05/08/2014
O economista Alexandre Schwartsman, de 51 anos, sabe bem o que significa ser demitido por fazer criticas à politica econômica do governo. Em 2011, Schwartsman, na época economista-chefe do Santander, recebeu o bilhete azul depois de protagonizar um bate-boca em público com o então presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. Ex-diretor da área externa do Banco Central no governo Lula, Schwartsman hoje é consultor econômico e professor do Insper, em São Paulo. Nesta entrevista, ele fala sobre a demissão da analista do Santander que relacionou o sobe e desce de Dilma nas pesquisas ao desempenho do mercado e sobre o pessimismo dos empresários com os rumos da economia.
ÉPOCA – Na semana passada, uma analista do banco Santander foi demitida por ter dito, num e-mail enviado a clientes, que uma subida da presidente Dilma nas pesquisas eleitorais teria um impacto negativo no mercado financeira.O que o senhor pensa disso?
Alexandre Schwartsman – O episódio todo foi lamentável. O e-mail nau tinha nada de controverso. As pesquisas que mostram o avanço da oposição – uma probabilidade, ainda que remota hoje, de que a oposição vença as eleições – têm um reflexo positivo sobre as ações, o câmbio, as taxas de juros.
Há uma percepção no mercado de que uma mudança na política econômica será benéfica para o país como um todo, mas especialmente para as empresas estatais, como Petrobras e Eletrobras, que têm grande influência no desempenho da Bolsa.
A Petrobras perdeu muito de seu valor nos últimos anos, por causa de uma política de preços equivocada. A Eletrobras também. A gestão tem sido ruim para os acionistas. Não é preciso ser um gênio das finanças para perceber que, quando você vende algo por menos do que pagou, perderá dinheiro. Obviamente, as pessoas pensam que a manutenção desse tipo de política será ruim para essas empresas.
ÉPOCA – Essa analista do Santander não exagerou? Sua análise não expressava uma visão politica pessoal?
Schwartsman – O que ela fez foi só repassar aos clientes uma informação já conhecida no mercado. Cabe aos bancos zelar pelo patrimônio dos clientes. Eles têm o dever fiduciário de fazer isso. Quando você deixa seu dinheiro lá, imagina que o banco, além de tomar conta dele, também lhe dará informações relevantes para a gestão de seu patrimônio. Nem todo mundo acompanha o dia a dia do mercado. Essa informação pode afetar a decisão de investimento de muitos clientes.
ÉPOCA – O que o senhor achou da reação do governo e do PT?
Schwartsman – O governo reagiu de forma muito dura. Você pode até reclamar, dizer que não gostou. Mas a reação foi totalmente desproporcional. Não acho que um presidente, um primeiro-ministro, um líder de uma nação tenha de ser eleito para satisfazer ao mercado. Ele tem de ser eleito para implementar o programa que defende. Muitas vezes, seu programa terá consequências sobre a economia e o preço dos ativos. Em alguns casos, a economia crescerá menos, noutros, mais. A inflação também poderá ser mais alta ou mais baixa. Muita gente pensa nos bancos como uma organização maquiavélica, acredita que eles manipulam o mercado, mas essa agenda m0061quiavélica não existe. Não tem alguém dizendo”olha, vamos fazer esse tipo de coisa para manipular o mercado” – muito menos para manipular o resultado das eleições.
ÉPOCA – O banco agiu de forma correta ao demitir a analista? ,
Schwartsman – Para mim, a postura do banco foi o pior de tudo. O analista tem de ser independente para falar o que acredita, não o conveniente para o banco. A “muralha chinesa”, prevista na legislação que regula o mercado, é exatamente para evitar isso. A tesouraria, que administra a posição própria do banco, não pode influenciar a área de clientes, e vice-versa. A decisão do banco violou esse princípio. O banco passou a se preocupar menos com os clientes e mais consigo mesmo.
ÉPOCA – Em 2011, o senhor foi demitido do mesmo Santander, quando era economista-chefe do banco, numa circunstancia semelhante. Como o senhor avalia hoje o que aconteceu?
Schwartsman – Meu caso foi diferente. Nunca me foi dito, mas provavelmente minha demissão foi motivada pela discussão que tive em público com (José Sergio) Gabrielli, presidente da Petrobras na época, por causa da forma como o governo federal contabilizou o aumento de capital da empresa.
Todo mundo sabia que aquilo era contabilidade criativa, uma manobra para melhorar as contas públicas. Gabrielli falou que aquele dinheiro estava no Tesouro, e fiz um comentário irônico, que arrancou gargalhadas da platéia. Disse que só se o dinheiro estivesse dentro da cabeça dos contadores do Tesouro. Obviamente, não fiquei feliz de ser demitido, mas até consigo entender o que aconteceu. Eu era um diretor do banco, um ex-diretor do Banco Central, um executivo da alta hierarquia, e entrara em conflito com o presidente de um cliente importante. Agora, pegar alguém lá embaixo, que defendia o interesse dos clientes, e demitir é outra coisa. Passa uma idéia de covardia inadmissível.
