18/07/2014
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acelerou os desembolsos de empréstimos neste ano. Já foram liberados R$ 194,8 bilhões nos 12 meses encerrados em abril, superando, pelo menos por enquanto, o recorde de R$ 190,4 bilhões observado ao longo de 2013. Apesar disso, o Banco Central prevê uma retração de 2,4% no volume de investimentos na economia neste ano. Desde 2008, quando o BNDES passou a receber aportes periódicos de recursos do Tesouro Nacional, da ordem de R$ 400 bilhões, sua carteira de crédito saltou de 6,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para 10,6% do PIB. A taxa de investimento na economia, porém, não reagiu. Pelo contrário: saiu de 18,3% em 2008 para um pico de 19,5% em 2011, para então entrar em trajetória de declínio, chegando a apenas 17,7% do PIB em março passado.
Para muitos, esses dados mostram que os financiamentos subsidiados do BNDES representam apenas uma transferência de dinheiro público para os empresários, sem gerar ganhos reais à economia. Dados agregados, porém, podem levar a conclusões enganosas e não permitem, por exemplo, responder se a taxa de investimento seria ainda menor se não fosse a atuação do BNDES.
Alguns economistas estão vasculhando balanços de empresas para checar o quanto, de fato, o BNDES é relevante para os investimentos. Um pesquisador do Banco Central, Fernando Nascimento de Oliveira, apresentou num seminário interno recente da instituição um estudo que conclui que o BNDES “é muito importante para explicar a dinâmica dos investimentos no Brasil”. Empresas que recebem empréstimos do BNDES tendem a investir mais, em média, do que as que não recebem. Estudo do BC diz que banco ajuda a puxar os investimentos. Há pelo menos cinco anos Oliveira tem se dedicado a estudar as repercussões nas empresas de decisões de política econômica. Em 2009, ele recebeu o prêmio internacional Rodrigo Gómez, promovido pelo Centro de Estudos Monetários Latino-Americanos (Cemla), por um trabalho que investigou como as decisões de política monetária se transmitem por meio dos balanços das empresas. O seu estudo mais recente examina como o investimento das empresas é afetado por choques inesperados de política monetária, pelos financiamentos do BNDES e pelo seu acesso ao mercado de capitais. A pesquisa ainda não foi publicada como trabalho de discussão do Banco Central, mas versões preliminares podem ser encontradas na internet (seu título em inglês é “In-Depth Analyses of Investment of Firms in Brazil: Do Financial Restrictions, Unexpected Monetary Shocks and BNDES Play Important Roles?”).
Oliveira examinou balanços de pouco mais de 5 mil empresas com capital aberto e de capital fechado, usando bancos de dados da Serasa e também de jornais, incluindo o Valor. No período investigado, que vai de 1994 até 2010, ficou constatado que o BNDES tem um efeito relevante no volume de investimentos das empresas. Choques não esperados de política monetária reduzem investimentos. Firmas com menos acesso ao mercado de capitais sofrem mais do que as demais quando o Banco Central promove uma contenção monetária. Linhas de financiamento do BNDES, porém, suavizam os efeitos do aperto de juros em empresas com menor acesso a financiamentos no mercado.
O trabalho de Oliveira, embora relevante, não esgota a polêmica. Outros economistas desenvolveram pesquisas com abordagem semelhante que chegaram à conclusão oposta. O professor Sérgio Lazzarini, do Insper, é co-autor de algumas das pesquisas mais citadas por aqueles que dizem que o BNDES não aumenta investimentos. Ele diz que há duas diferenças na metodologia em relação ao trabalho de Oliveira que podem explicar os resultados discrepantes.
Uma delas é que o trabalho do economista do Banco Central trabalha com uma janela de tempo mais longa, de 1994 até 2010. Os estudos que Lazzarini desenvolveu em parceria com os economistas Aldo Musacchio e Carlos Inoue utilizam janelas de tempo menores. Em um deles, concluiu que os investimentos feitos pelo BNDES em participações acionárias entre 1995 e 2002 alavancaram, sim, investimentos das empresas. Num outro trabalho, que usa uma janela mais recente, entre 2002 e 2009, ficou demonstrado que os empréstimos do BNDES não aumentaram os investimentos.
Lazzarini argumenta que, quanto mais longo o período de análise, maiores as chances de se encontrar um efeito positivo do BNDES nos investimentos. Na década de 1990, o mercado de crédito e de capitais era menos desenvolvido e a economia foi abalada por várias crises, que restringiram o acesso das empresas a financiamentos. Nessas condições, o BNDES era importante para alavancar os investimentos. A partir de 2002, o mercado de capitais se aprofundou no Brasil, e as crises se tornaram menos frequentes (a de 2008, argumenta, não afetou os emergentes tanto quanto as anteriores e foi rapidamente superada). O dinheiro do BNDES passou, então, a ser apenas uma alternativa mais barata de financiamento de investimentos que seriam feitos de qualquer forma com recursos de mercado.
Uma outra diferença é que Oliveira, do Banco Central, trabalha com uma base de dados mais ampla. Lazzarini e seus colegas usaram informações de cerca de 300 empresas de capital aberto, enquanto Oliveira utilizou mais de cinco mil empresas porque teve acesso a dados com compromisso de sigilo de empresas de capital fechado. No caso dessas empresas, geralmente as que têm menos acesso ao mercado de capitais, o BNDES teria mais efeitos para alavancar os investimentos. A questão é que hoje a maior parte dos financiamentos do BNDES vai para grandes empresas.
Assim, o BNDES puxaria investimento apenas de empresas com acesso mais precário ao mercado de crédito e capitais, suprindo uma falha de mercado. O ponto é que, hoje, a maior parte do dinheiro vai para grandes corporações. “O debate não é se o BNDES deve financiar ou não as empresas. Está claro que deve financiar”, afirma Lazzarini. “O debate deve ser sobre quem o BNDES deve financiar.”
Fonte: Valor Econômico – SP – 17/07/2014