10/03/2021
No segundo encontro de lançamento do livro “O Legado da Pandemia”, autores debateram o cenário do mercado brasileiro com a economista Zeina Latif
O segundo dia da série de debates para o lançamento do livro O Legado da Pandemia se debruçou sobre o cenário econômico brasileiro e os aprendizados com a crise. A série de encontros foi proposta pelo Insper em parceria com a Fundação Brava, em busca de ampliar o acesso ao conhecimento gerado pela nova publicação.
Organizado pela professora Laura Muller Machado, o livro conta com as reflexões de 26 professores e pesquisadores que analisaram os legados e aprendizados da pandemia para a Política Pública brasileira. O livro foi disponibilizado gratuitamente em formato e-book, saiba mais clicando aqui!
Para esse segundo encontro, realizado no dia 02 de março, foram reunidos os autores e debatedores Marcos Lisboa, presidente do Insper, e Marcos Jank, Paulo Furquim e Sérgio Lazzarini, professores do Insper, que puderam conversar sobre seus artigos com a economista convidada, Zeina Latif.
Zeina ressaltou que, ao pensar em legados, é necessário que a nossa sociedade crie a capacidade de compreender tudo o que aconteceu. “O trabalho dos pesquisadores e da academia é de ajudar a sociedade a entender os desdobramentos da pandemia, daí a importância deste livro para contribuir com o debate público.”
A ordem econômica
Dividido em quatro partes, o livro possui uma seção dedicada a refletir sobre os aprendizados que os desafios impostos pela pandemia trouxeram para o cenário econômico brasileiro. Foram escritos quatro artigos e, no debate, os autores foram convidados a introduzir os temas sobre os quais refletiram.
O primeiro a abordar o tema de sua contribuição foi Paulo Furquim. Em sua introdução, o autor falou sobre a política de preços de mercado em um cenário de crise. “Em primeiro lugar, em uma situação de crise extrema, os modelos ideais de regulação não vão funcionar tão bem quanto em um período de normalidade. Com a elevação de preços, a produção não responde com a mesma velocidade, por conta de toda a incerteza. Em segundo lugar, abre-se um espaço enorme para intervenções de caráter populista, devido a uma demanda muito grande da sociedade.”
Em seguida, Sérgio Lazzarini falou sobre o seu artigo no livro, que discutiu a participação do estado no campo da oferta de crédito. “Neste cenário da pandemia, vimos uma situação paradoxal, na qual precisamos de menos estado, no sentido de uma menor regulamentação em busca de agilizar a oferta privada e, por outro lado, a oportunidade de resolver problemas de importação a partir de recursos estatais, não necessariamente com a ação estatal direta, mas também com bancos públicos e agências de fomento.”
Marcos Jank discorreu sobre os impactos e aprendizados da pandemia no agronegócio, analisando as formas com as quais o setor lidou com os desafios e conseguiu crescer, mesmo durante o período de crise. “O agro foi um dos poucos setores da economia que conseguiu crescer por ser uma atividade que continuou operando, além de possuir outros benefícios como a desvalorização da moeda, por ter uma grande parcela de sua produção voltada à exportação, principalmente para setores emergentes.”
Para fechar as introduções, Marcos Lisboa, presidente do Insper, foi convidado a falar sobre seu artigo, no qual discutiu a intensificação do quadro de crise fiscal no Brasil. “Uma discussão que costuma ficar submersa no Brasil é a questão da ciência e da técnica para implementar e desenhar uma política social que se destine a quem realmente precise. Esse talvez seja um legado da pandemia, que foi reconhecer que temos um estado que não funciona bem e é ineficaz, dada a nossa estrutura, e que com a ciência poderíamos construir soluções técnicas para implementar e melhorar nossas políticas. O desrespeito à ciência custou caro à saúde e à economia.”
Debate com a economista Zeina Latif
Na segunda parte do evento, Laura convidou a economista Zeina Latif para contribuir com o debate, fazendo perguntas direcionadas a cada um dos autores a respeito de seus capítulos no livro, e também propondo novas reflexões acerca dos temas discutidos.
