16/10/2015
A grave crise que o país atravessa decorre de problemas estruturais e da escolha de política econômica dos últimos anos. Superá-la requer um ajuste fiscal estrutural e rever os mecanismos de intervenção setorial adotados nos últimos anos. A política econômica teve uma inflexão a partir de 2009, com a progressiva deterioração fiscal, a maior complacência com a inflação e a retomada das políticas de proteção setoriais, típicas dos anos 1950 e do governo Geisel.
Essas políticas tentam estimular o crescimento por meio da concessão de benefícios para grupos selecionados, como a proteção contra a concorrência externa, a expansão do crédito subsidiado, as regras de conteúdo nacional, as intervenções em setores regulados, como energia e combustíveis, e a redução discricionária de tributos.
A taxa de crescimento tem desacelerado continuamente desde 2010, resultando na recessão iniciada em 2014. A produtividade, que cresceu 1,5% ao ano na década de 2000, retrocedeu nos últimos anos. A queda da desigualdade e da pobreza foi interrompida. O que deu errado? Por que a estratégia fracassou e o desempenho do Brasil foi pior que o da maioria dos países emergentes? Políticas de proteção foram comuns em meados do século XX. Alguns países tiveram notável desempenho, como a Coreia. Mas a maioria fracassou em se desenvolver, com exemplos na América Latina, Oriente Médio e sul da Ásia. Tais políticas têm um impacto ambíguo sobre a estrutura produtiva. O benefício de alguns ocorre à custa dos demais, sejam as famílias, sejam os setores à frente na cadeia produtiva, pois implicam dispêndio público ou bens de capital e insumos menos eficientes, prejudicando a produtividade do resto da economia.
A maior proteção da siderurgia, por exemplo, leva à queda da competitividade externa dos demais setores que usam aço, sendo esses efeitos mais severos nos países emergentes, como mostrou o economista americano Bruce Blonigen, com dados de diversos países por 25 anos.
Regras de conteúdo nacional e o crédito subsidiado se revelaram ineficazes. Apenas protegeram produtores ineficientes ou beneficiaram quem poderia ter captado recursos com taxas de mercado. Resultaram em grupos de interesse, que se opõem a reformas que reduzam seus privilégios. A justificativa da proteção como compensação pela existência de distorções, como a maior incidência de tributos, apenas agravou as dificuldades, como no caso recente da indústria automobilística.
Além disso, essas políticas frequentemente agravam a desigualdade na distribuição de renda. Políticas setoriais são eficazes quando resultam em ganhos relevantes de eficiência. Sua adoção, porém, requer análise cuidadosa pelo risco de fracasso e de fortalecimento de setores atrasados que sobrevivem apenas graças à proteção, prejudicando o restante da sociedade, como ocorreu com a Lei da Informática dos anos 1980.
A boa prática das políticas de intervenção requer metas de desempenho e regras críveis para seu término, seja porque a política foi bem-sucedida – e a proteção não mais é necessária –, seja por seu fracasso e seu custo sobre o restante da sociedade.
A política pública deveria considerar a evidência dos demais países. Agilidade e eficiência do Judiciário, segurança na execução de garantias no mercado de crédito e a qualidade da regulação estão relacionadas às experiências bem-sucedidas de desenvolvimento. Por outro lado, a proteção de empresas ineficientes explica parte relevante da menor renda de alguns países emergentes. Reformas que induzem à maior produtividade permitem menores preços ou melhora da oferta, sem prejuízo dos produtores. Em 2003, a taxa de juros do crédito pessoal era de quase 8% ao mês. O crédito consignado, em que o pagamento das dívidas é deduzido diretamente da folha salarial, reduziu a inadimplência e resultou em taxa de juros de 2% ao mês. Fenômeno semelhante ocorreu com diversas reformas do mercado de crédito, como no financiamento de automóveis. A privatização democratizou o acesso a linhas de telefone e melhorou a qualidade da água em muitos municípios. Agências reguladoras com independência para executar políticas e dar maior segurança jurídica aos contratos colaborariam para a expansão da infraestrutura. A maior transparência das políticas públicas e de instituições como FAT, FGTS, Sistema S e os sindicatos, patronais e dos trabalhadores, com a divulgação de balanços auditados de forma independente, colaboraria com a deliberação democrática sobre o uso de recursos arrecadados compulsoriamente e seus impactos sociais.
O ambiente de negócios deve estimular a concorrência e não restringir o empreendedorismo. Muitas iniciativas eventualmente se revelam ineficazes. A contrapartida são os casos de sucesso, as inovações e a melhora da gestão que resultam em aumento da produtividade, posteriormente copiados, como no caso da adaptação da soja no Centro-Oeste e do café no Cerrado mineiro.
O processo de competição apresenta semelhanças com a evolução na teoria da seleção natural, proposta por Charles Darwin. Provavelmente, o primeiro economista a destacar os benefícios da concorrência foi Karl Marx, que admirava Darwin e sua teoria da seleção natural, ainda que não o seu inglês, e enviou-lhe uma cópia da primeira edição de O capital.
