19/12/2014
Em 2003, o banco americano Goldman Sachs projetava a economia brasileira como a quinta maior do mundo em 2049. Já estamos pelo menos cinco anos atrasados.
A breve carreira profissional da paulistana Flávia de Oliveira, de 28 anos, diz muito sobre a trajetória recente do Brasil. Em 2009, cursando faculdade de administração de empresas, ela não teve dificuldades para conseguir o primeiro emprego numa consultoria especializada em comércio exterior, a Sandler & Travis. As vagas eram abundantes e Flávia pediu demissão para fazer um intercâmbio de um ano na Holanda. Antes de viajar, dispensou uma oferta de estágio na empresa de tecnologia IBM. Parecia que nunca faltariam oportunidades – de fato, na volta ao país, em 2010, ela conseguiu estágio na indústria química Dystar, empresa onde foi efetivada depois de se formar. Como muitos brasileiros que emergiram para a classe média na última década, Fiávia foi a primeira da família a concluir um curso superior. Ela quis ir além e se matriculou num curso de pôs-graduação na Fundação Getulio Vargas, uma das principais escolas do país. “Acreditava que uma formação melhor me ajudaria a continuar progredindo”, diz Flávia. Por isso, no ano passado decidiu se demitir para tentar arrumar uma posição numa empresa maior. Foi quando se deu conta de que as coisas haviam mudado: as ofertas minguaram e sua busca não foi bem-sucedida. Depois de seis meses, acabou aceitando um emprego numa firma menor, onde ganha praticamente o mesmo que no antigo trabalho. “Sinto ter perdido oportunidades nos anos de mercado aquecido”, diz Flávia.
A sensação de ter deixado para trás a boa fase resume o momento de um pais cuja trajetória de expansão era admirável até pouco tempo atrás, mas que vem perdendo o fôlego. Em outubro de 2003, o banco americano Goldman Sachs produziu um relatório intitulado Sonhando com os países do Bric: O Caminho até 2050. Nele, fazia projeções otimistas sobre o futuro de Brasil, Rússia, Índia e China. A estimativa era que, em pouco mais de 30 anos, os quatro países responderiam por 60% do PIB das dez maiores economias do mundo, grupo formado ainda por Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália.
O Brasil tinha potencial para ser a quinta maior economia do mundo antes de 2050 – para ser mais exato, em 2049. Até lá, mostravam as previsões, a renda per capita dos brasileiros cresceria dez vezes e chegaria a quase 27000 dólares, em valores de 2003. As coisas, como se sabe, não deram tão certo.
Até quatro anos atrás, o país seguia o destino traçado. Na verdade, na primeira década do século 21 crescemos além do previsto pelo Goldman Sachs. Dali em diante, porém, o encanto se quebrou. A expansão de 7,5% em 2010 caiu para menos da metade no ano seguinte. De acordo com estimativas do mercado para o próximo ano, o crescimento anual médio na primeira metade da década será de 1,4% – quase um terço dos 4,1% previstos pelo Goldman Sachs. Ou seja: o sonho de grandeza brasileiro foi atrasado em pelo menos cinco anos. A julgar pelas projeções do próprio governo para o próximo triênio, quando a expansão máxima prevista é de 2,3% em 2017, a segunda metade da década também está ameaçada. Quando a medida procura identificar se a população está ficando mais rica – ou mais pobre -, os dados são ainda mais desanimadores. De 2011 para cá, o PIB per capita em dólar caiu 14%. Para o economista americano Jim O Neill, criador do acrônimo Bric e economista-chefe do Goldman Sachs na época da publicação do estudo, o otimismo não era infundado. “O Brasil tinha adotado havia pouco tempo a política de metas de inflação, o que dava confiança aos analistas”, diz ele, hoje pesquisador do centro de estudos sobre economia global Bruegel, com sede em Bruxelas. “Além disso, havia um potencial imenso para crescer com a exportação de commodities, cujos preços estavam em ascensão .”
