31/05/2022
João Adrien, ex-diretor de Regularização Ambiental no Serviço Florestal Brasileiro, fala sobre sua expectativa de que a próxima década seja marcada pela implementação dos instrumentos previstos na lei
Tiago Cordeiro
Aceito em um programa de mestrado em políticas públicas, relações internacionais e ciências ambientais na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, João Adrien, produtor rural e conselheiro da Sociedade Rural Brasileira, deixou em abril o posto de diretor de Regularização Ambiental no Serviço Florestal Brasileiro, vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Antes, por dois anos e quatro meses, atuou como chefe da Assessoria Especial de Assuntos Socioambientais no gabinete da ministra Tereza Cristina.
Adrien foi estratégico na implementação da Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, mais conhecida como o Código Florestal, que acaba de completar uma década de aprovação e é uma das principais leis a regular a ocupação nas propriedades rurais, de forma a conciliar a produção agropecuária com a preservação ambiental.
Sob sua gestão, a pasta elaborou o Módulo de Análise Dinamizada do Cadastro Ambiental Rural (AnalisaCAR), capaz de qualificar os dados declarados pelos produtores no Cadastro Ambiental Rural (CAR), utilizando tecnologia de sensoriamento remoto. Também em sua gestão foi desenvolvido o Módulo de Regularização Ambiental (MRA), cujo objetivo é viabilizar a adesão dos produtores rurais ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). No final de março, lançou também o Plano Nacional para Regularização Ambiental dos imóveis Rurais, o RegularizAgro, com objetivo de construir uma governança entre as unidades federativas e o SFB para construção de uma agenda de implementação da legislação.
Na entrevista a seguir, Adrien faz um balanço de seu trabalho no ministério. Ele defende uma maior proatividade dos estados para avançar na agenda. Ressalta que a etapa atual é de análise e qualificação dos dados declarados no CAR, sendo necessário que todos os atores envolvidos — entidades, setor privado, terceiro setor — estejam alinhados. Afinal, se essa etapa não for superada, não será possível seguir na implementação da legislação e viabilizar a adesão dos produtores ao PRA, por exemplo.
Quais foram os principais desafios que o senhor encontrou no processo de implementação do Código Florestal?
A gestão atual do Ministério da Agricultura unificou vários órgãos, incluindo o Serviço Florestal Brasileiro, e realizou uma reestruturação nas políticas agrícolas e agrárias do país, conciliando as diferentes políticas do setor agro em uma única pasta. Foi um desafio, mas vejo com bons olhos os resultados dessa integração, pois temos hoje em um único ministério, as políticas ligadas a agricultura familiar, de média e grande escala, a agenda da regularização fundiária, da regularização ambiental, entre diversos outros. Um dos resultados dessa integração foi o Observatório da Agropecuária, uma plataforma de integração das diversas bases de dados do Mapa em um datalake para consulta pública de tais informações.
Neste contexto, o SFB integrou a estrutura do Mapa e, como consequência, a coordenação nacional da implementação do Código Florestal agora é de responsabilidade desse ministério. Um dos principais desafios para a continuidade da implementação dessa legislação é a coordenação entre o SFB e as unidades federativas, atendendo às suas demandas e, ao mesmo tempo, construindo capacidade institucional para que avancem na agenda. Atualmente, poucos estados priorizaram avançar de forma decisiva na implantação da lei, sobretudo nas etapas seguintes da adesão dos produtores ao CAR. A decisão é sobretudo política e, quanto a isso, será necessário o engajamento dos atores envolvidos para garantir que tal prioridade política seja estabelecida. Sem engajamento, não haverá priorização.
Qual sua avaliação do ritmo de implementação do CAR?
O avanço é lento para a importância e os benefícios que tal legislação trará ao setor agro, porém, houve avanços significativos e uma estrutura que permite a continuidade da implementação. Podemos dizer que os primeiros dez anos da aprovação do Código Florestal foram de consolidação jurídica da legislação e da construção de instrumentos tecnológicos para implantar os dispositivos legais. Por seis anos, desde a sanção em 2012, a lei passou por uma série de contestações judiciais no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Foi somente em 2018 que a suprema corte julgou as ações e considerou constitucional praticamente quase todos os dispositivos da lei. Nesse meio tempo, apesar da insegurança jurídica, houve a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Sistema Nacional do Cadastro Ambiental Rural (Sicar), que viabilizou a primeira etapa de implementação do Código Florestal, com adesão de 6,5 milhões de imóveis rurais no Cadastro. Esse Cadastro gerou, pela primeira vez na história, uma fotografia do uso de ocupação do território nacional. Por isso se tornou uma ferramenta de planejamento territorial essencial no setor.
