30/10/2012 – Brasil Econômico
No Reino das Águas, havia um rei, Dácio, que lutava para não morrer. Já havia sido desenganado pelo câncer dez anos antes, mas havia uma magia que o mantinha vivo.
Queria passar a sua sabedoria e o seu reinado para seu filho. Dácio sempre foi um iluminado. Nasceu na cidade Luz, município mineiro, uns 200 km pertim de Belo Horizonte, onde começou seu reinado distribuindo livros e revistas.
Um ano de trabalho depois, uma enxurrada destruiu seu negócio. Mas a água suja que o destruiu foi a mesma que ele purificou e com a qual construiu seu reino, que agora transmitia ao seu filho, Dácio Jr.
Mas como coisas ruins só acontecem com pessoas boas (já que, com pessoas más, é castigo), o encantamento do rei deixaria de existir no final de 2009. Um desentendimento na saída de uma padaria em Higienópolis, bairro de São Paulo, uma facada no abdômen e Dácio Jr perdia muito sangue.
Nos contos de fadas, príncipes são feridos em combate, mas sobrevivem rumo a um final feliz. Mas aquela estória que o rei escrevia terminava ali. Deixava de ser um conto de fadas para virar estatística, dessas que você lê e esquece, até que a estatística se depara com você algum dia.
A mágica tinha acabado, e acabado com a resiliência do rei. Poucos meses depois, não resistiu a uma nova enxurrada, mas agora de células cancerígenas. Desespero no reino que perdera seus dois líderes em pouco tempo.
Além da rainha, havia uma jovem princesa de 26 anos que pouco entendia da administração do Reino das Águas. Como todas as princesas dos contos de fadas, Manuella fazia tudo direito e era toda coração.
Gentil, bondosa e voluntária de causas sociais, agora se preocupava em ser mais razão para manter o legado das Águas e ir bem busca da paz que tinha até o Natal de 2009.
Mas estórias assim precisam de um guerreiro de um território distante. E ele apareceu. Diogo era um soldado em busca de um coração. Já havia lutado em batalhões de grandes corporações, travado lutas cerebrais em projetos de consultoria estratégica e sobrevivido aos relâmpagos criativos das agências de publicidade.
Engenheiro de formação, sabia que tinha cérebro mas achava que lhe faltava um coração que batesse por um propósito maior do que frameworks dos templates dos powerpoints. Buscava uma semente para ajudar a tornar o mundo melhor.
E como este romance é moderno, ambos foram se encontrar em um curso chamado Certificate in Business Administration. Entre uma análise SWOT e o cálculo do custo médio ponderado de capital, passaram a falar de como a vida não é um conto de fadas.
Manuella falava de grandes propósitos e de um mundo melhor, e Diogo, dos tais frameworks que havia aprendido na empresa de consultoria, dos briefings das agências de propaganda e de project management das grandes empresas. Não viam o tempo passar e, de repente, era ela falando de gestão de projeto, briefings e frameworks, e ele, de grandes propósitos na vida.
Ela falava de conselhos de administração e ele de guerreiros sem armas. Ela dizia coisas sobre yoga e ele sobre triatlo. Ela de água, e ele, de sementes.
Ela, Manuella Curti de Souza, diretora geral do Grupo Europa, líder nacional em purificação de água e ele, Diogo Tolezano, empreendedor do Sementes da Paz, um negócio social que pratica o comércio justo de alimentos orgânicos produzidos por pequenos agricultores.
Você pode achar que tudo isso não passa de um conto de fadas. Mas, na verdade, é só a vida que vale a pena ser vivida e a convicção de serem felizes sendo o que são.
Marcelo Nakagawa é professor e coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper