17/10/2013
Nova chance para Obama
No último minuto, EUA evitam calote
Após duas semanas de tentativas fracassadas, o Congresso dos Estados Unidos aprovou ontem um acordo entre republicanos e democratas para permitir a reabertura, hoje, do governo, parcialmente paralisado desde o começo do ano fiscal, em 1º de outubro. O entendimento costurado pelo Senado e referendado pela Câmara na noite de ontem evitou que o país entrasse em moratória a partir de hoje, com graves reflexos para o mercado global. No entanto, a solução provisória para superar o impasse em torno do orçamento federal também adiou um desfecho sobre o aumento do teto da monumental dívida de US$ 16,75 trilhões do país.
A boa notícia veio de manhã, quando os líderes no Senado Harry Reid (democrata) e Mitch McConnel (republicano) anunciaram o acerto bipartidário. O senador oposicionista Ted Cruz, que anteriormente havia sido contra qualquer compromisso, garantiu que não haveria bloqueio da votação, e o projeto acabou sendo aprovado por 81 votos contra 18. Da mesma forma, o presidente da Câmara, o deputado republicano John Boehner, prometeu não obstruir o acordo – o placar na Casa ficou em 285 a 144.
Resistência
Ao longo do dia, a notícia de que um entendimento estava próximo reacendeu o ânimo nos mercados de ações, que passaram a subir de forma consistente. No Brasil, as cotações do dólar recuaram. Mas o alívio de ontem foi apenas mais um capítulo da tensa novela envolvendo a resistência parlamentar da oposição ao governo do presidente Barack Obama, tendo seu programa nacional de saúde, apelidado de Obamacare, como alvo principal.
O acordo garante um prazo extra até 15 de janeiro do próximo ano para o funcionamento das agências do governo e até 7 de fevereiro para acertar o novo teto da dívida. O presidente prometeu sancionar o projeto assim que ele chegasse à Casa Branca. “Podemos começar a levantar essa nuvem de incerteza e inquietação das nossas empresas e do povo norte-americano”, desabafou Obama.
O último esforço para evitar o calote histórico na dívida norte americana afastou o risco de um impacto nefasto sobre as finanças globais, sobretudo nos mercados emergentes, entre os quais grandes credores do Tesouro dos EUA. Numa lista encabeçada pela China, o Brasil aparece em terceiro lugar entre as nações. No entanto, o acerto não oferece uma perspectiva segura de estabilidade na gestão fiscal.
Claudia Kodja, gestora de estratégias no mercado de capitais, lamentou que os EUA tenham de continuar lidando com acordos provisórios e de curta duração, limitando as ações do governo a longo prazo. “A desordem dos últimos dias é sucedida por tréguas, cujas doses homeopáticas de recursos não eliminam as razões dos conflitos”, observou. Para ela, esse quadro só será revertido com a renovação das lideranças políticas.
A atual desordem fiscal tem origem na crise financeira de 2008. deflagrada pela quebra do banco de investimento Lehman Brothers. Ameaçado pela recessão, o governo de George W. Bush lançou mão de recursos públicos para sustentar a economia e os gastos pesados em duas guerras.
O presidente republicano deixou uma herança bem diferente do superávit fiscal recorde de US$ 230 bilhões que recebeu do antecessor, Bill Clinton. Para Obama, ele passou uma dívida 80% maior, equivalente a mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Segundo analistas, a situação orçamentária tem inibido o crescimento anual da maior economia do mundo em até um ponto percentual por ano, com efeitos negativos sobre todos os demais países.
Ao divulgar ontem o Livro Bege, um relatório de conjuntura, o Federal Reserve (Fed), o banco central do país, observou que o clima de “crescente incerteza” gerado pelo impasse fiscal contribuiu para que a economia dos EUA mantivesse, em setembro, um ritmo de expansão fraco, entre “modesto e moderno”. Das 12 regiões do país monitoradas, oito reportaram o mesmo nível de crescimento anterior e quatro registraram uma taxa menor do que no período precedente.
Otto Nogami, professor de economia do Insper, não acredita que essa realidade vá mudar substancialmente com o “remendo de curto prazo” anunciado ontem no Capitólio. “Em tese, a situação parece ter evoluído, mas a solução está mascarando outro problema. Os republicanos só baixarão as armas quando conseguirem impor um custo menor de financiamento ao Obamacare”, explicou. Para o Brasil, os analistas lembram que uma vantagem indireta da crise está na queda do dólar e na perspectiva de manutenção dos estímulos monetários adotados pelo Fed.
Reações
No Brasil, o acordo de última hora, que evitou um inédito calote da maior potência global, reduziu a tensão que se instalou nos últimos dias nos altos escalões da área econômica. “Foi um alívio para o mundo todo”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “A economia global está numa Fase de recuperação, e a suspensão dos pagamentos da dívida poderia emperrar todo esse processo”, disse ele. “O clima de insegurança e desconfiança prejudicaria os negócios de modo geral.”
Mantega observou que empresas brasileiras que captam recursos no exterior para financiar seus investimentos foram prejudicadas nas últimas semanas, já que o mercado de títulos ficou praticamente travado em função da insegurança gerada pelo impasse fiscal dos EUA. O governo, porém, não foi afetado, pois não fez nenhuma emissão de títulos no mercado externo.
Fonte: Correio Braziliense
Data: 17/10/2013