A legislação ainda se encontra na sua primeira etapa, a adesão dos produtores ao CAR. Os passos seguintes, de qualificação dos dados declarados e de viabilização da adesão dos produtores aos PRA, ainda estão distantes e precisarão de muito engajamento para avançarmos nesta década.
Como a análise dinamizada pode trazer mais celeridade para a análise dos CARs?
A ferramenta tem potencial de contribuir para maior celeridade na análise do CAR pelos estados. Com a utilização de tecnologia de sensoriamento remoto, é possível analisar a adequação ambiental dos imóveis à legislação sem a necessidade de uma análise manual e unitária dos cadastros. Caso contrário, levaremos décadas para finalizar essa etapa. Claro que nem todas as situações poderão ser analisadas de forma dinamizada. Para essas os recursos humanos são indispensáveis, porém, para uma maioria expressiva do CAR, a análise dinamizada contribuirá enormemente para avançarmos nas etapas seguintes da legislação. Devemos lembrar que os principais benefícios e mudanças na legislação, que foram amplamente defendidos pelo setor em 2012, encontram-se na etapa do PRA. Portanto, viabilizar a adesão dos produtores rurais ao programa é essencial para consolidar tais benefícios ao setor e ao meio ambiente.
Como podemos aprender com experiências de estados que estão tendo mais sucesso na implementação do Código Florestal?
Podemos dizer que os estados que priorizaram politicamente avançar na agenda tiveram progressos relevantes. Podemos nomear, sobretudo, o Mato Grosso, o Pará, o Espírito Santo e São Paulo. Os três primeiros seguiram uma estratégia de análise principalmente com contratação de equipe para análise do CAR e assistência ao produtor. O Espírito Santos conta com toda a base do CAR já analisada. Já São Paulo utilizou a ferramenta da análise dinamizada em mais de 85% da base e agora aguarda comentários dos produtores. Todas as soluções e alternativas são passíveis de críticas e de melhorias. Porém, o importante é que esses estados estão avançando e aprimorando seu conhecimento conforme a agenda avança.
Outro aspecto importante é a capacidade do SFB de atender às demandas dos estados, sobretudo no que diz respeito à integração de sistemas e à utilização dos diversos módulos do Sicar. Uma recente reestruturação do Mapa integrou a área de tecnologia da informação do SFB ao ministério, gerando uma certa sobrecarga de demandas na qual o Sicar pode não ter a prioridade que merece. Torna-se necessário que o Mapa, e os diversos atores envolvidos, estejam atentos para garantir que haja uma estrutura capaz de atender às demandas estaduais, bem como a sustentação do sistema. Caso contrário, poderemos presenciar interrupções no avanço da agenda por questões tecnológicas.
O que é o RegularizAgro?
É o Plano Nacional para Regularização Ambiental dos Imóveis Rurais, que tem o objetivo de avançar no desenho de uma agenda integrada entre estados e a União para a efetiva implementação do Código Florestal. Torna-se urgente que tenhamos uma visão clara, com objetivos, metas e indicadores de onde queremos chegar e quais as ações que estados e a União precisam tomar, no curto, médio e longo prazo, para avanços significativos nessa agenda. Hoje não temos nenhum indicativo ou estratégia que garanta que a lei será implantada nesta década. O RegularizAgro pretende construir um caminho para alinhar os diversos atores envolvidos e garantir que esta década seja da efetiva implantação do Código Florestal.
Qual a sua expectativa para os próximos anos?
Os primeiros dez anos podem ser considerados de consolidação, tanto jurídica quanto de estruturação dos instrumentos para a implementação da lei. Espero que esta próxima década seja marcada pela efetiva implementação dos instrumentos e pelo avanço na regularização ambiental dos imóveis rurais. Mas só vamos conseguir avançar se houver prioridade política nos estados para implementar a legislação.
O setor agropecuário precisa avançar de forma célere na implantação dessa legislação. Como ressaltado pelo pesquisador Rodrigo Lima, da consultoria Agroicone, o CAR será o passaporte verde do setor agro no mercado internacional, sobretudo para quantificar os estoques de áreas preservadas pelos imóveis rurais, demonstrando a externalidade positiva da agricultura brasileira. A demora e o não avanço na qualificação dos dados do CAR não permite distinguir entre atividades ilegais e legalizadas, colocando os produtores rurais regularizados no mesmo nível dos ilegais, uma situação perfeita para nossos concorrentes avançarem em propostas de barreiras não tarifárias ao comércio. É importante ressaltar que o produtor rural será o principal prejudicado caso não avancemos de forma significativa na implementação do Código Florestal nesta década.