17/02/2022
O professor Aloisio Buoro fala das certezas — e incertezas — no processo de ascensão profissional no pós-pandemia. O que mudou com o trabalho a distância?
Leandro Steiw
À medida que a pandemia de covid-19 flui e reflui, fechando e reabrindo os escritórios, seguem as indagações sobre a influência do trabalho remoto nas relações profissionais. Uma das dúvidas é sobre a ascensão dentro das empresas. Algo mudou na forma como os empregados são promovidos? Aloisio Buoro, professor de liderança e gestão de RH do Insper, diz que há um risco de o trabalhador remoto ficar mais esquecido em relação aos que atuam presencialmente. No entanto, para as empresas, a maneira de lidar com as promoções não deve se alterar: está em vantagem quem apresenta resultado.
Mestre em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo, Buoro percebe espaço para novos questionamentos. “Temos uma oportunidade enorme para ressignificar o que é o trabalho das pessoas, se é estar presente no lugar onde se trabalha ou se significa outra coisa”, afirma Buoro. Outro desafio é evitar que as discussões e as ações sobre discriminação social, racial e de gênero no trabalho, que historicamente interferem nas promoções, deixem de evoluir durante a pandemia.
Já é possível perceber algum efeito da pandemia e do trabalho remoto nas promoções dentro das empresas?
A questão da pandemia é algo recente, da qual não temos muitos dados, muita confirmação sobre o que vai acontecer e não vai acontecer. Mas temos algumas certezas, por exemplo, a certeza inicial. Existe um efeito de não estarem todos juntos trabalhando no mesmo lugar. Sabe-se que isso é ruim para as organizações, que tem um efeito com o qual ainda não conseguimos lidar. Supomos — é uma hipótese — que haja um efeito do ponto de vista de cultura organizacional, de como se fazem as coisas na organização, no processo de trabalho. A hipótese é que a empresa perde um pouco a cara, perde um pouco o seu jeito. Ou seja, consigo dizer, de uma maneira mais genérica, que vai mudar o jeito de se fazer as coisas. Não sei se para melhor ou para pior. Entendo — é uma hipótese — que essa falta de contato piora a forma de a gente resolver problemas nas organizações. No entanto, temos uma pequena contrapartida: a empresa continua, de certa maneira, dando resultado.
Então, eu tenho duas esferas. De um lado, estou achando que o negócio pode ser ruim porque não resolvemos o problema juntos, o que é ruim para as pessoas, para as interações, mas também é ruim do ponto de vista de tempo de resolução, da profundidade das soluções. Isso não conseguimos medir. Do outro lado, talvez pesando positivamente, a organização continua existindo, continua apresentando resultado, em alguns casos melhores do que outros. A maneira de lidar com as promoções está mais deste segundo lado, do resultado, do que do primeiro. Perdemos um pouco essa capacidade de entender, para o ponto de vista da promoção, a situação de “você resolveu muito bem, você se integra muito bem com as pessoas, você interage muito bem”. Mas se continua tendo, talvez (reforça o talvez) mais do que antes, essa noção do projeto que deu resultado. Então não se perdeu a capacidade de olhar para resultado desta forma. A partir daqui, vou estruturar o meu argumento.
Historicamente, alguns grupos são discriminados nas promoções. O trabalho remoto pode deixar esses profissionais esquecidos em relação aos que trabalham presencialmente e aumentar a injustiça?
O que se sabe sobre promoções no contexto de pandemia: a promoção tem um aspecto que vai ao encontro do que você falou. Ou seja, não sei por qual critério eu promovo, mas, por acaso, promovo as pessoas que são iguais a mim, as pessoas de quem eu gosto, as pessoas que acho que têm a ver comigo, as pessoas que eu imagino que cumpram aquilo que a organização tem como valor e assim por diante. Ou seja, tem um efeito da promoção que é proximidade, empatia, e podemos dar esses nomes que você, com propriedade, diz: é discriminação. Sim, promovo quem é similar, quem é igual. E existe um caminhão de desculpas corriqueiras: mérito, não está preparado, não está preparada, não tem a cara da empresa. Temos diversos ajustes nesse sentido. Para chamar isso de justiça ou injustiça, precisamos lidar com duas perspectivas. Uma perspectiva da organização, que é essa que eu trouxe até agora, e outra que é a perspectiva das pessoas. Se quero a minha promoção, estou pensando do meu ponto de vista. Se sou merecedor ou não, aí é que entra esse critério de justiça ou não.