Um Estado forte foi e sempre será fundamental para o processo de desenvolvimento econômico. Em estágios iniciais desse processo, as políticas públicas assumem um caráter mais intervencionista na economia. Nas fases avançadas, elas são orientadas à provisão de serviços que contribuam para melhorar a produtividade e a distribuição da renda e se tornam mais seletivas em relação aos setores que devem receber incentivos.
Assim mostra a história. Essa participação do Estado ajudou a consolidar, nos países bem-sucedidos, a sofisticação produtiva: a produção de bens com maior valor adicionado per capita, chave do crescimento da renda per capita de uma nação.
Para os liberais, um país deve explorar suas vantagens comparativas. Do contrário, vai gerar ineficiências na alocação de recursos produtivos. Os demais setores que forem eficientes se desenvolverão por decorrência, e a intervenção do Estado atrapalharia tal alocação. Porém, esses setores mais eficientes não são, necessariamente, aqueles que geram a sofisticação produtiva. Ao longo do processo de desenvolvimento, as políticas públicas devem contribuir para a criação de novas vantagens comparativas. O Brasil havia superado essa etapa. Com uma importante participação do Estado no processo de desenvolvimento ao longo do século passado, sua indústria se consolidou e a evolução da renda per capita foi uma das maiores do mundo até a década de 1980.
Os novos-desenvolvimentistas entendem que, no cenário atual do país, em que temos – ou tínhamos – uma estrutura produtiva consolidada, as ações de política industrial devem ser pontuais e direcionadas a setores estratégicos.
A política mais relevante é a macroeconômica, que deve permitir o equilíbrio das taxas de câmbio, dos juros, do lucro, do salário médio e da inflação. A taxa de câmbio é uma variável que deve ser administrada em razão de seu impacto sobre o crescimento e a modernização da estrutura produtiva, ao influir na estratégia de produção dos empresários.
Seu valor de equilíbrio deve possibilitar a competitividade de nossas indústrias eficientes. Para os liberais, a taxa de câmbio não é relevante, e seu valor de equilíbrio deve ser definido pelas forças de mercado. Entendemos que nem há como ocorrer tal equilíbrio de mercado – para isso, a taxa de juros também deveria oscilar de acordo com a oferta e a demanda de moeda, algo que não se observa na maioria dos países que adotam regimes de metas de inflação.
E por que a política adotada no primeiro governo da presidente Dilma Rousseff, que não era liberal, tampouco foi novo-desenvolvimentista? Porque, ao estimular os gastos públicos sem se preocupar com o equilíbrio fiscal, impossibilitou a desvalorização de nossa moeda e tentou compensar essa impossibilidade com políticas setoriais ineficazes, quando o mais importante é o equilíbrio dos preços macroeconômicos.
A demanda interna foi atendida com produtos importados, mais baratos em função da valorização. Não havia como crescer nesse cenário, no qual a taxa de juros, após uma breve queda incompatível com a elevação dos gastos públicos, retomou sua trajetória de alta. O nível de atividade caiu, a arrecadação e a situação fiscal pioraram, bem como a confiança dos empresários no cenário macroeconômico e político, que nesse caso pioraria com uma nova elevação dos gastos públicos e desestimularia ainda mais o investimento.
É paradoxal, mas apenas a redução de gastos correntes que pouco afetasse a atividade do setor privado levaria à retomada do crescimento. A solução parece residir no desenho de um ajuste estrutural de longo prazo, que demonstre uma redução factível da dívida pública baseada na reorganização da gestão pública, que deveria ser guiada pelo alcance de resultados, pela melhoria do processo de compras governamentais e renegociação de contratos, pelo redesenho do processo de formulação e execução orçamentária, pelo dimensionamento da força de trabalho necessária e pela moderação dos reajustes salariais aos servidores.
Há muito espaço para economias na gestão do setor público, sem eliminar conquistas da sociedade brasileira. As políticas sociais devem ser preservadas, bem como eliminados seus excessos e incentivos distorcidos. Apenas as regras da Previdência precisam ser alteradas, e assim precisarão ser constantemente, à medida que evolui a expectativa de vida dos brasileiros. As desonerações devem ser paulatinamente eliminadas. A política cambial se faz essencial para a retomada do crescimento. Nossos cálculos, no Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo, indicam que uma taxa de câmbio de R$ 3,60 por dólar é suficiente para recuperarmos nossa competitividade, mensurada pela comparação entre os custos unitários do trabalho (salário dividido pela produtividade) no Brasil e em nossos principais parceiros comerciais.
Já ultrapassamos esse patamar. Agora, o receio dos empresários é a sua instabilidade e a possibilidade de nova apreciação do real. Para evitar isso, proponho que exista um comitê específico para administrar a política cambial, como nos Estados Unidos. Nosso Banco Central usa a taxa de câmbio para controlar a inflação, e não como um instrumento para permitir o crescimento. Por consequência, nossa estrutura produtiva regride. A mudança na gestão da política cambial é fundamental para retomarmos o crescimento em médio prazo.
Fonte: Revista Época – 05/10/2015