ÉPOCA – Daqui para a frente, os analistas serão mais cautelosos?
Schwartsman – Acredito que sim. Quando o analista avaliar uma questão de grande impacto econômico, mas politicamente delicada, ele se omitirá. Do ponto de vista do dever fiduciário, isso é errado. Do ponto de vista do país, dado que boa parte da inteligência econômica está nos bancos, isso empobrece o debate. Não digo que seja censura, mas é uma forma de cercear a discussão – e não é disso que a gente precisa. O governo tem de aprender a ouvir o contraditório. Quando o FMI faz uma pesquisa que não traz dados favoráveis, o governo diz que está tudo errado. Quando o índice de Desenvolvimento Humano não é o esperado, não presta. Com o Doing Business, uma pesquisa do Banco Mundial que avalia o ambiente de negócios, acontece a mesma coisa. O governo tem de parar de contestar tudo. Tem de ouvir e tentar corrigir o necessário. Não adianta enfiar a cabeça embaixo da terra e falarão, está tudo bem”. Todo mundo sabe que não está.
ÉPOCA – Em sua visão, como está a economia brasileira hoje?
Schwartsman – A economia não está hem. Ninguém acha que o país vá explodir, mas está todo mundo preocupado. Há desafios formidáveis. Só que o debate sobre as grandes questões da economia é raso. Parece um pires. Neste ano, a previsão do mercado, esse “ser maligno”, é de um crescimento abaixo de 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Na média, o crescimento não chegará a 2% ao ano no governo Dilma. Não é nada de que possamos nos orgulhar. A inflação vem namorando persistentemente o teto e não o centro da mera -e isso com controle de preços, algo de que julgávamos estar livres. O deficit externo, que ficava na casa de 2% a 2,5% do PIB, caminha para 3,5% a 4%. Não morreremos por isso, mas não está legal. Há ainda a questão fiscal. Tem havido um encolhimento do resultado do governo. Expurgada a “contabilidade criativa”, a situação fica ainda pior.
ÉPOCA – Porque, apesar do estimulo, o investimento não decolar”?
Schwartsman – O governo tem feito intervenções persistentes na economia. Certos setores foram beneficiados por subsídios, créditos em condições favoráveis, desonerações. Você começa a perceber que o jogo não é igual para todos. Resultado: para de investir. Vê que é mais interessante tentar influenciar as regras a seu favor. Em vez de gerar lucros com novos produtos, a melhoria de processos, a inovação, você passa a ganhar dinheiro tentando tirá-lo dos outros. Vira jogo de rouba monte. A produtividade despenca, e todo o resto começa a espanar. Mas o governo insiste nos mesmos instrumentos usados no passado para tentar corrigir os problemas. Ele tem um martelo e acha que tudo é prego. Às vezes, é preciso uma chave de fenda. Ou um alicate. Não adianta martelar parafuso.
ÉPOCA – O governo tem atribuído a situação a fatores externos. O que o senhor pensa disso?
Schwartsman – É conversa para boi dormir. Claro que o mundo cresce menos hoje do que antes, mas a diferença entre o Brasil e o mundo aumentou. Se o Brasil fosse uma economia profundamente integrada ao mercado global, poderíamos até dizer que o problema é externo. Não é o caso. O Brasil tem uma economia fechada, que transaciona pouco para o exterior. Quase 60% do MB vem do setor de serviços, que depende essencialmente de fatores locais. É verdade que os preços de commodities caíram, mas ainda estão bem mais altos que em 2002. Durante anos se vendeu a história de que o crescimento do país, de 2003 a 2010, era obra de um governo iluminado. Se a falta de crescimento hoje é porque o mundo está menos favorável, a conclusão inescapável é que, antes, só estava bom porque o mundo estava bom. Será que o ex-presidente lula assinaria embaixo?
ÉPOCA – O governo tem reclamado de um pessimismo exagerado no mercado, como houve em relação à Copa. Não é verdade?
Schwartsman – Essa comparação não faz sentido. Primeiro, porque uma Copa é algo bem menos complexo que a economia. Segundo, porque, como economista, é preciso entender o comportamento econômico. Convicção política não faz ninguém rasgar dinheiro. Mesmo que alguém deteste o governo, investirá se o país estiver crescendo, porque sua vida depende disso. Se há pessimistas, é porque os negócios não vão bem e as perspectivas não são boas. O pessimismo dos empresários não veio do nada. Não foi “criação da mídia”.
Fonte: Revista Época – 04/08/2014