Quem estabelece o critério de justiça são as organizações. E aí tem um corte que é importante entendermos. Algumas organizações terão esses critérios absolutamente mais institucionalizados, claros, cristalinos; em outras, jamais se vai encontrá-los. O critério está muito mais na linguagem de sinais, de significados. É mais tácito do que objetivo, direto, cristalino. Essa é a regra. Se cumprir a regra, está dentro.
O porte da empresa influencia nesses critérios?
Minha hipótese é que empresas maiores costumam ter mais estrutura e, portanto, têm mais claro esse tipo de regra. As empresas menores talvez tenham um pouco mais de dificuldade. O que pode ajudar as menores, agora, é um contexto de digitalização, de lidar com um conjunto de dados das pessoas no trabalho que o ambiente remoto permite mais do que o ambiente presencial. Eu tomaria um pouco de cuidado em falar de justiça e injustiça. Sinto-me mais confortável em falar da existência de justiça e injustiça do ponto de vista de cada uma das pessoas, mais do que de um ponto de vista organizacional.
Há outro termo que você usou: as pessoas ficam mais esquecidas. Não vou conseguir promoção porque não sou lembrado. Esse termo eu acho fundamental. No seguinte sentido: aquilo que eu fazia no presencial para me fazer vivo, para me colocar, é outra linguagem, é outra forma no contexto virtual. Acho que estamos num mundo de experimentação enorme, então, sim, acho concreta e real essa possibilidade de sermos esquecidos. Porque não sei qual é a regra, nem eu, nem ninguém. Nem a organização sabe como é que a pessoa vai se verificar mais. Ao longo do tempo, com o uso do ambiente virtual, começamos a entender que, sim, precisávamos ter cuidado com a imagem, olhar para a câmera e não ficar olhando para o teclado. Isso dá conotações diferentes. E, sim, podemos ficar esquecidos. Só que não tenho critério, nem a organização, de quem se projeta melhor, de quem se projeta pior. Entra-se numa seara que, para mim, é um campo enorme de experimentação. Portanto, acho absolutamente pertinente as pessoas se preocuparem, porque isso é, grosso modo, uma das formas de subir na organização, de ser promovido.
O esquecimento é ruim em todos os níveis de cargos?
Costumamos dizer que, nos cargos de gestor para frente (gerente, direção e assim por diante), é preciso ter uma exposição ampla na organização. Além do seu cargo, além da sua posição, além de todas essas coisas, precisamos ter essa exposição. E fazemos isso no ambiente presencial circulando, vendo as pessoas. Fazemos isso de diversas formas. No contexto virtual, fica a pergunta: como é que vamos fazer isso? Para não ser esquecido, para juntar um pouco desse que eu vou chamar — com muito cuidado, pelo momento que a gente vive — de contexto político. Precisamos fazer uma presença política na organização e continuamos precisando fazer essa presença política na organização para subir. Dadas essas questões, não consigo dizer com propriedade ainda quais foram, quais são e quais têm sido os efeitos da pandemia no mercado de trabalho.
Acho que esta é uma questão importante. Alguns gostam mais; outros gostam menos. Adoraria ver dados significativos sobre essas questões. O conjunto de dados que temos é insignificativo. Do que temos acompanhado, acho que estamos experimentando muita coisa. Eu gosto da experimentação quando ela acontece com dois critérios de importância. A primeira é saber o que se está experimentando. Portanto, qualquer que seja o resultado obtido, vai-se lidar com ele, para o bem e para o mal. A segunda questão é se todos estão de acordo com isso. Ou seja, vamos experimentar e vamos ver o que é melhor a partir disso. Então, sob essas condições, acho que faz sentido a experimentação.
Nesse ambiente de incerteza, de experimentação, você recomendaria não mudar o comportamento no remoto, em relação a como seria no presencial?
