em papel foi revertida para o Programa de Bolsas do Insper. “A ideia do livro é contribuir para o debate público de forma aberta, trazendo dados e evidências”, disse o professor Marcos Mendes, organizador e um dos autores da obra. “Não é exercício de pessimismo nem complexo de vira-lata. Toda atividade humana é sujeita a risco e pode dar errado. O problema é insistir no erro. A finalidade de qualquer política pública é aumentar o bem-estar da população, e a política errada gera o contrário e empobrece a população e a sociedade”, afirmou durante o debate. Segundo Mendes, o Plano Real é um exemplo de aprendizado com os erros, pois o país erradicou a hiperinflação depois de várias tentativas malsucedidas nas décadas anteriores.
Sintetizando os 25 capítulos do livro, Mendes apontou seis causas comuns que explicam essas políticas equivocadas: 1) erro de diagnóstico; 2) efeitos colaterais das políticas não percebidos pela sociedade, como o fechamento da economia; 3) falta de atenção a detalhes de desenho de políticas públicas (gastamos per capita em educação mais do que 90% dos países do mundo, mas sem resultados efetivos em melhorias na educação dos alunos); 4) preservação de privilégios (mesmo quando certas políticas emergenciais não são mais necessárias, como benefícios tributários e financeiros); 5) tentativa de consertar uma distorção criando outra distorção; e 6) desenho de regras políticas e eleitorais com poder fragmentado (muita gente decide de forma desconectada e conflitante).
Autor do capítulo “Políticas de expansão da educação superior”, o sociólogo Simon Schwartzman, um dos participantes do debate, falou sobre a expansão da educação superior no país nos 15 primeiros anos do século 21. Para ele, todas as políticas procuram responder à necessidade real da demanda pela educação superior, do salário adequado dos professores ao financiamento da educação. “Elas acabam sendo mal executadas e a discussão fica um pouco prejudicada porque, às vezes, parece que quem está criticando a política está criticando o problema”, disse. No caso do ensino superior, estimulou-se uma enorme demanda financiada por dois sistemas separados, ambos inviáveis, segundo ele: as universidades federais, nas quais o gasto por estudante é extremamente alto, e as universidades privadas, sem nenhum limite de financiamento público por meio do crédito educativo. “Os dois sistemas cresceram vertiginosamente em poucos anos e, rapidamente, entraram em falência”, afirmou.
Schwartzman comentou que, atualmente, 90% do dinheiro alocado para as universidades federais é consumido com o pagamento de pessoal, e a rigidez do sistema não consegue reagir a essa limitação. Outra questão é que os programas de incentivo ao ensino superior também geraram grande frustração na população, pois muitas pessoas não terminaram os estudos ou não conseguiram obter o sucesso que esperavam com o diploma. Segundo o sociólogo, metade dos que ingressam no ensino privado no país não termina o curso, e metade dos que concluem não trabalha em atividades de nível superior. “No mundo inteiro, quando os países massificam a educação superior, diversificam e oferecem educação técnica e formação profissional. Oferecem um sistema muito amplo em que as pessoas, conforme as suas condições e competências, vão fazer coisas diferentes. No Brasil, ninguém discutiu o que deveria ser feito”, disse.
Outro participante do debate, o economista Edmar Bacha, autor do capítulo “Fechamento ao comércio e estagnação: por que o Brasil insiste?”, citou alguns dados para analisar as políticas públicas. “Metade das políticas mostradas no livro consiste em expansões equivocadas de gastos públicos que não passam numa análise de custo-benefício social. A outra metade trata de políticas que distorcem a alocação dos recursos públicos e reduzem o bem-estar social”, afirmou. Segundo ele, 80% das políticas equivocadas citadas no livro tiveram curso em governos do PT (2003-2012).
Para Bacha, naquele período, o superboom de commodities e a descoberta do petróleo no pré-sal pagaram a conta. “A união de ideias erradas com dinheiro na mão foi explosiva. O livro dá munição para pessoas esclarecidas, que venham participar de um eventual novo governo do PT, se for essa a alternativa ao descalabro bolsonarista de que todos queremos nos livrar, evitem a repetição do rosário de políticas equivocadas”, disse.
O economista Samuel Pessôa, coautor do capítulo “Expansão fiscal durante o superciclo de commodities”, comentou que a aceleração do crescimento dos anos 2000 não é tratada apenas sob o ponto de vista do boom de commodities. “Foi fruto de anos e anos de políticas corretas que fizemos, centradas no governo FHC e no início do governo Lula, e um saldo positivo também dos períodos Collor e Itamar, que criaram condições para que acelerássemos a taxa de crescimento”, afirmou. “Depois, nós cometemos os erros e geramos a crise. É verdade que o mundo tem um papel, mas, em geral, quando crescemos, somos nós que criamos as condições, e as crises somos nós que as produzimos.”
Também presente no debate, a economista Laura Karpuska, professora do Insper, afirmou que fazer políticas públicas não é fácil. “Esquecemos como a política pública pode levar a alguns efeitos indesejados e não pensamos em como combatê-los. E não sabemos como medir o impacto das políticas públicas, e a importância de usar a evidência na análise da efetividade.” Segundo ela, o livro situa as políticas públicas no ambiente econômico, mas essas políticas também dependem do ambiente político. “Por que deu errado? Para responder a isso, criei três novas categorias: conflito de interesses, fracasso na análise do uso de evidências e miopia — uma espécie particular do conflito de interesses relacionada ao fato de que políticos que querem se reeleger tendem a tomar decisões negativas, não valoram o futuro como deveriam porque buscam a reeleição”, afirmou.
Laura Karpuska observou que 20 dos 25 capítulos do livro apontam problemas oriundos de conflitos de interesses e falta de análise técnica de políticas públicas baseada em evidências. E quatro capítulos apresentam o problema de miopia. “Não temos mecanismos para contrabalançar esse sistema que não penaliza os políticos que buscam a reeleição no curto prazo, e isso gera problemas orçamentários e de alocação de recursos de forma eficiente. Precisamos não esquecer que existe essa arena política na qual essas políticas públicas são desenhadas e implementadas. Precisamos de diversidade de grupos de interesses nessa arena política para ter um sistema de pesos e contrapesos em funcionamento”, disse.
No encerramento do debate, o professor Marcos Mendes observou que as pessoas buscam reformas que vão revolucionar o país de um dia para o outro. “Isso não existe. As reformas acontecem sempre na margem. As melhorias acontecem gradativamente. Naturalmente, precisamos de um processo de melhoria institucional de 20 ou 25 anos para transformar um país”, afirmou. “Temos que avançar devagar e, pelo menos, apontar o barco para a direção certa. Essa é a realidade dura das políticas públicas.”