Quando a economia fica paralisada, as empresas cancelam investimentos e os preços sobem, é comum os governantes colocarem a culpa na conjuntura externa para não ter de admitir os próprios erros. Na campanha presidencial, a candidata à reeleição Dilma Rousseff tem repetido que o Brasil cresceu pouco no seu mandato, iniciado em 2011, por causa de adversidades na economia global. “Vivemos um momento muito especial, em que a crise internacional afeta a economia brasileira, mas nós saímos dessa crise e a enfrentamos de peito aberto”, disse a candidata no ultimo debate no SBT.
A frase está descolada da realidade. Durante sua gestão, a economia mundial cresceu sempre Atras dos outros mais de 3% ao ano, enquanto o Brasil nunca chegou a isso. Neste ano, enquanto o PIB global subirá 3,3%, o Brasil ficará estagnado. Opais não foi dinâmico como se esperava não por razões externas, portanto, mas pela própria incapacidade do governo de resolver os problemas internos. Essa ideia foi reforçada há duas semanas num relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao reduzir as projeções para o crescimento brasileiro de 1,3% para apenas 0,3% em 2014, o francês Olivier Blanchard, economista-chefe da entidade, disse sobre o Brasil: “A confiança parece faltar, o investimento está baixo e o crescimento está próximo de zero”.
O argumento de que o mundo andou mal das pernas tem raízes na crise de 2008 e 2009, que afetou principalmente os Estados tinidos e a Europa.
O Brasil resistiu àquele vendaval com a venda de commodities para a China, a elevação do consumo interno e a ascensão da classe média. Em 2008, o presidente Lula afirmou que o tsunami que passava pelos Estados Unidos chegaria ao pais como uma marolinha. O Brasil cresceu 5,2% naquele ano, estagnou em 2009 e retomou o crescimento em 2010 com um incremento de 7,5% no PIB. De lá para cá, os bancos centrais de vários países desenvolvidos injetaram dinheiro no mercado e iniciaram uma recuperação das economias nacionais. Ao mesmo tempo, adotaram políticas de austeridade para cortar custos e reconquistar a competitividade.
A retomada parece estar perdendo fôlego. Na semana passada, uma série de más noticias derrubou as bolsas do mundo inteiro – com reflexo na Bovespa. A Alemanha, que representa quase um terço da economia da zona do euro, registrou uma queda na sua produção industrial. A França e a Itália, que completam o tripé de sustentação da região, ainda não conseguiram se reerguer. Nos Estados Unidos, as vendas ao consumidor caíram em setembro. Também foi anunciada uma revisão da previsão de crescimento do PIB da China em 2015 para 7%, o mais baixo desde 1999. Para o Brasil, cujas exportações dependem das commodities, esse dado tem enorme influência, pois encolhe a demanda por soja, ferro e aço. Se a tendência se confirmar, a balança comercial brasileira passará a ter um saldo negativo ainda maior.
Assim como a China está comprando menos, outros países também não querem pôr a mão na carteira. A falta de clientes talvez seja a explicação para uma queda no mercado de petróleo. preço do barril já caiu 25% desde junho deste ano. Normalmente, isso é uma boa noticia. O petróleo mais barato ajuda a conter a inflação. Porém, se a queda no valor do barril for sintoma de uma demanda global mais fraca, pode-se ter o efeito indesejado da deflação, ou inflação negativa. Preços em queda significam que os empresários não terão lucros, cortarão projetos e demitirão funcionários. Sem consumidores, é possível que os preços caiam mais ainda. Esse seria o pior cenário. “Nós não podemos mais esperar que o mundo nos dê impulso num futuro próximo, como aconteceu na década passada. Agora temos de resolver nossos problemas internamente“, diz o economista Marcelo Moura, do Insper.
Em meio à incerteza, os investidores tendem a fugir de mercados emergentes, a exemplo do Brasil, em busca de portos mais seguros, como o ouro ou os títulos do governo americano. A perspectiva de que o Fed, o banco central americano, aumente os juros sé agrava essa migração financeira. Até o vírus ebola, as guerras no Oriente Médio e a invasão russa da Ucrânia ajudam a espantar os dólares do Brasil. “A batata está nas mão s dos emergentes, que ainda não mostraram estar prontos para o desafio”, Afirma o economista Renato Flôres, da Fundação Gertulio Vargas. Usar a crise internacional como desculpa para o mau desempenho do Brasil desde 2011 não cola. Quem quer que assuma a Presidência nos próximos quatro anos, porém, terá de navegar com maestria por mares revoltos da economia global.
Fonte: Revista Veja – 20/10/2014.