Choque de Produtividade
O ciclo de crescimento durou menos do que o esperado. A principal razão para isso foi a dificuldade do Brasil em aumentar sua produtividade. “Por isso as previsões eram exageradas“, diz o economista João Manoel Pinho de Mello, da escola de negócios Insper. Ele é autor de um estudo que compara a evolução da produtividade do Brasil e de outros países emergentes em relação aos Estados Unidos, de 1994 a 2003. Nessa comparação, a economia brasileira sofre urna queda próxima de 20% em relação à americana. Como explicar o bom desempenho na década passada? Uma das razões foi a incorporação ao mercado de trabalho de um contingente de trabalhadores então disponível – a taxa de desemprego em 2003 girava em torno de 13%, quase o triplo dos atuais 5%. Durante certo período, o país também aumentou os investimentos, que saltaram de 15% do PIB, em 2003, para quase 20%, em 2010. A produtividade, nesse período, avançou em média 1% ao ano. “É pouco para um país se tomar competitivo e deixar de depender apenas da exportação de commodities”, diz O Neill.
A má notícia: ainda não começamos a nos tornar mais produtivos. Pelo contrário. Hoje, a produtividade dos trabalhadores brasileiros é 23% da conseguida pelos americanos. Os fatores que ajudavam a mascarar esse problema não existem mais. O país já não tem mão de obra para absorver com o aumento da produção. Os investimentos recuaram, chegando a 17% do PIB. O superciclo que elevou o preço dos minérios e dos alimentos chegou ao fim. Desde abril de 2011, o índice de preços de commodities calculado pelo banco Itaú caiu 42%.
É bem verdade que no meio do caminho, em 2008, o mundo enfrentou uma das piores crises da história do capitalismo. Faz sentido ver aí uma justificativa adequada para rever para baixo qualquer projeção anterior de crescimento. Na prática, não é bem assim. Outros países conseguiram manter o passo, enquanto nós ficamos para trás. O economista Celso Toledo, da consultoria LCA, fez um exercido para comprovar a tese: ele comparou a evolução do PIB per capita do Brasil com um grupo de dez países que também são grandes exportadores – tanto de commodities quanto de bens industriais -, como Noruega, Chile, Austrália, México, Indonésia e Peru. O resultado deixa pouca margem para dúvidas: de 2002 a 2010. O Brasil seguia no mesmo ritmo de crescimento desses países. A partir de 2011, nosso PIB per capita ficou estagnado, enquanto o dos outros cresceu em média 15%. “Como esses países sofrem com os mesmos choques cambiais e restrições no cenário externo que o Brasil, a conclusão é que paramos por culpa nossa”, afirma Toledo. A bola está conosco. A retomada do crescimento da década passada depende de aumentar a produtividade. E para isso precisamos de reformas que aumentem a eficiência da economia, como a tributária, e da redução do custo Brasil. “Num cenário ideal, o governo precisaria fazer um ajuste fiscal bem-sucedido no curto prazo e enviar ao Congresso projetos para as reformas estruturais”, diz Christopher Garman, chefe de pesquisa para mercados emergentes da consultoria Eurásia. Também será necessário retomar investimentos para eliminar os gargalos que impedem o ganho de produtividade, como é o caso das obras de mobilidade urbana. Trata-se de uma área na qual o Brasil poderia ter avançado na preparação para a Copa do Mundo. Obras como o VLT de Cuiabá não saíram no prazo previsto. Não são tarefas simples – mas são urgentes. “Passado o boom de commodities, o Brasil não tem competitividade para atuar em outros setores”, diz O Neill. “Resolvidos esses problemas, o fôlego de antes poderá ser retomado.” Não é só o projeto de carreira da administradora Flávia de Oliveira que continuará atrasado – todo o país corre o risco de andar para trás.
Fonte: Revista Exame – 18/12/2014