Acho que é impossível a gente não fazer isso. Não conseguimos ser no mundo virtual, num chat ou coisa assim, tal qual a gente é no mundo presencial. São meios diferentes, são mídias diferentes. Portanto, não vejo como não alterar alguma coisa do nosso comportamental no mundo virtual. Nós nos colocamos de uma forma diferente, nos vemos de uma forma diferente. Uns estão mais acostumados; outros, menos. Mas não importa, acabamos tendo de nos mostrar de uma forma diferente, sim. Não somos lidos da mesma forma.
Como não perder rendimento profissional no trabalho remoto?
Algumas coisas são importantes. A primeira é a questão de marcar o tempo, de ter um comportamento meio regrado. Acho que, nesse sentido, dados do cotidiano ajudam bem. Horário para começar, horário para terminar, quantidade de reuniões, preparação de reuniões. Esses marcadores de cotidiano ajudam bem. Não vou falar de horário porque acho que não faz muito sentido. Uma coisa que não se dava muita atenção e que, logo cedo, foi relatado em vários lugares: a cadeira, a postura, a altura do micro; toda aquela ergonomia que estava dentro da empresa tem que ser traduzida para casa. Sim, cadeira faz diferença. Sim, velocidade de internet faz diferença. Tudo isso tem um efeito. A leitura do ambiente da tela é bastante significativa também.
Há a questão do relacionamento. Já tínhamos um pouco desta prática, mas acho que ela se exacerbou agora, que é resolver as coisas por mensagem, WhatsApp e instrumentos dessa natureza. Então, precisamos entender que são duas dimensões diferentes da mesma coisa. Em uma dimensão, você está presente no vídeo, você dá resposta no vídeo, faz parte de um grupo no vídeo; na outra, você ser efetivo nesses canais de comunicação por mensagem. O meu ponto aqui é que cada empresa lida diferente com estes três níveis de mensagem: a mensagem visual, a mensagem virtual e a presença síncrona e assíncrona. Como nos colocamos nesses dois mundos ao mesmo tempo? Então, esses marcadores diários são relevantes para isso.
Do meu ponto de vista, temos uma oportunidade enorme para ressignificar, afinal de contas, o que é o trabalho das pessoas. O trabalho das pessoas é estar presente no lugar onde se trabalha sempre todo dia das nove às seis, ou o trabalho significa outra coisa? Qual é a expectativa do trabalho, qual é a noção que temos do trabalho? Já se sabe que algumas empresas, nem vou dizer mais ou menos tradicionais, querem voltar 100% como era antes: presença física no lugar, porque o negócio é assim, a empresa é assim e acabou. E existem empresas que estão fazendo o movimento absolutamente oposto: entendem que dá para viver sem isso, por diversas razões, e se reestruturam. Há a questão do entendimento do trabalho, de custos, de oportunidades para as pessoas, de diversas possibilidades. A minha curiosidade é um pouco nesse sentido. Será que vamos ter um significado do trabalho para as pessoas diferente daquele anterior? Ou não?
As mulheres são preteridas nas promoções e nos salários em relação aos homens. O ambiente virtual agrava essa discriminação?
Do ponto de vista da pergunta, estamos falando de algum tipo de discriminação. Eu não entendo que o ambiente virtual agrave a discriminação, e também não sei dizer se atenua. Mas acho que continuamos num contexto de discriminação muito forte e que precisamos ter um cuidado em olhar melhor e mais adequadamente para o mundo no qual a gente vive. As organizações devem entender o contexto desta forma: vamos olhar como é que se usam todas essas discriminações, porque sim, nós discriminamos. As mulheres continuam sendo discriminadas, os grupos minoritários também, de diversas formas. Acho que melhorou a possibilidade de sermos capazes de perceber isso nas nossas microações cotidianas, as nossas discriminações conscientes e inconscientes. E não consigo verificar que o mundo virtual tenha um efeito de aumentar ou diminuir esse efeito.
Os nossos desafios não mudaram muito em relação ao que já eram antes da pandemia…
Acho que não. Continuamos com esse mesmo desafio. Talvez tenha aberto um pouco mais a discussão, o que acho excelente, mesmo em qualquer nível. Porque essa discussão pressupõe que vamos evoluir. Mas que dá para melhorar muito ainda eu não tenho a menor dúvida. Precisa melhorar.