Comentando o capítulo escrito por Paulo Furquim, a economista disse ter se deparado com um cenário menos desastroso do que ela temia, principalmente nos resultados do legislativo frente aos ajustes e controle de preços. Ela perguntou ao autor se ele concorda com essa conclusão e o quanto essa situação pode ter sido fruto de um maior amadurecimento da ação do estado. “Muitas pautas perigosas foram evitadas no legislativo, ainda que não tenha sido o melhor quadro possível”, observou Zeina.
Para Furquim, houve uma corrida desenfreada em direção às piores políticas que poderíamos imaginar entre estados e empresas com relação à regulação de preços, mas, concordando com Zeina, a maioria desses projetos não seguiu em frente, apesar da ameaça. “De fato, há um aprendizado em olhar essa perspectiva, do desenho institucional na implementação dessas políticas. Mas também podemos analisar o que poderia ter sido a nossa realidade caso o estado estivesse intervindo de forma coordenada, com transparência e com uma preocupação concorrencial, desde o início.”
A respeito do artigo escrito por Sergio Lazzarini, Zeina concordou que o estado precisa ter uma capacidade de reação diante de qualquer crise e que não há receita para isso. Ela também trouxe uma reflexão a respeito das estratégias para conter a crise e como o autor avalia sua visão. “Parece, para mim, que não existe setor público sozinho. A melhor estratégia é buscar alianças com o setor privado. Isso ficou bem visível no socorro às empresas, onde houve um relacionamento com bancos privados para criar sustentação”.
Sérgio Lazzarini concordou com o posicionamento exposto por Zeina ao falar da relação entre o crédito público e o privado neste momento da pandemia. “Tenho defendido há algum tempo que o BNDES não precisaria necessariamente emprestar dinheiro diretamente, mas sim fazer parcerias com bancos privados e, em situações de maior risco, oferecer garantias de crédito, algo que é um instrumento para conter crises utilizado no mundo inteiro”.
Ao falar do texto produzido por Marcos Jank, ela caracterizou o artigo como um wake-up call para o setor agropecuário brasileiro. “Foram colocados em questão os temas ambientais e de segurança alimentar, que afetam o setor agropecuário. É fundamental questionar se há no setor a consciência de que há muito trabalho para não perder mercados e consolidar novos, movendo a agenda do Brasil em uma direção mais progressista, inclusive na diplomacia”, questionou Zeina.
Respondendo ao questionamento da convidada, Marcos Jank ressaltou que é preciso diversificar não apenas o destino da nossa exportação, mas também os produtos. “O mais importante é entender que fomos beneficiados pela conjuntura e temos que tomar muito cuidado. A questão da sanidade, entre pessoas e animais, não estava sendo cuidada devidamente e agora ela entra na agenda.”
Em sua última pergunta, Zeina se focou na contribuição feita por Marcos Lisboa sobre a situação fiscal brasileira. Para ela, o autor trouxe recomendações e diagnósticos muito claros sobre a política econômica, embora haja uma grande preocupação com o fato de o Brasil estar perdendo a oportunidade de tocar em questões importantes do debate fiscal. “Sinto que, agora, vemos uma reverberação muito maior destas discussões econômicas na sociedade e questiono qual a percepção do aprendizado sobre o ajuste fiscal nas conversas com lideranças políticas e empresariais.”
Finalizando o debate, Marcos Lisboa retomou, em sua resposta a Zeina, a importância da política e sua soberania para a definição dos caminhos da economia brasileira. “A política reflete as escolhas da sociedade por caminhos. O problema é que, no debate brasileiro, nós paramos nessa primeira parte da conversa e a etapa sobre como implementar essas políticas é pouco vista.”
Webinar completo
Em seguida, houve um espaço para que os autores pudessem responder às perguntas propostas pelo público do evento. Assista à gravação completa do webinar: